Parecia uma terrível incógnita, a garota não compreendia as palavras, queria se retirar dali e correr para um palco e bailar toda a sua peça outra vez.
– O que é isso? – Sua mãe perguntou, soltando sua mão e a deixando pousar sobre a mesa do consultório frio e sem cheiro.
– É uma doença genética – começou Dr. Colbert. – Provoca alterações na produção de colágeno, detectada facilmente em decorrência de uma queda, como no caso de Loryna.
– A queda no palco não foi tão brusca capaz de quebrar meus ossos – balbuciou a garota, com firmeza.
– Exatamente. Não fora a queda que quebrou seus ossos, e sim, a doença. – Dr. Colbert se levantou, arrastou a cadeira para perto de Loryna, segurou suas mãos, a garota sentiu um calor com o toque, e disse: – Você terá que abandonar o palco, minha querida. Nunca mais poderá dançar.
Os olhos de Loryna se descortinaram, a garota não viu mais nada, a não ser um vulto negro e depois mais nada. Com um grito de medo, dona Márcia segurou o corpo desfalecido de sua filha, Dr. Colbert correu e chamou enfermeiros.
A moça fora levada para um quarto e internada sob observação médica prescrita. Gerard que estava na sala de espera do lado de fora do consultório, assustando-se com a carreira que se intensificou nos corredores, dera saltinhos até dona Márcia e a fuzilou com questionamentos em seu francês, com sua voz amedrontada.
– O que houve? Pelo amor de Deus – e se agitava, andando de lado para o outro, indo atrás de dona Márcia e dos médicos.
Gerard foi arrastado por Márcia até o consultório de Dr. Colbert, lá o médico lhe direcionou todas as informações e lhe colocou a par da terrível doença que castigava os ossos de Loryna. Com lágrimas teatrais caído de seus olhos, que o homenzinhosecava com um lenço de seda rosa.
– Quelle honte – exibiu seu francês, Dr. Colbert franziu a testa.
– Ele é francês, doutor – explicou Márcia.
Os dois saíram do consultório com Dr. Colbert em seu encalço. A situação era como uma hecatombe que caíra sobre eles. Loryna internada, sonhos inacabados e frustrados, ossos quebrados, era assim que assimilavam o que estava acontecendo atodos.
***
Enquanto lia um livro de contos extraordinários, trancado em seu quarto, concentrado. Ao virar a página, consternado ao lembrar-se de Loryna, o rapaz contraiu-se ao ser intimidado pelo toque de chamada de seu celular. A música reverberou em seus ouvidos, arrebatando-o de sua mesa, atendeu-o de um salto.
– John? – Um sotaque francês ressoou do outro lado da linha.
– Sim – respondeu.
– Aqui quem fala é Gerard, preciso que venha até o Hospital Central – e passou o endereço entre bordões franceses, informando-o sobre o que aconteceu com Loryna, sobre a ida ao hospital e a internação.
John anotou tudo, e em minutos, o rapaz ganhava a rua e corria em direção ao hospital. Percorrendo as ruas movimentadas com passos rápidos, com a mente com os pensamentos em ebulição, ele ruminava os efeitos dos encontros com Loryna. A bailarina era a figura feminina mais adorável que ele já vira e sentira em seus braços, era algo quase que divino estar em sua presença.
À porta do hospital, ele avistara Gerard encostado em um poste, o homem fumava um cigarro e soltava a fumaça pelos ares com um ar de preocupado. Apavorado com a chegada do garoto, o homem, em um de seus pulinhos, jogou o cigarro longe e fulminou o garoto com os olhos.
– Ninguém saberá disso, garoto – explicitou sua embaraçosa situação, como estivera transtornado, pedindo que aquilo se mantivesse em segredo entre os dois.
– Pode deixar – falou. – Onde está Loryna? – John se inquietava na presença de Gerard.
– Siga-me.
Empurrou a porta da frente do hospital, John passou pela entrada, Gerard o seguiu e a porta se fechou, automaticamente.
– John! – Dona Márcia correu na direção do garoto e o abraçou. O rapaz queria ter se desvencilhado, mas os braços rápidos da mulher o envolveram.
Os transtornos de ansiedade causados pela depressão recém curada de John o faziam ter aspectos incomuns na presença de outras pessoas. Um simples ato de abraçar alguém ou sair em público não era tão fácil quanto parecia ser.
– Está com frio, querido? Está tremendo – lhe questionou a mulher, notando sua repentina tremedeira.
– Um pouco – mentiu ele, soltando-se do abraço. – Onde está Loryna?
– No quarto, em observação – explicitou. E fez sinal para o garoto a seguir.
Cruzaram a sala de espera do hospital, virando em um corredor à esquerda e avançado para um quarto, John encontrara Loryna deitada numa cama de lençóis brancos e cheirava a talco de bebê. A garota que estava deitada não parecia com a bailarina que John vira no palco dias atrás; era uma garota frágil e vulnerável, quase deprimida.
– John – resmungou Loryna, erguendo a cabeça do travesseiro.
– Não se esforce, por favor – pediu, se aproximando do leito. – Como está se sentindo?
– Eu nunca mais vou dançar, John – choramingou. – Nunca mais.
Os olhos de John vibraram, sua mente buscou as imagens de Loryna se apresentando na peça, incrivelmente graciosa. Também lembrou-se da queda, da multidão alvoroçada num burburinho tremendo e todos saindo do teatro, em confusão.
– Não diga isso, Loryna – rogou para a garota.
– Fui diagnosticada com ossos de vidro – informou.
Dona Márcia desatou todas as palavras que dr. Colbert dissera para ela e a filha, como se tivesse decorado o informe do médico. Desacreditado, o garoto, já ao lado do leito de Loryna, segurou firme nas mãos da moça, com as lágrimas brotando de seus olhos, disse:
– Nas minhas lembranças você sempre bailará.
Loryna lembrou-se de sua queda no palco, do movimento em falso na praça quando caiu por cima de John, suas lembranças também fervilhavam. O consolo nas palavras do garoto de olhos azuis fez com que a doença fosse apenas uma simples incapacidade de dançar nos palcos, mas estaria sempre bailando, bastava as pessoas se lembrarem.
– Apenas fique comigo, John – rebateu.
De esguelha, Gerard, que seguira dona Márcia e John até o quarto, observava os dois. Os músculos de sua face não se moviam, seus olhos estavam fixos naquele cenário épico, era como assistir uma cena da mais trágica peça de teatro. O homem esperava que o pior acontecesse a qualquer momento.
Dona Márcia enxugou as lágrimas, ofegou, limpou a garganta com pigarros e saiu do quarto, puxando Gerard pelo colarinho de sua camisa, que se soltou urrando e bufando, e bateu a porta do quarto.
A sós, o garoto se inclinou para Loryna, que o encarava atenta e gentilmente, e cheio de sensações e emoções dentro de si, lhe desferiu um beijo. Os lábios finos da menina se intrincaram com os carnudos do garoto, ambos eram ardentes, doces e suaves; as emoções mais ardentes entravam em ebulição dentro deles; a garota passou o braço pelo pescoço de John, puxando-o contra si.
– Não me deixe – foi a voz de John que escapou por entre os beijos.