Capítulo 5 Identidades

Será que ele entende o que está dizendo? Está me mandando praticamente matar esses homens.

- Não vou fazer isso. - Vou até o homem sentado e passo o seu braço por cima do meu pescoço. Ele se levanta. - Capitão, não vou conseguir levar os dois. Preciso que o senhor me ajude.

- Você não entende. Esse e o...

- Se não vai me ajudar, preciso salvar pelo menos esse. - Começo a andar em direção a porta com o homem, mas o capitão entra na nossa frente.

- São assassinos!

- Como é?

- São assassinos e traficantes de órgãos! Confia em mim, eu sei muito bem quem eles são. Acredite, Dias, se sobreviverem vão fazer mal a muita gente.

Lembro do meu primeiro dia. Do que ele falou sobre matar. Ele realmente tinha que matar um homem? Mas aqui são dois. Não era mesmo sobre o jogo de RPG?

Meu estômago embrulha ao lembrar de Rubens.

Olho para o homem que estou ajudando. Ele continua a tossir. Age como se não tivesse escutado o que o capitão falou. Será que realmente não ouviu? Não prestou atenção?

- Que droga você é? - pergunto, ele me olha, mas ao invés de me responder, continua pedindo por ajuda.

O capitão diz:

- Eu não queria fazer isso, mas muita gente inocente morreu por culpa deles e muitas outras vão morrer se eles saírem daqui. Só que a gente pode evitar isso.

O corpo do homem fica pesado, ele não aguenta ficar em pé e cai no chão. Eu podia ter evitado que caísse, mas se o que capitão está dizendo for verdade, eu não sei como agir.

O capitão se abaixa e ergue a manga dele. Posso ver uma tatuagem de teia no pulso dele.

- É o símbolo de uma organização criminosa. Esses homens são filiados a algo enorme e perigoso. - Ele se levanta.

Por algum motivo, sinto que o que ele está falando é verdade e sinto nojo desses homens. Entretanto, só porque eu sinto que é verdade, não significa que realmente é. Eu preciso escolher logo o que fazer.

Toco com o dedo no peito do capitão.

- Eu não fui feita para ser enganada. É melhor estar certo do que diz.

- Eu nunca mentiria sobre algo assim. Não estou feliz, mas penso nas pessoas inocentes.

- Eu espero que essas pessoas realmente existam. - Passo pelo capitão batendo o meu ombro no dele e saio do escritório sem olhar para trás...

Após resgatarmos "todas" as pessoas, o incêndio começou a ser apagado. Assim que o incêndio foi controlado voltamos para o quartel. Agora eu corto o tomate para fazer a salada do almoço.

A culpa bate na porta da minha consciência. Será que agora eu sou uma assassina? Sou igual ao Rubens? Pior, tenho certeza que sou trouxa por acreditar num homem que acabei de conhecer. Cacete, Laura!

Bato com força a faca no tomate fazendo um barulho alto. O tenente Abraham e Jin, que antes estavam no sofá vendo um jogo de basquete, se viram e olham para mim.

- Eu te entendo - Jin diz com o semblante pleno.

- Nós dois. - O tenente se levanta. - É difícil perder uma vítima. Ainda mais duas, mas não se agarre a essas perdas. Pense nas pessoas que salvamos.

- Exatamente. - Jin sorri. - Salvamos várias pessoas. É nisso que tem que pensar. Sei como é difícil quando se perde uma vítima pela primeira vez. Eu passei por isso. Todos passamos.

- Com o tempo você vai aprender a lidar com isso. Nós não estamos bem porque não ligamos, simplesmente nos agarramos ao fato de ter salvado várias outras pessoas e isso nos deixa felizes.

Esse consolo só fez eu me sentir pior, mas não deixo transparecer.

- Obrigada. - Esse agradecimento não saiu tão doce como eu planejei, mas serviu. Coloco os tomates cortados dentro de uma bandeja com alface e cebola picada. - Só faltava a salada. O almoço está pronto. Podem se servir.

- Vou avisar a galera. - Jin vai para a garagem...

Depois do almoço, tia Fátima ligou novamente para mim.

- Oi - digo indo até o meu armário e me sentando no banco de frente para ele.

- Minha filha, eu soube agora a pouco que o Rubens tá arrumando os documentos pra ir atrás de você.

Mordo a parte interna da minha boca. Eu não consigo deixar de ficar apreensiva. Não quero fugir e não vou, mas também não dá para não dizer que não estou nervosa.

- Obrigada por avisar. Vou esperar a chegada dele.

- Se pique daí, menina! Ele é ruim, vai te machucar.

- Não se preocupe, não. Viu? Se eu for para o inferno levo ele junto.

- Não tem como não se preocupar.

O capitão entra no vestiário me olhando com tristeza.

- Eu te amo. Preciso conversar com uma pessoa agora. Tchau!

- Depois me ligue pra eu falar com Joca. Tchau, meu amor.

Desligo a chamada e guardo o celular no bolso das calças.

- Eu não deveria ter feito aquilo - digo balançando a cabeça para os lados.

Ele se senta no banco na minha frente e olha para baixo.

