Ossos de vidro, alma de fumaça
img img Ossos de vidro, alma de fumaça img Capítulo 5 Cartas para ninguém - Parte 1
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Capítulo 6 Cartas para ninguém - Parte 2 img
Capítulo 7 Cartas para ninguém - Parte 3 img
Capítulo 8 Cartas para ninguém - Parte 4 img
Capítulo 9 Depois da meia-noite - Parte 1 img
Capítulo 10 Depois da meia-noite - Parte 2 img
Capítulo 11 Depois da meia-noite - Parte 3 img
Capítulo 12 Depois da meia-noite - Parte 4 img
Capítulo 13 Depois da meia-noite - Parte 5 img
Capítulo 14 Depois da meia-noite - Parte 6 img
Capítulo 15 Depois da meia-noite - Parte 7 img
Capítulo 16 Depois da meia-noite - Parte 8 img
Capítulo 17 Depois da meia-noite - Parte 9 img
Capítulo 18 Depois da meia-noite - Parte Final img
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Capítulo 5 Cartas para ninguém - Parte 1

Parte I – Antes dela

19 de abril de 2011

Meu querido amigo,

Se você está lendo está singela carta é porque meus segredos estão a ponto de lhe serem revelados. Algo errado aconteceu e minhas cartas acabaram sendo descobertas... infelizmente!

Tenho muitos segredos; segredos escabrosos e de natureza estranha. Fui um adolescente repleto de transtornos psicológicos, e creio que muitos deles ainda não foram completamente dizimados; convivo com alguns poucos ainda.

Primeiramente, devo lhe dizer que escrevi estas cartas para ninguém. Sim, escrevi todas estas cartas para que nunca fossem lidas ou recitadas para ninguém. Não me arrependo de nada do que fiz, espero que não me culpe ao saber dos meus segredos. Tudo o que fiz foi realmente preciso ser feito.

Esta fora a última carta que escrevi, decidi colocá-la no ínicio deste nobre compêndio para que entendesse o meu caso e não viesse a me julgar quando terminasse de ler as cartas.

Não vou me demorar nesta simples apresentação, quero, e peço apenas, que leia tudo com compreensão. O ideal seria que ninguém descobrisse meus segredos, mas como já estas prestes a isso, que o faça com atenção.

Com pesar,

Julian.

10 ANOS ANTES

21 de fevereiro de 2001

Meu querido amigo,

O dia estava cada vez mais difícil para mim. As aulas pela manhã me tiraram de meu estado normal, e em casa, o almoço fora estafante. Genaro, meu padrasto, me provocava cada vez que nos reuníamos, e hoje não fora diferente.

– Sente-se logo, estranhozinho – zombou quando adentrei à cozinha.

– Genaro, pare com isso – ralhou minha mãe. – Sente-se, querido – disse, virando-se para mim.

E ele gargalhara de seus modos para comigo. Eu já estava cansado de suas ofensas, mas fiquei calado e comi meu macarrão com carne quieto. Quando terminei, e fui me levantar, ele disse:

– Agora saia da mesa e lave a louça, mocinha.

– Desgraçado – eu gritei. E tomado por uma fúria, lancei o prato que estava em minhas mãos na cabeça dele.

O prato o atingira em cheio, esguichando sangue na mesa e sobre minha mãe. Genaro caiu da cadeira e se debateu no chão, xingando e urrando com um animal para o abate.

Sai da cozinha correndo e fui direto para o meu quarto, e batendo a porta atrás de mim, me tranquei lá dentro. Comecei a chorar. Eu não estava chorando por medo ou por arrependimento, eu chorava de raiva. Queria que aquele monstro tivesse morrido, e mesmo tendo saído da cozinha às pressas, sei que ele ficaria bem.

Mamãe ficara lá, socorrendo-o. Detestava a forma como ela o tratava bem, fingindo que ele era a vítima. Eu o odiava mais que tudo na vida. Queria vê-lo morto.

Deitei na cama, e sem perceber, meu choro parou e eu adormeci.

Despertei às oito e meia da noite. Me desvencilhei da cama, caminhei até o banheiro, liguei o chuveiro, sem nem ao menos tirar a roupa, e deixei que a água quente escorresse sobre mim. Permiti que me molhasse por inteiro, desejei que aquela água levasse embora minhas amarguras pelo ralo.

Com as roupas molhadas, sentei no chão do banheiro. De cabeça sob a água que caía, meus pensamentos me fizeram reviver a tarde de momentos antes. Eu não sabia de onde tirara coragem para arremessar aquele prato, só entendia que o lancei sem pensar em nada antes.

