Capítulo 9 Meu filho

- Meu filho não vai conseguir lidar com isso. - Abaixo a cabeça. As lágrimas escorrem pelo meu rosto e molham as calças do meu uniforme.

Como eu vou contar isso para o Joca? Eu sei que queria o Rubens morto, mas... ele agora está realmente morto e o meu filho irá sofrer muito. Eu não vou conseguir, não vou conseguir contar.

Tento conter as minhas lágrimas e levanto a cabeça.

- Como aconteceu?

- Rubens estava saindo do hotel em que estava hospedado quando um carro o atropelou e fugiu - diz o detetive Smith. - Gostaríamos da sua cooperação. Sabe se alguém tinha motivo para querê-lo morto?

- Eu, mas vocês podem checar o meu álibi, não o matei. Além de mim, os familiares das pessoas mortas por ele, mas se quisessem matá-lo teriam feito isso na Bahia e, antes que pergunte, não sei quem são.

- Seu marido era um assassino? - Eles semicerram os olhos e se entreolham.

- Rubens soube esconder muito bem. Eu descobri isso anos após ter casado com ele. Não me divorciei porque tive medo, principalmente por ele ter me batido quando pedi que não fizesse mais isso. Juntei dinheiro e, quando ele me contou que engravidou outra, tomei coragem e fui embora sem ele saber. Estava escondida por anos até hoje ele me encontrar. Vocês me mostraram uma foto dele na delegacia, se ele não foi preso por assassinato, pelo que ele foi?

- Violência doméstica.

- Contra a prostituta que ele engravidou, não é? - Algumas lágrimas ainda escorrem. Passo a mão pelo meu rosto.

- Era uma prostituta?

- Sim, foi o que ele me disse. Por isso, ele queria que eu cuidasse da criança. Ele disse: "Ela não quer a criança, não vai cuidar direito. Quando o bebê nascer você vai me ajudar a criar, não é?" Eu disse: "Sim" e três horas depois fui embora para outro estado. - Lembro como foi ridícula a cena. Nunca vi homem mais cara de pau que ele. - Sabem como ela morreu?

- Depois da prisão de Rubens, Érica dos Santos Magalhães parou de se tratar contra o HIV, seu sistema imunológico enfraqueceu e ela contraiu uma infecção que a levou a óbito.

- Parece suicídio - murmuro.

Eu fui embora e o Rubens precisava de uma mulher. Érica criou a menina ao lado dele, mas não queria isso. Sinto muito por sua morte trágica. Deve ter sido torturante viver com Rubens. Ele só não me bateu outras vezes porque a minha tia me aconselhou a agir como uma esposa submissa.

- Exatamente. Foi considerado um suicídio.

- Mas como a polícia estava lá? - Estreito os olhos.

- Como assim?

- O tio dele é dono da cidade inteira, é um traficante muito rico. Geraldo Luís é a lei. Se a polícia pôde investigar foi porque ele permitiu.

Deixou investigarem o próprio sobrinho? Talvez a relação deles não estava boa.

- Geraldo Luís poderia querer o seu sobrinho morto?

- Não sei e também é como eu disse: era só matá-lo na Bahia... - Passo a mão pela minha testa. Está doendo. - Eu preciso ir, o meu filho precisa de mim.

- Certo. - Ele me dá um documento e uma caneta. - Precisa assinar para a retirada do corpo.

- Tudo bem. - Assino o papel.

Depois eu resolvo o que eu faço com o corpo...

Antes de ir para casa, eu voltei para o quartel. Contei tudo o que aconteceu para o capitão.

- Sinto muito. - Ele senta ao meu lado no banco do vestiário. Está surpreso com o que falei. - Você deve estar sofrendo muito.

- Só pelo meu filho. Ele ama o pai. Eu odeio o Rubens. O meu menino vai sofrer muito e não sei o que fazer.

- Você tem um filho... - Ele arqueia as sobrancelhas. - Eu não sabia. Dias, se quer um conselho: não vai ter como evitar. Ele deve amar o pai, não é? Todo mundo sofre pela morte da pessoa que ama. O que você pode fazer é o consolar e mostrar que ele não tá sozinho nesse momento. Você pode fazer isso, eu sei que pode.

- Posso. - Abaixo a cabeça. - Eu vou fazer isso. - Levanto-me, ele também se levanta. Olho para o lado e enxugo uma lágrima.

- Laura...

- Oi? - Olho para ele. O capitão me surpreende com um abraço. Fecho os olhos sentindo o contato das nossas peles quentes. É reconfortante o seu abraço, mesmo não sendo de alguém próximo. Meus olhos começam a arder e eu não consigo controlar as lágrimas.

- Eu não sei se eu deveria ter te abraçado assim de repente, mas eu achei que você precisava.

Olho para ele. Enxugo o meu rosto com a mão e sorrio para que ele volte a sorrir também.

- Eu preciso ir. Obrigada por tudo.

- Fique em casa uns dias. Cuida do seu filho e de você. Pode contar comigo para o que precisar.

Nos soltamos e eu fui embora do quartel.

O que se segue pode acabar comigo, mas o meu menino que irá sofrer mais...

Entro no quarto do Joca. Ele está sentado na cama ao lado da irmã. Lídia está tomando leite na mamadeira enquanto Joca a observa. Rachel está sentada na cadeira de frente para cama lendo um livro.

Joca me vê.

- Oi, mãe. O pai voltou com você? Ele precisa comprar leite pra Lídia, porque o dela acabou. Ela tava com fome então eu dei o meu.

Cruzo os braços. Ele deu o meu leite para ela.

- Desculpa. - Rachel dá um sorriso sem graça. - Quando eu percebi ele já tinha dado.

- Tudo bem. - Dou um leve sorriso. Os médicos não recomedam que uma criança tome um leite que não seja da mãe, mas agora já foi. - Filho, cuida dela certinho, viu?

- Cuido, a Rachel me ensinou. - Ele dá um beijo na testa da menina. Está há poucas horas com ela e já a trata tão bem...

- Rachel, pode olhar ela por um segundo?

Rachel suspira. Já a informei sobre o que eu vou dizer a Joca, está tão apreensiva quanto eu. Ela pega a menina e sai do quarto.

- O que foi, mãe? - O seu sorriso vai embora.

Abaixo-me perto da cama, na sua frente, e encaro os seus olhos castanhos.

- O que foi? - Ele acaricia o meu rosto.

- Filho, você sabe quando nos desenhos dizem às crianças que alguém importante virou uma estrelinha?

- Você disse que significa que alguém morreu.

- O... - Coloco a mão no peito e respiro fundo. - O seu pai também virou uma.

Ele não diz nada. Parece estar raciocinando.

- Não - ele sussurra e balança a cabeça para os lados. Começa a chorar e continua a balançar a cabeça. - Não! Não! Eu nunca mais vou ver o meu pai?

- Não pense assim. - Coloco as minhas mãos em cada lado do seu rosto. - O seu pai vai estar nos seus sonhos, no seu coração. - Enxugo as suas lágrimas.

- Eu quero ele aqui!

Ele se joga nos meus braços. O abraço forte. Chora tanto que molha a minha blusa. Suas mãozinhas me apertam.

- Mãe, eu quero o meu pai.

- Eu sinto muito. - Não me aguento e começo a chorar também. - Eu sei que você quer. - Beijo a sua cabeça.

Joca berra, soluça...

A vida vai ser difícil para o meu filho, por minha causa não pôde passar muito tempo com o pai, mas eu farei de tudo para ele ficar bem e sorrir ao lembrar dele.

                         

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