Eu me arrependo. Matei eles pensando que eram como Rubens, eles me deram nojo, mas agora estou sentindo nojo é de mim. Além disso, sou uma idiota. Não deveria confiar nele por um pressentimento besta, o capitão pode muito bem não ser o que parece. Pelo visto não aprendi nada com tudo que houve comigo. As melhores pessoas no fim se revelam ser as piores.

- Eu... - Ele levanta a cabeça. - Eu não deveria ter feito aquilo. Fiz... você ser minha cúmplice. - Ele engasga nas palavras. - Só pensei no que eu sabia. Aqueles homens eram terríveis, mas não imaginei que eu teria coragem de fazer aquilo e meter você no meio. - Ele passa a mão pelo cabelo.

- Eu preciso que você me convença que eu fiz o certo. - Cruzo os braços.

- Eles não são tão ocultos. Com certeza vai passar no jornal local sobre a morte deles. Eu te mostro. Vão falar que eles eram pessoas ruins.

- Como você sabia quem eram os homens?

- Conheço muitas pessoas ruins.

- Essa é a explicação? - Franzo as sobrancelhas.

- Eu vou te mostrar o jornal. - Ele se senta ao meu lado. - Só porque conheço pessoas ruins não significa que sou ruim, não é?

Lembro de Rubens e todas as outras pessoas ruins que conheci ao longo da minha vida. Contra isso eu não tenho argumentos.

- Eu vou mesmo querer ver o jornal.

- Eu vou mostrar - diz com a voz mais mansa do mundo.

Encaro os seus olhos procurando algum indício que mostre que está mentindo, mas não encontro.

- Se for verdade o que diz, não se sinta mal. Eu também não vou.

Digo que não vou, mas é difícil. Eu tinha a vida daqueles dois na minha mão e decidi tirá-las. Tecnicamente, eu os matei.

- Não sei se algum dia vou me perdoar. - Ele abaixa a cabeça.

- É só pensar na ruindade dos dois. Impedimos que eles fizessem mais coisas ruins.

Eu não poderia ignorar ele dizer que esses homens mataram muitas pessoas e iriam matar mais. Eu não tenho um espírito justiceiro, sempre quis ficar longe de confusão, mas dessa vez fiz o que o meu coração mandou.

Se é certo ou errado? Não sei, mas não vou ficar sofrendo por isso. Já fiz, tá feito. Nem vou mais me comparar ao Rubens. Só preciso ver a droga do jornal e então vou ficar completamente calma.

Levanto para sair dali, mas o capitão pega a minha mão.

- Desculpa e obrigado.

- Por nada. Com licença, capitão. - Ele solta a minha mão e eu saio do vestiário...

Mais tarde atendemos outra chamada, uma simples com um pequeno foco de incêndio na cozinha de uma sala.

Ao voltarmos para o quartel, o capitão e eu sentamos no sofá e já estamos há quase uma hora assistindo ao jornal.

- Sabiam que tem coisa mais interessante para ver? - David pergunta sentando ao lado do capitão e colocando os pés na mesa. - Não gosto de ficar vendo notícias ruins.

- Já vai poder trocar. - O capitão sorri para ele e me olha de lado. Posso perceber os seus músculos tensos.

Olho para as minhas mãos enquanto ouço todo tipo de notícia na televisão: homicídio, roubo, tiroteio, guerra e agora a explosão na fábrica de isopor. A repórter explica o que houve, mas nada do que diz é relevante para mim.

Ela começa a falar sobre as vítimas:

- Cinco trabalhadores se encontram em estado grave no hospital com queimaduras de segundo e terceiro grau. Entre as vítimas, duas morreram por asfixia: Justin Cameron e Samuel King. O que intriga as autoridades é o fato dos dois homens não trabalharem na fábrica. Na verdade, são procurados por assassinato e tráfico de órgãos. No ano passado, Cameron foi preso por porte de arma ilegal, mas sua fiança foi paga. Três meses depois descobriram o envolvimento dele e de King em assassinatos de crianças, jovens e adultos. Cameron sequestrava as vítimas e King fazia a cirurgia para a retirada dos órgãos. As autoridades investigam a relação deles com a fábrica e a explosão.

Olho para o capitão e ele também me olha. É como se ele dissesse mentalmente: "Viu? Eu não mentiria sobre isso".

Nos levantamos do sofá e fomos para fora do quartel.

- Agora eu posso ficar tranquila com o que fiz. Menos dois assassinos no mundo.

- Queria que fosse fácil assim para mim. - Ele olha para baixo.

- Eram pessoas ruins. Não se culpe.

O capitão dá um leve sorriso, suspira, ergue a cabeça e força um sorriso maior.

Além de dizer isso para ele, digo também para mim. Eles não mereciam viver, assim como o merda do Rubens não merece.

- Mas eu ainda quero entender como sabia.

- De novo essa pergunta... - Ele olha para baixo. - Não posso te dizer, porque não quero que você fique em perigo.

- Você é perigoso? - Arqueio uma sobrancelha.

- Não. Eu sou só um cara que infelizmente conhece pessoas perigosas. Não queria conhecer, mas conheço. Estou falando isso para o seu bem, não pergunte novamente. - Ele me olha com seriedade.

            
            

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