Lancei-o como se tudo dependesse daquela ação.

Fiquei ainda uns poucos minutos debaixo do chuveiro, depois saí do banheiro, joguei as roupas molhadas dentro de um cesto encostado na parede, enrolei-me num roupão e fui até o guarda-roupa. Apanhei uma calça jeans e uma camiseta preta. Me troquei e desci para a sala, silenciosamente.

Genaro estava no sofá, com uma faixa na testa, assistindo a uma luta de box. Mamãe ao seu lado lia um livro. Percebendo minha presença, largou o livro e me encarou. Encarei-a de volta, como se meu olhar dissesse que estava tudo bem, que eu não iria atacar ninguém novamente.

Os olhos do monstro saíram da televisão e se fixaram em mim, repletos de ódio, assim como os meus. Nos encaramos.

– Para onde você vai, Julian? – Mamãe perguntou, quebrando a tensão que havia se instalado ali.

– Apenas sair um pouco – respondi, virando-me para a saída. – Não me espere acordada – falei, cruzando a porta e me direcionando para a varanda.

Bati a porta, ouvindo Genaro xingar minha mãe às minhas costas. Queria voltar lá, e matar aquele porco imundo, mas contive-me. Eu precisava me acalmar. Não sabia para onde ir.

– Julian! – Uma voz gritou atrás de mim, quando eu já estava caminhando pela rua. – Julian, pare aí!

Voltei o corpo para trás e uma garota morena, agitada, me abraçou exasperadamente.

– Como vai, Karina? – Eu disse, retribuindo o abraço. – Vai aonde?

– Nós vamos ao Bóris´s Bar – ela falou, encarando-me de relance. Como não tinha para onde ir decisivamente, aceitei sua convocação. – Ótimo – ela exclamou.

– Como vão as coisas com você? Novidades, Karina?

– Tudo na mesma, cara – ela replicou, gargalhando. – E com você?

– Tive outra discussão com Genaro, atirei um prato na cabeça dele – afirmei, sorrindo.

Nos entreolhamos, Karina agarrou minha mão como sempre fazia e seguimos para o bar.

O Bóris´s Bar estava lotado, uma banda de rock se apresentava no palco, alucinadamente. Uma atmosfera densa se intensificava no local juntamente com os gritos histéricos dos garotos e garotas que dançavam, bebiam e fumavam ali. Um casal parecia transar num canto afastado do bar, não prestei muita atenção, Karina me puxou para o balcão, nos sentamos e pedimos bebidas diferentes. Eu pedi uma cerveja e Karina pediu vodka.

– Você aguenta a noite toda? – zombei dela.

– Claro que aguento, meu filho – respondeu ela. – O melhor está por vir, olha o Alex ali – apontou para um garoto alto, branco e magrelo que havia acabado de se aproximar do balcão.

Tomou sua vodka em um gole só e saiu entre saltos para perto de Alex, que já foi segurando sua cintura e beijando sua boca, arrastando-a para uma parede.

"Alguém se deu bem", pensei, tomando minha cerveja. Me dei conta de que estava no lugar errado, mas na hora certa. Decidi não me preocupar com os riscos e com possíveis consequências dos meus atos, pelo menos naquela noite.

Terminei minha cerveja e fui para a pista de dança; rock não é um estio musical fácil de se dançar, todos ali balançavam seus corpos, roçavam-se uns nos outros, pulavam e urravam, era assim que se dançavam o rock. Acompanhei-os nos movimentos e na gritaria sem precedentes que faziam aquele lugar parecer uma extensão do inferno na Terra.

Uma garota saiu do bar vomitando, seguida por duas amigas que a amparavam. Era uma cena comum em festas desse tipo; alguém sempre passava mal. Havia duas maneiras de se acabar uma noitada: ou você exagerava na bebida e se dava bem, indo para cama com a pessoa certa, ou exagerava na bebida e ia para cama sozinho.

A segunda opção sempre foi a que me afligiu em todas as festinhas infernais. Em todas as minhas poucas ressacas, apesar da minha idade, eu ia para cama sozinho com um comprimido de aspirina e uma bolsa de água quente.

– Sozinho aqui, Julian – uma loira me tocou no ombro.

Camila sorriu para mim quando me virei, fitando-a.

– Fazer o que, não é – falei. – A sorte me virou as costas esta noite.

– Nem tanto – ela ironizou, encarando-me e mordiscando os próprios lábios.

