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Estava a jantar, com a minha mãe e o meu pai, remexendo na comida, já fria, com o garfo. Quase com a cabeça deitada em cima da mesa, sentia-me arruinada, depois de mais um ano de namoro fracassado e de a minha vida profissional estar um caos. Tudo estava a desmoronar ao mesmo tempo.
Morava em Lisboa, com os meus pais até era uma rua minimamente sossegada.
O restaurante dessa mesma rua tinha-se tornado o meu emprego á dois anos atrás. O Sr. Sabino, o dono, conhecia-me desde pequena e tratou de me ajudar, assim que o meu pai lhe pediu ajuda. Servia às mesas, ajudava na cozinha e nas compras dos ingredientes. O que ganhava até nem era mau, mas todos os dias, sentia que me faltava algo mais.
Infelizmente, deixámos de ter tantos clientes, abriu um restaurante mais moderno, daqueles self-service. Resultado, fiquei sem trabalho, e o meu patrão sem negócio.
A minha mãe olhou para mim por cima dos óculos de ver ao longe e fez um sinal qualquer ao meu pai com a cabeça.
- Mariana, por favor come qualquer coisa. – pediu o meu pai, tentando tocar na minha mão – Não podes continuar assim, filha, és muito nova. Com tanta vida pela frente, porquê sentires essa derrota?
Afastei a minha mão para que não me tocasse e continuei calada, não sabia o que responder, ele tinha razão, mas sentia-me tão perdida.
O bacalhau com natas estava todo no prato, não tinha tocado praticamente na comida.
A minha mãe, não aguentando mais deu um murro na mesa.
- Já chega! Estou farta Mariana, não posso cruzar os braços enquanto tu te afundas, já nem sequer te dás ao trabalho de vestir, ou tomar banho! Já te olhaste ao espelho? – explodiu, levantando-se e apanhando o guardanapo que tinha ido parar ao chão.
Realmente, reparei naquele momento, que ainda estava com o pijama azul, vestido. Estive assim o dia todo, o dia anterior e ainda o outro.
Parecia que tinha um nó na garganta, não conseguia explicar a ninguém o que sentia. Nem tinha forças para discutir, mas finalmente decidi falar.
- Mãe, não consigo, não sei o que hei-de fazer mais. Tento, tento, quando penso que tudo está a melhorar, só piora! – reclamei eu, encolhendo os ombros.
Mas ela não se deu por vencida, agarrou-me pelos ombros, levantando-me da cadeira e levou-me, eu contrariada, deixei. Quando dei por mim, estava cara a cara com o meu reflexo horrível, no espelho do meu quarto. Muito pálida, com umas olheiras profundas, cabelo sujo e desgrenhado, magra e com o pijama a precisar de uma lavagem.
- É isto que queres ver quando te olhas ao espelho? – perguntou-me ela com lágrimas nos olhos.
- Nem sequer me olho ao espelho. – retorqui eu desanimada, evitando o reflexo.
Claro que não gostava do que via, mas já não tinha coragem de tentar fosse o que fosse.
Para a minha mãe era fácil falar, ela era uma mulher linda, com os seus caracóis louros, pelos ombros, os olhos cor de mel e as suas sardas perfeitamente distribuídas pelo nariz e face. Tinha um corpo bonito para a sua idade, sempre cuidou bem dele com as idas ao ginásio regularmente. Para além de tudo isto, era médica-cirurgiã no Hospital, portanto uma mulher de sucesso. Casou com o meu pai muito nova, logo a seguir a se terem formado em medicina, sempre foram um casal excecional.
Eu imaginava muitas vezes que talvez tivesse sido trocada na maternidade, não tinha qualquer semelhança com a beleza estonteante da minha mãe, nem o charme inato do meu pai, muito menos com o sucesso que ambos tinham a nível profissional e pessoal. Não me interessava minimamente por medicina, por ginásios, por maquilhagens ou estética, ao contrário dos meus pais.
A minha mãe começou a chorar e agarrou-se a mim. No fundo ela sabia que eu já estava com depressão há um tempo.
Só me apetecia estar deitada, também chorava muito, cada dia que passava me sentia pior.
O meu telemóvel começou a tocar e aproveitei para me libertar daquele momento constrangedor. Era o Santiago, o meu melhor amigo. Já não falava com ele á imenso tempo, mas sabia que ele falava com os meus pais para saber de mim.