Capítulo 3 Uma decisão nada atraente

Casamento...

A palavra ecoa na minha mente me deixando um tanto quanto

atordoada.

Como uma pessoa poderia se casar com outra sem amor?

Só de pensar nisso, vejo o quanto a situação é um tanto ridícula.

É sério mesmo que papai cogitou esta hipótese?

- O senhor por acaso aceitou?

- Não, quero dizer, ainda não - diz suspirando.

Vejo papai se levantar e andar de um lado para o outro.

- Eduardo me deu um prazo de vinte quatro horas para responder se

aceitamos ou não, caso não o fizermos, ele fará de tudo para nos destruir.

- E por que para ele seria bom que seu filho se casasse com a filha

do devedor? Não faz sentido algum - digo também me levantando.

- Não seríamos mais rivais de mercado e ele conseguiria minhas

ações, teríamos um bom dinheiro, mas eu não seria mais dono da Company

Vargas.

- E eu estaria fadada a um casamento infeliz - respondo colocando

a mão sobre o peito.

- Não pense deste jeito, sei que é ridículo cogitar isso em pleno

século XXI, mas não temos escolhas. Se perdermos tudo, estaremos

condenados a uma vida de miséria. Ninguém nesta altura me daria um

emprego, jogariam na cara que eu quebrei minha empresa e as falcatruas

poderiam vir à tona.

O senhor ao menos percebe a loucura que isso é? Não vivemos

mais em uma época em que os pais planejavam casamentos... Isso é ridículo!

- Laureen Vargas, olha como fala com seu pai! - mamãe me

recrimina se posicionando pela primeira vez no assunto. - Sabemos que

não é fácil e não queríamos chegar a este patamar, mas não temos escolha.

Se você não se casar com o filho do Eduardo, tenha em mente que tudo isso

que está à sua volta, não existirá mais. Nem mesmo Lucy poderá continuar

trabalhando conosco, você não quer prejudicar sua amiga ou a mãe dela, não

é mesmo?

- Isso que você está fazendo é chantagem emocional, mamãe, você

sabe que eu nunca iria querer prejudicar Lucy ou qualquer outro empregado

nosso. Mas vocês quererem me prejudicar, para o bel-prazer de vocês... Isso

é egoísta e nojento.

- Você não irá se casar com um homem qualquer, Laureen - diz

papai. - O filho de Eduardo é o CEO das empresas do pai, além de ser

muito respeitado na sociedade. Quase não o verá e nem vai parecer que é

casada.

- Claro, tirando o fato que terei que ter relações com ele, ou o

senhor acha mesmo que este homem aceitará se casar comigo apenas para

nos salvar?

O silêncio se instala no ambiente e suspiro sentindo vontade de

chorar.

- Você tem até às 6 da tarde para me dar uma resposta e se não

disser nada, entenderei como um sim.

- E mudará alguma coisa se eu disser não?

- Não, mas será muito mais fácil se você aceitar.

Fico em silêncio e balanço a cabeça em concordância, engolindo em

seco, como se algo estivesse dilacerando minha garganta.

- Então saiba que não irei aceitar e você está me condenando para

sempre... Eu nunca irei perdoá-los por isso. - Dou as costas para os dois e

saio ouvindo papai me chamar aos gritos enquanto mamãe o acalma.

Sigo em direção ao meu quarto em passos largos, entro batendo a

porta e passando a tranca, então me jogo sobre a cama e choro

descontroladamente, sem saber o que fazer para fugir deste destino que me

foi forçado.

Não desço para almoçar e tão pouco aceito comer no quarto. Fico tão

chateada com o que papai havia me dito que nem mesmo Lucy é capaz de me

animar.

Como ficar feliz em saber que você vai se casar com um homem

completamente desconhecido?

Pensar nisso me causa uma sensação estranha, como se algo

invadisse meu peito e arrancasse meu coração de dentro. É isso que está

acontecendo; papai usurpou meu coração e o entregou a uma pessoa que nem

mesmo sei como é.

Penso sobre o filho do tal Eduardo, tentando imaginá-lo, pego meu

celular, pronta para procurar no Google, no entanto, desisto no meio do

caminho, pois não quero ver o rosto do homem que supostamente vai ser meu

marido.

A ideia de fugir se instala na minha cabeça e crio um plano maluco;

eu poderia muito bem arrumar uma mala pequena, pegar algumas joias,

dinheiro no cofre, e sair por aí, sem rumo. Mas e se eu fizer isso, até quando

teria que me manter fugindo?