Eu conhecia muito quem era a Camila. A garota mal falada e mal compreendida do colégio. Ela vestia uma calça jeans justa com uma blusa vermelha que apertava seus seios, com um recatado decote.

– Vamos tomar uma bebida? – Ela pediu, me levando para o balcão antes que eu respondesse. – Duas cervejas, por favor.

Camila sentou cruzando as pernas fartas e bem apalpáveis, senti um desejo imenso de tocá-las. Desviei meus olhos de suas pernas para seus seios; fartos e alvos, os seios da garota eram grandes e bonitos, bem elevados e com toda a certeza seria um sonho para todo bebê mamar naquelas tetas.

Me imaginei mamando nas tetas de Camila, subindo e descendo a língua por seus seios, até deixá-la cair sobre sua barriga e, por fim, lambe-la no lugar onde seria o auge de sua excitação.

– Hoje está agitado, que saco – ralhou Camila; pisquei várias vezes saindo da minha fantasia erótica. – Vamos sair daqui, Julian?

– As bebidas?

– Conheço o barman, não será problema. Vamos!

Nos desvencilhamos da multidão que ainda se abalava com a banda de rock. Camila empurrava e era empurrada pelos garotos à sua frente, pude ver um deles apalpar sua bunda sorrindo de desdém e ela gritando "babaca" para o cara que a xingou de piranha e foi se atracar com uma ruiva que estava ao seu lado.

Saímos do Bóris´s Bar e fomos direto para o alojamento atrás do bar. O lugar onde alguns corajosos casais iam para ter mais privacidade em suas relações sexuais proibidas. Já foram apanhados casais fazendo sexo, boquete e até sexo em grupo naquele alojamento, era preciso saber onde se sentar ou encostar quando se entrava ali.

– Ainda bem que saímos – ela pareceu se sentir agradecida por deixar o bar. Sentou-se em um banquinho de madeira.

Eu fechei a porta do alojamento e acendi uma luz que brilhou fraca, nos iluminando. O alojamento era pequeno, com algumas cadeiras e mesas agrupadas em um canto, alguns banquinhos espalhados e caixas jogadas pelo chão. Tinha duas janelas, que nunca se abriam,; o teto era mais esborraçado que um queijo e o piso era de cimento. Ás vezes, um rato ou outro era visto por ali, nada de mais em um lugar como aquele: sujo e decadente.

– Como vai, Julian? – Camila me perguntou, espreguiçando-se no banquinho, abrindo suas pernas e jogando as mãos entre elas, cruzando-as no ar.

– Indo bem – ponderei. – E você?

– Minha vida está uma droga – exclamou, gargalhando. – Estou mal falada por uns garotos do colégio, mas não estou nem aí para eles.

– São reais os boatos? – Repliquei para ela, puxando um banquinho e sentando-me ao seu lado.

– Alguns, não todos – e sorriu, prendendo os cabelos loiros num rabo de cavalo. – Mas, em casa não estou muito bem, não.

Eu não compreendi o porquê de Camila querer me contar sua vida, mas não a interrompi. Assenti e continuei ouvindo-a.

– Meus pais brigam e eu acabo ficando entre o fogo cruzado, sabe?

– Sei como é – falei. – Enfrento um problema parecido com o seu, Camila: meu padrasto.

– Prefiro nem dar atenção à certas críticas, Julian – ela disse. – É o melhor.

Camila se ergueu e abriu uma janela nos fundos do alojamento; a janela rangeu e se abriu com um estalido grave, enquanto um vento forte varreu o chão e nos roçou o rosto.

– Agora sim, aqui está um calor.

Ela se inclinou no peitoril da janela que ficava à altura de seus seios; descalçou um par de sandálias, lançando-as por cima de seus ombros, quase me acertando a cabeça. Ficou ali, parada, observando o céu.

– Gosta de estrelas? – Perguntou. – Venha aqui!

Me juntei a ela, apertando-me à janela para olhar as estrelas; nossos corpos estavam unidos, um ao lado do outro, eu pude sentir suas coxas nas minhas. O burburinho do pessoal do Bóris´s Bar podia-se ouvir de leve dali.

– Você gosta? – Rebati.

– Sim – respondeu-me. – Me faz pensar um pouco.

Seus olhos castanhos brilhavam ao deslumbrar o brilho das estrelas; Camila arrebitava o nariz e cruzava as mãos, pensando.

– Julian, hoje eu bebi demais – ela confidenciou-me. – Bebi antes de te encontrar no bar, e preciso fazer um desabafo.

