Liguei para ela e dessa vez foi a pior coisa que eu fiz na minha vida. Meu marido a ouviu conversando comigo e agora sabe onde eu estou. Não sabe a localização exata, mas parece que está vindo atrás de mim.
Que venha! Eu já deveria ter enfrentado esse disgramado faz tempo...
Dei um beijo na testa do meu filho que dormia como um anjinho e saí para mais um dia de trabalho.
- Bom dia - digo ao ver Jin na garagem do quartel.
- Bom dia! - Ele sorri. - Já pensou em ser modelo? - Ele cruza os braços.
- Já, mas acho que não é para mim.
- Tô dizendo, você tá na profissão errada.
- Besteira...
Passo por Jin e entro na cozinha vendo o capitão Wilson conversar com o tenente Abraham.
- Bom dia - digo e eles me cumprimentam.
O capitão parece perfeitamente bem. Deve ter resolvido o problema de dias atrás ou está fingindo estar bem.
O meu celular começa a tocar e o pego no bolso das calças. Vejo que é a minha tia e sorrio. Atendo a ligação.
- Como você tá? Não me ligou ontem. Fiquei preocupada. Tá tudo certo aí?
- Já vem com essa pergunta, menina? Tô na bruxa por causa da sua mãe. Só sabe falar mal de você desde que cê ligou. Eu não aguento mais ela!
- Ainda não acostumou? Deixa ela falar merda o quanto quiser de mim. Eu não ligo. - Ando indo para a garagem.
- Seu pai, aquele filho de estopô, faltou arrancar meu couro achando que eu sabia esse tempo todo onde você tá.
- Desculpa. - Olho para baixo. Por minha causa, minha tia sofre com aquele povo. - Ele não te bateu não, né?
- Não. Sabe que eu não cutuco onça com vara curta, então só aceitei os xingamentos, fiquei calada e jurei por Deus que nesses anos todos não tive contato algum com você.
Ela sempre foi assim, nunca peitou ninguém porque sabe que não consegue nada com isso. Eu já levei tanto soco do meu pai que nem sei como continuo viva e saudável. Eu seguia o conselho da minha tia, não dava brecha nenhuma para ele arrumar motivo para me bater, mas não adiantava. Eu era o seu saco de bancada. Também adorava me xingar e cuspir na minha cara quando um homem olhava para mim. Nunca dei em cima de homem algum naquele lugar e meu pai sabe muito bem disso, mas mesmo assim eu era a culpada por levar cantada. Só faltava ele me bater com a justificativa de que eu nasci bonita de propósito para atentar os homens.
- Alô? A ligação caiu?
- Ah, não. - Dou um leve sorriso e decido mudar de assunto. - Todos esses anos eu não tive contato algum com você, mas nunca consegui me acostumar. Sempre foi parte importante da minha vida e sempre vai ser. Peço perdão por nunca ter nem mandado uma mensagem falando que eu tô viva e também peço perdão por deixar você sozinha. Sinto a sua falta.
- Eu também, meu amor. Não quer mesmo voltar?
- Tia, eu amo de paixão a Bahia, a comida, a paisagem... - Sorrio ao lembrar dos momentos bons que passei, mas logo o sorriso se apaga ao lembrar das pessoas. - Mas aí tem muita gente que me fez mal. Já sofri demais.
- Tá bom. - Suspira. - Eu vou colocar roupa pra lavar. Depois me liga, viu?
- Viu. Te amo.
- Também te amo.
Ela desliga e eu guardo o celular. O capitão vem até mim, abre a boca para falar, mas o alarme do quartel toca...
O caminhão, o esquadrão de resgate e a ambulância foram chamados para atender uma chamada numa fábrica de isopor. Houve uma explosão com incêndio.
Colocamos a máscara de oxigênio e entramos na fábrica. O fogo está se alastrando rapidamente dificultando a nossa visão.
O capitão e eu subimos para o primeiro andar. Aqui a fumaça está menos densa.
- Corpo de bombeiros! - O capitão grita em frente a uma porta. Tenta abri-la, mas está trancada. - Saia de perto da porta! - Ele dá um chute na porta e ela se abre.
Entramos no cômodo.
- Corpo de bombeiros. Tem alguém aqui? - grito abrindo uma porta dentro do cômodo. É um escritório. Vejo uma mão caída atrás da mesa.
Vou até lá e encontro um homem deitado. Ele tosse muito. Com a minha ajuda ele se levanta.
- No banheiro! - Ele aponta para uma porta ao lado. - Eu não... - O homem se desequilibra e quase cai.
A fumaça está ficando mais densa. Provavelmente o fogo já saiu do térreo e está se alastrando para o primeiro andar.
- Senta ali. - Aponto para a cadeira perto da mesa. Ele se senta. Abro a porta do banheiro vendo um homem no chão. O banheiro está cheio de fumaça. - Senhor? - Toco no seu ombro. Ele não se mexe então coloco as mãos por baixo dos seus braços e o arrasto para fora do banheiro.
Vejo o capitão parado olhando para o outro homem.
- Por favor! - O homem tosse mais enquanto pede ajuda ao capitão.
- Capitão, o que está fazendo?... Capitão! - Deixo o homem do banheiro no chão e dou um empurrão no ombro desse infeliz. - A gente precisar sair com os dois. Qual é o seu problema?
- Eu... - O capitão olha para o homem no chão. - Deixa ele onde você encontrou.
- Como é que é? - pergunto com raiva. - Que porra você tá dizendo?
- Dias, confia em um mim. Não pode salvar esses homens.
Eu com certeza não fui treinada para uma situação como essa. O pior é que, sem a ajuda do capitão, não conseguirei salvar essas duas pessoas, apenas uma.