Com certeza meus pais iriam atrás de mim e não descansariam até me

encontrar.

"Não tem jeito, Laureen, a única opção é aceitar o que o destino

reservou a você..."

Destino, pensar a respeito disso me causa uma raiva enorme.

Como o destino pode ser tão traiçoeiro desse jeito?!

- Não adianta choramingar, Laureen - digo para mim mesma. -

Pelo jeito, papai estava decidido sobre o que fazer antes mesmo de me

contar. Ele apenas quis comunicar que minha vida acabou para sempre. -

Suspiro tristonha.

Se eu me casasse com este homem e depois de um tempo me

separasse dele?

Com certeza o tal acordo com meu pai seria anulado e estaríamos na

merda, ou até mesmo pior do que já estamos.

Reflito sobre o que papai havia me dito; para chegar até aqui, ele

havia derrubado muitas pessoas. Agora para ele, me casar com um desconhecido é o de menos.

Ouço uma batida na porta e saio dos meus devaneios, ficando o

máximo possível em silêncio.

- Laureen, eu sei que você está aí, fui à biblioteca antes para me

certificar de que estava aqui - sussurra Lucy, mexendo na maçaneta. - Por

favor, abra a porta, vamos conversar um pouco, sei que precisa disso. Eu

trouxe sorvete e brigadeiro, seus doces preferidos.

Uma animação percorre meu corpo ao ouvir isso e sigo a passos

largos até a porta. A abro dando de cara com Lucy e um carrinho, onde

contém sorvete de diversos sabores, brigadeiro e calda de chocolate.

- Dessa vez você venceu - digo dando passagem.

Ela entra e rapidamente fecho a porta, voltando a trancar.

- Eu te conheço bem demais para saber que um pouco de doce a

faria abrir a porta e me permitir entrar - responde divertida.

- Você é boa mesmo - digo forçando um sorriso.

Ela faz o mesmo e começa a nos servir, me entregando uma taça com

sorvete de chocolate e bastante calda.

Levo o doce gelado até a boca e solto um gemido ao sentir o

delicioso sabor.

- Isso está deslumbrante!

- Eu sei, fui eu que fiz na noite passada - diz sorrindo de maneira

convencida.

Dou um cutucão nela e nos ajeitamos na minha cama.

- Fiquei sabendo da conversa com seus pais, sinto muito que tenha

que passar por isso.

- As notícias por aqui correm rapidamente - respondo suspirando.

- O que você acha disso tudo, eu devo aceitar este destino?

- E você tem escolha?

- Sei que não é fácil o que está passando e com certeza será

bastante difícil, mas você precisará ser forte.

- Forte, é claro. - Reviro os olhos e continuo comendo o sorvete,

me servindo de um pouco de brigadeiro. - Meu pai é tão egoísta que

sentenciou o meu destino sem ao menos pensar no que isso me causaria, ele

apenas quis me comunicar.

- Eu sei disso, e como disse, agora precisará ser forte, com certeza

ele vai dizer ao babaca do Eduardo que haverá casamento e os preparativos

serão feitos em um piscar de olhos. Sabe como são esses contratos.

- Nunca pensei que viveria uma coisa dessas - respondo me

lembrando dos diversos livros que eu já havia lido com o mesmo tema, a

diferença é que isso que estou vivendo é real e muito angustiante.

- Pense pelo lado bom, se esse futuro marido realmente é um

homem importante, como seu pai disse, ele quase não ficará em casa. Com

sorte, pouco se verão.

- O meu problema não é vê-lo e sim satisfazê-lo - respondo

envergonhada.

- Só por que você é virgem? Deixe de besteira, ele vai adorar isso.

- Aí que está, ele vai, mas e eu?

- Bem, não sei, se ele souber fazer, com certeza irá gostar -

afirma. - É muito gostoso, não se preocupe com isso.

- Você é uma safada, Lucy Connor.

- Talvez eu seja um pouco, mas agora falando sério, você precisa

usar isto ao seu favor.

- Como assim? - pergunto sem entender.

- Não dê o gosto ao seu pai de dizer que você aceitou, sendo que

você não disse nada, vá até ele, diga que aceita e pronto.

- Mas eu não quero aceitar.

- Eu sei, mas você dirá a ele que aceitará, porém, com algumas

condições.

- Condições... - Reflito sobre a palavra e a encaro. - Você é um

gênio!

Lucy sorri e concorda.- Pensei em fugir, você poderia vir comigo, o que acha?

- Claro, assim quando formos pegas, eu seria demitida e você iria

se casar do mesmo jeito. Que plano sensacional!