Era sempre assim para quem bebia demais, faziam desabafos. Karina já desabafou comigo inúmeras vezes, mas como minha melhor amiga, Camila era apenas uma conhecida e queria desabafar comigo. Não hesitei e deixei-a falar o que queria.

– Eu sou bissexual – começou. Aquilo não me assustou, fiquei mais curioso sobre o assunto. – Já fiquei com garotas, até mesmo com minha prima. Já roubei cigarros e cervejas, sou uma vagabunda, Julian. Eu sou uma vadia, uma puta...

A voz de Camila embargou-se; seus olhos incharam-se e se encheram de lágrimas, ficando vermelhos. Chorou, gritou, urrou e se xingou agarrada à janela.

– Fique calma, Camila. Não diga isso. – Tentei apaziguá-la. – Venha, sente-se.

Coloquei-a novamente em seu banquinho, sentando-me de frente para ela, secando suas lágrimas.

– Eu quero morrer!

– Não, Camila. Você não pode morrer – eu repliquei, encarando-a e segurando seus braços. – Cale a boca, ok!

– Eu me odeio!

Não estava entendendo o que acontecia ali. Era Camila, uma das garotas mais bonitas do colégio, que se lamentava e desabafava comigo no alojamento do Bóris´s Bar, um lugar onde muitos transavam, mas eu ouvia lamúrias de uma garota mal compreendida. Cada um tinha a sorte que merecia logo pude constatar.

Meu desejo, como o de todos os jovens da festa no bar, era ter uma noitada badalada, transar e acordar com ressaca, mas minha noite e meus planos foram completamente invertidos.

– Você é linda, Camila – disse, sem entender porque falei aquilo. – Se ame, se cuide, esqueça o resto.

Ela ergueu os olhos vermelhos, me encarando. Eu já não via mais a garota de seios fartos e pernas apalpáveis, e sim, uma garota frágil e delicada, que precisava inevitavelmente de ajuda.

– Você me acha bonita, Julian? – ela perguntou como se fosse uma criança de 5 anos.

– Sim – respondi rapidamente. – Namoraria com você facilmente, se fosse possível – outra vez disse algo sem pensar, mas não disse nenhuma mentira.

Eu já tinha meus 16 anos, já não era mais virgem nesta época, mas nunca havia namorado sério com uma garota, ainda mais uma com a beleza de Camila. Se não fosse possível que eu namorasse com ela, pelo menos, uma transada rápida viria a calhar, claro que era algo que estava fora de cogitação.

Camila continuava a desabafar, falou sobre seus pais, parentes e amigos. Até sobre suas transadas com alguns garotos do colégio ela me confidenciou.

– Está melhor? – indaguei quando ela terminou seu solilóquios de lamentações.

– Sim, obrigado – e calçou as sandálias.

A noite ainda era uma criança posta na cama, os jovens poderiam se divertir muito aquela madrugada. Não passava das três da manhã, eu não estava nem um pouco com sono, mas Camila precisava ir para casa e eu me ofereci para acompanhá-la.

Fechei o alojamento e rumamos para a rua, deixando para trás o Bóris´s Bar e sua turma de jovens com desejos carnais insaciáveis. A noite estava escura, mas alguns postes iluminavam as ruas como pequenos sóis ambulantes.

Andamos por alguns minutos, talvez meia-hora, até chegarmos em frente a uma casa grande, um verdadeiro sobrado azul marinho, com uma varanda e um jardim florido.

– É aqui – apontou Camila. – Obrigado, Julian.

– Não foi nada – assenti.

Eu de fato não acreditava em minhas próprias ações; eu havia saído de casa após uma briga familiar, sido arrastado até um bar e terminei minha noite acompanhando uma garota até sua casa sem transar com ela. Eu estava ficando cada vez mais inerte, sexualmente falando.

Não me arrependi do que fiz, mas também não fiquei extremamente feliz com a situação.

– Você merece uma recompensa por ter me aturado falando de mim esta noite – refletiu ela, mordiscando os lábios inferiores e me encarando de relance.

– O quê? – rebati.

– Boa noite – Camila me cumprimentou com um abraço e beijou-me, repentinamente.

Foi uma recompensa e tanto.

Minhas mãos, que estavam em suas costas, desceram e apertaram seu traseiro bem avantajado. O beijo durou quase uns dois minutos, findando no momento em que eu tocaria seus seios. A garota desfez seu rabo de cavalo, girou nos calcanhares e entrou em sua casa. Meus olhos a acompanharam até sua porta bater e eu ficar sozinho ali com o céu, a noite escura e os postes que mal iluminavam as ruas.

Com pesar,

Julian

                         

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