O senhor Smith coloca uma foto de Rubens sobre a mesa. A foto o mostra numa delegacia. Isso é o tipo de foto que tiram quando estão prendendo uma pessoa.
Sinto que estou num filme policial. Se Rubens tivesse apenas matado ou agredido alguém não acho que eu estaria em uma sala de interrogatório.
- Senhores, o que está havendo?
- A senhora é mulher desse homem, certo? Rubens Pedrosa Dias - o senhor Smith pergunta.
"Mulher", eu deixei de ser sua mulher quando mentiu sobre as noites que não voltava para casa. No sexo, eu virei uma boneca inflável, fazia apenas para não irritá-lo. Beijava sem vontade e enquanto eu preparava a sua comida, tinha vontade de colocar veneno. Ele percebia a minha frieza, deve ser por isso que procurou uma prostituta. Talvez tenha começado a me trair muito antes, mas eu não quero ter certeza, porque o meu ódio só irá crescer. E se crescer, não sei se vou poder sustentar o sorriso quando o meu filho perguntar sobre o pai que tanto admira.
- Eu não sabia que o Rubens já foi preso. - Pego a foto. Não é tão recente, pois está sem a tatuagem de lágrima. - O que o Rubens fez agora?
- Senhora, vocês possuem uma boa relação? - o outro detetive pergunta.
Olham-me como se eu fosse suspeita de algo. O desdém está óbvio.
- Eu entendo que isso é um interrogatório. Vocês leram os meus direitos. Não sei se fazem isso com todos e se fazem: certo. Se não fazem: eu gostaria de entender o motivo de eu estar sendo interrogada e também gostaria de saber se eu sou suspeita de algo. Depois vou responder todas as perguntas.
- Responda as perguntas e informaremos o que está acontecendo. - O detetive Jones bate os dedos um de cada vez na mesa, repetidamente. O seu olhar sério não me intimida, irrita-me.
- Não, não temos uma boa relação. Vai fazer uns três ou quatro anos que saí com o meu filho de Taperuçu, uma cidade da Bahia. - Olho para a foto do Rubens recordando os piores momentos da minha vida. Mordo a parte interna da boca. - Rubens mentiu para mim, me bateu e vi que ele não era o homem que eu achava ser. Inclusive, me estressou tanto que a minha pressão subiu, entrei em trabalho de parto antes da hora e o meu filho nasceu prematuro. Esse homem é uma desgraça na minha vida. - Coloco a foto na mesa. - Não se discuti com uma grávida com pré-eclâmpsia.
- Você se casou com Rubens com 16 anos e ainda continua casada, apesar de não morar com ele. Vocês tiveram um filho, João Carlos Barbosa Dias, mas Rubens teve outra criança de uma relação extraconjugal, Lídia Magalhães Dias. Há quatro dias ele desembarcou no Aeroporto Internacional de Souls junto da sua filha. - Ele mostra uma foto de Lídia. - Sabe onde está Lídia?
- Comigo.
- Com você? - Eles se entreolham.
- No meu apartamento. Hoje Rubens veio atrás de mim, querendo me obrigar a voltar para a Bahia. Tentou me bater, mas eu que acabei batendo nele. Saiu do prédio, precisava esfriar a cabeça, depois de uma hora esperando por ele, decidi voltar para o meu trabalho. Quem está cuidando da Lídia é uma adolescente que mora no prédio vizinho, ela é babá do meu filho.
- Espere aqui, por favor. - Os dois saem da sala.
Esse suspense me faz pensar que tudo isso pode envolver algo bem ruim. Talvez Rubens esteja envolvido com algo maior, provavelmente obra do seu tio, Geraldo Luís. Devem suspeitar que eu sou cúmplice de algo, mas eu sou uma vítima.
Naquela noite, quando o vi matar um homem, eu queria gritar, ele cobriu a minha boca com as mãos cravando os dedos na minha pele. Fez eu ir com ele até um terreno baldio, onde ele jogou o corpo e cuidou para que ninguém descobrisse o que houve ali.
Foi nesse dia que ele me bateu. Deixou o meu rosto inchado porque pedi e implorei que ele parasse de matar.
Os dois entram novamente na sala.
- Senhora Dias... - O detetive Jones coloca uma arma em cima da mesa. - Reconhece essa pistola?
- Não. O Rubens a trouxe do Brasil?
- Não, foi comprada por ele ontem à noite.
Entendo. Eu realmente ia voltar morta para a Bahia. Desgraçado, eu deveria ter o matado quando tive a oportunidade.
- Com certeza era para me matar. - Sorrio amargamente.
- Senhora Dias, lamentamos informá-la que o seu marido morreu, hoje à tarde, vítima de um atropelamento que acreditamos ser premeditado.
Meu sorriso some. Meu coração bate tão forte que sinto que sairá do meu peito. Meus olhos se enchem de lágrimas.
Estou sonhando. É apenas um sonho, um pesadelo, e em breve acordarei. Seria muito ruim se fosse realidade.
Entre mulher e mãe, eu agora sou apenas uma mãe. Só consigo pensar na dor do meu filho. Ele acabou de perder uma das pessoas mais importantes da sua vida e que por muito tempo ansiava estar perto. Após tantos anos longe do pai, ele só pôde aproveitar alguns minutos da sua companhia e a culpa foi minha. Não posso mentir para ele. Não posso esconder a morte do Rubens, mas também não sei se posso aguentar ver o meu filho ficar de luto. A saudade continua, ele quer o pai para sempre perto dele, será devastador quando Joca souber que o Rubens nunca mais vai voltar. Como eu vou conseguir abrir a boca para dizer palavras que machucarão profundamente o amor da minha vida?