- Eu sei disso.

***

Olho no relógio e vejo que falta quinze minutos para as malditas seis

horas, então sigo em direção a saída do quarto e ando devagar pelo corredor,

olhando cada parte da nossa casa. Analisando o local grande, luxuoso e

ostensivo, percebo que realmente precisa de muito dinheiro para manter

tanto esta como as outras residências que papai tem em seu nome.

Desço a escada em espiral parando diante do hall e me lembro que

mais cedo estive aqui parecendo estar muito feliz. Agora, indo assinar minha

sentença final, é como se toda a alegria estivesse se esvaído do meu corpo

para sempre.

Dou um passo em direção ao som da voz do papai e noto que ele está

no escritório, então, sigo por um corredor claro, com algumas portas e

retratos nas paredes. Há diversas fotos de quando eu era criança, dos meus

pais se casando, entre outras e uma delas se destaca, mamãe vestida de

noiva. Seu cabelo loiro, igual ao meu, está solto, com um véu transparente

cobrindo seu rosto. O vestido cobre todo seu corpo, não deixando parte

sequer de fora e nas mãos há um buquê com rosas brancas.

Sempre achei este retrato lindo e quando mais nova, dizia que meu

sonho seria me casar deste jeito, mas ao analisar a situação que me encontro,

percebo que nunca terei a expressão de felicidade que meus pais têm nas

fotografias de casamento. Nunca irei colocar um vestido de noiva com

entusiasmo ou irei jogar o buquê com vontade para as outras convidadas. Eu

jamais iria amar o homem pelo qual estou sendo prometida e espero que ele

também nunca me ame, creio que assim será bem mais fácil.

- Filha?

Me viro e vejo mamãe me encarar.

Ela está vestindo uma calça social preta e um blazer simples, a

maquiagem é bem-feita e suas curvas se destacam em suas vestes.

- Oi, mãe - digo completamente desanimada.

- Aconteceu alguma coisa, meu bem?

- Papai, quero falar com ele - respondo cruzando os braços.

Ela concorda e entra no escritório, comigo a seguindo.

- Eu já disse, a situação vai ser resolvida, não se preocupe com

isso.

Ouço meu pai dizer assim que me vê.

Ele aponta o dedo me pedindo um momento.

- Te ligo mais tarde, tenho que resolver uma situação agora. - Ele

desliga o telefone e se vira para mim me encarando.

- Quero conversar com vocês dois - digo nervosa.

- Diga, querida - pede minha mãe.

- Eu vou aceitar o acordo de casamento - digo vendo a alegria e

alívio nos rostos dos dois. - Porém, tenho algumas condições que o senhor,

papai, vai acertar com Eduardo.

- Quais condições?

- Primeiro, eu quero que Lucy vá morar comigo e meu futuro

marido quando nos casarmos, pois somente ela sabe de tudo que gosto e que

preciso no meu dia a dia. Segundo, o salário dela deve aumentar, é claro, e

que ela possa visitar a mãe, já que em todos esses anos que trabalha aqui,

nunca conseguiu...

- Mais alguma coisa? - pergunta meu pai me cortando.

- Ainda não terminei... Quero que além disso, eu possa ter minha

liberdade, para ir aonde eu quiser, sem ser mandada por um homem que nem

o nome eu sei direito. Vou honrá-lo, como será prometido no altar, mas não

serei encarcerada por ninguém. Quero uma cerimônia simples, com poucos

fotógrafos, para expor sua conquista para o mundo. Também quero que ele só

me toque, com a minha permissão. Eu não estou preparada para este tipo de

coisa.

- Sim, minha filha, tenho certeza de que ele se casará com você e

irá respeitá-la.

- A propósito, este homem sabe que vai se casar, ou está

descobrindo assim como eu?

- Eu não sei, isso é com o pai dele - diz meu pai.

- Certo, o meu último pedido é bem simplório... Nada de filhos, não

quero herdeiros, já basta eu ter que me casar sem amor, agora ter filhos com

um homem que não amo, seria o ápice da loucura.

- Mas filhos fazem parte da construção de uma família - diz papai

espantado.

- Sim, e a construção de uma família se começa com amor, amizade

e relacionamento, coisa que não temos aqui, não é mesmo? - Encaro os

dois e suspiro. - É só isso mesmo, você vai ter o casamento que deseja e

sua riqueza, está feito.

Vejo o sorriso de alívio dos meus pais, mas não consigo disfarçar a

tristeza que assola meu coração.

Eu irei me casar com um completo estranho.

            
            

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