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Fred seguiu dirigindo sem rumo e acabou por levá-la para os lados do lago, onde parou o carro. Ela o olhou buscando entender o motivo de ele ter parado. Fred percebeu a indagação estampada em seu rosto e imediatamente, respondeu:
-Você pediu para ir para o inferno. Como não sei onde fica, achei melhor parar aqui. Quem sabe a gente encontra o caminho. – sorriu tentando fazer graça.
Gaby o olhou por alguns minutos processando a fala dele. Em seguida, olhou para a imensidão do lago, abriu a porta e disse descendo do carro:
-Aqui já tá bom!
Fred então, a conduziu até um banco que havia em frente a orla do lago e a fez sentar-se.
-Espere um minuto. – disse calmamente.
Fred atravessou a rua, entrou na distribuidora de bebidas em frente e comprou cervejas. Ao voltar para o banco em que ela estava sentada, ele abriu uma cerveja e lhe entregou. Ela olhou para a latinha e em seguida o olhou confusa. Ainda ha-via lágrimas eu seu rosto.
-Você já completou 18 anos, já pode beber! – sorriu sem graça, deixando implícito que beber poderia ajudá-la naquele momento.
-Verdade! - concordou pegando a cerveja. -Já sou adul-ta. – e virou de uma vez, quase tomando todo o conteúdo da lata em um único gole.
-Ei! Vai devagar! – ordenou Fred. -Você não está acos-tumada a beber.
-Quero beber e afogar minhas mágoas!
Gaby falou abruptamente. Seu olhar parecia estar perdido no horizonte. De forma inesperada, virou mais uma vez a latinha, tomando o resto do conteúdo. -Dê-me outra! – ordenou ela.
-Ok. Mas já te disse para ir com calma. – ele lhe entregou outra lata e a viu virar mais uma vez.
-Já disse que quero afogar as mágoas. – frisou Gaby.
-Desse jeito aí você vai afogar bem mais que as mágoas. – disse Fred, dando uma pausa para beber um gole da sua própria lata. -Não quer me contar o que aconteceu?
-Peguei Beto transando com Jane no banheiro dele. – Gaby continuava com os olhos fixos no lago.
Ao ouvir aquela revelação, Fred pareceu ter levado uma pancada na cabeça. Em choque com a informação, virou a latinha também. Aquela informação que mexeu com ele. Seu melhor amigo, com a garota que ele era a fim. Pior que Beto sabia que ele tinha uma queda por Jane, mas parece que aquilo não fazia diferença para o amigo. Afinal ele não se importou em magoar a própria noiva, quem diria um amigo.
-Sinto muito. Agora entendi por que queria ir para o inferno. – disse em voz entrecortada.
Fred pensou consigo mesmo, mas não verbalizou:
"Eu devia ter procurado melhor o caminho do inferno."
Gaby, com olhar perdido na imensidão do lago, prosseguiu contando o fato em detalhes.
-Eu destruí o quarto dele. – ela riu com um leve sentimento de prazer mórbido. - E joguei o sapato dela na testa dela.
-Boa de pontaria! Vou ter medo de você. – riu e encostou a latinha dele na dela, como se estivessem brindando ao feito.
-Não foi pontaria. Eu joguei NELE, mas o desgraçado foi mais rápido e se abaixou. Ela vinha atrás e pegou nela. – riu novamente. -Até que foi bem-feito.
Os dois se entreolharam rapidamente e gargalharam.
-É, mas depois vocês conversam e se acertam como na-quele dia da serenata. – disse ele tentando apaziguar aquela situação complicada.
-Não! Não tem mais conversa e não tem mais serenata. Acabou! – disse firme e ferida.
-Entendo.
Ele a deixou falar no tempo dela e a deixou beber também. E ele bebeu junto. Talvez estivessem os dois afogando as respectivas mágoas.
As horas se passaram e Gaby foi ficando tonta. Como não tinha comido nada, vomitou. Fred cuidou dela. Foi até a distribuidora de bebidas, comprou água lavou o rosto dela e as mãos. Deu-lhe água para beber. Limpou-lhe o cabelo e parte do vestido. A noite avançou e ela adormeceu com a cabeça em seu ombro.
À beira do lago a temperatura começou a cair como era de se esperar para o mês de julho. Ela estava apenas de vestido de alcinhas e Fred, preocupado que ela pudesse sentir frio, tirou sua própria camisa e a cobriu.
Quando Gaby acordou, o sol estava nascendo e eles fica-ram em silêncio contemplando aquele espetáculo da natureza. De repente ela deu por si de que ele estava sem camisa e ela deitada no peito dele. Constrangida, se levantou e falou:
-Você está sem camisa.
Gaby olhou para o tórax de Fred com alguns poucos pelos espalhados e não teve como não comparar os dois amigos. Beto era mais forte, tinha um tórax mais bem definido e sem pelos. Fred era magrinho. Alto, mas mirradinho.
-A temperatura caiu e eu achei mais certo mantê-la quentinha.
-Obrigada! – disse ela devolvendo a camisa a ele.
-Imagino que esteja com fome. Até porque você colocou para fora tudo que comeu ontem. – falou ele enquanto se vestia.
-Ah! Nem me lembre. Desculpe-me. – falou constrangida por ter vomitado.
-Imagina, não precisa pedir desculpas. Tô acostumado com bebum. – sorriu.
-Tá certo. Então tive meu dia de bebum. – riu ela.
-Todo mundo tem. – ele riu também. Deu uma pausa e disse: -Seus pais devem estar preocupados. Melhor eu te levar para casa.
-Devem sim, eu deixei o celular em casa.
-Se quiser ligar para eles – disse oferecendo-lhe o próprio celular.
-Não quero! Obrigada!
-E o que vai fazer agora?
-Vou embora! – disse ela categórica.
-Para onde?
-Vou pra Goiânia ou pra Brasília. Aqui não fico mais.
-Tem certeza? – ele queria convencê-la do contrário, porém ela estava decidida.
-Tenho! – falou firme.
-Entendo. Quando vai?
-Hoje. Aliás, melhor eu me apressar. Pretendo pegar minhas coisas antes que meus pais acordem, ou eles não me deixarão ir.
-Ok. Então, vamos! Te deixo na rodoviária. – levantou-se e estendeu a mão à ela.
-Obrigada! - Levantaram-se e se foram.
-*-
Fred parou o carro na esquina da casa de Gaby. Não quis arriscar parar em frente, pois Beto morava na casa ao lado. Seria mais prudente ele não os ver juntos.
-Te espero aqui. – disse ele enquanto ela se afastava em direção a casa.
Ela entrou pé ante pé, segurando as sandálias nas mãos. Foi até seu quarto, escovou os dentes, limpou a maquiagem borrada, lavou o rosto e amarrou os cabelos em um rabo de cavalo. Pegou uma mala e colocou nela o que pôde. Trocou de roupa, vestiu jeans e camiseta. Pegou uma sacola e colocou o vestido, as sandálias e tudo que havia ganhado de presente de Beto nos últimos anos. De posse de seu celular, viu que havia mais de 20 ligações de Beto para ela e outras tantas de seus pais.
Na sala, deixou um bilhete se despedindo dos pais dizendo que os amava, mas que diante dos acontecimentos da noite anterior, não poderia mais viver naquela cidade. Saiu da casa levando sua mala, a sacola com tudo que representava seu relacionamento e o ursão que Beto havia lhe dado no dia anterior.
Lá fora, passou no lixo da casa de Beto e colocou tudo ali. Fez questão de pôr no lixo da casa dele para que soubesse que ela estava virando a página que o incluía em sua vida.
Na esquina, Fred a esperava e a viu colocar as coisas no lixo. Quando ela já estava à uma distância segura para não ser vista da casa de Beto, ele foi encontrar-se com ela. Pegou a mala de suas mãos e a conduziu ao banco do carona. Ao entrar no carro, entregou-lhe um pacote com pães de queijo que havia comprado na padaria da esquina e ela, com fome, os devorou.
No caminho da rodoviária, Fred perguntou.
-Como vai se estabelecer lá?
-Tenho uma grana que meus pais me deram de presente de aniversário. Eles iriam me dar um carro, mas eu preferi o dinheiro porque tinha planos de comprar os móveis da nossa casa e pagar nossa lua de mel. – riu tristemente. -Agora esse dinheiro vai me ser útil de outra forma.
-*-
Na rodoviária local não havia ônibus para Goiânia antes das 12h e ela não queria esperar. Temia que ou Beto ou os pais fossem lá e a obrigassem a voltar para casa. Fred, então, se ofereceu para levá-la até Uruaçu, de onde sairia um ônibus as 9h com destino à Goiânia. Ela lembrou-lhe que era longe para ele ir, mas não o convenceu do contrário.
-Bobagem, são apenas 230 quilômetros. Tô acostumado a rodar quase o dobro para ir à universidade, portanto, posso fazer isso por uma amiga.
-Obrigada! Não sei como agradecer.
-Nem precisa agradecer. – segurou a mão dela com cari-nho.
Na rodoviária de Uruaçu, Fred se despediu dela antes do embarque.
-Quando voltar, lembre-se dos amigos.
-Não vou voltar, Fred. – lágrimas escorreram em sua fa-ce. -Nunca mais!
-Que pena! Então, sendo assim, boa sorte! – abraçou-a e beijou-lhe a testa. -Vê se se cuida!
-Vou me cuidar, pode deixar. Obrigada por tudo!
-Tá bom, mas não vá beber de madrugada com nenhum estranho, viu?! – brincou ele segurando as lágrimas. -Isso pode ser perigoso.
-Tá bom ... e nem de estômago vazio.
-Exatamente!
-Vou me lembrar disso. – sorriu com tristeza.
Entrou no ônibus, olhou para trás e deu-lhe tchau. Era como virar a página dos seus sonhos.
Do lado de fora, Fred gritou enquanto o ônibus iniciava a manobra para deixar a área de embarque:
-Mande notícias para mim!
Mas Gaby não pretendia mandar notícias para ninguém daquela maldita cidade.
De Uruaçu a Goiânia foram 5h e 10 minutos de viagem, tempo que ela passou repensando sua vida. Em alguns momentos as imagens do ocorrido ainda lhe eram bem nítidas na mente. E foi durante aquele trajeto que ela jurou esquecer para sempre Beto. Assim como jurou nunca mais pisar em Minaçu. Se os pais quisessem vê-la, teriam que ir até ela.
Por último, se comprometeu a nunca mais se entregar ao amor.
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