Szafir também havia dado um bom conselho, que ela precisava trazer sempre na mente. Ele disse que Aram era um bom Alfa, mas que sua paciência não era conhecida por ser infinita. Que ela teria mais a ganhar se não o ficasse testando em embates e, de preferência, não oferecesse mais comida de cachorro para ele. Ela sorriu ao lembrar de sua fala descontraída. Ele havia dado o conselho e se retirado, deixando-a pensativa, instantes depois ela percebeu que o Alfa estava vindo até onde ela o esperava. Tinha uma expressão bastante séria, com o semblante fechado, não era para menos, os ânimos haviam ficado bem exaltados na reunião.
- Vamos até o galpão de suprimentos, tenho que supervisionar e também precisamos pegar nossa parte.
Ela o seguiu até o enorme prédio de madeira que ficava ao lado, já haviam se formado duas grandes filas e as pessoas retiravam grandes caixas com comida. Aram a levou até um canto do grande armazém.
- Fique aqui e tente ficar longe de problemas, as pessoas estão estressadas e com medo, qualquer fagulha pode ser suficiente para um incêndio.
- Ok, eu juro que vou ficar aqui, nesse exato lugar.
Ele assentiu e foi em direção onde a comida estava sendo distribuída. Lucine estava empenhada em ser praticamente invisível quando iniciou-se uma confusão no início da fila. Inicialmente ela não conseguiu perceber do que se tratava. Em questão de segundos uma desordem geral se instaurou, algumas pessoas discutiam, outras se empurravam. Não demorou muito e alguns começaram a trocar socos. No meio da confusão alguém empurrou Lucine, que caiu sobre outro grupo de pessoas. Ela foi empurrada de volta e não pode se esquivar de um soco que a acertou no canto da boca. Alguns poderiam julgar que ela tinha apenas sido uma vítima da confusão, mas ela ouviu bem alguém proferir as palavras "loba suja", antes de ser atingida.
Com a força do golpe ela caiu no chão e teve certeza que seria pisoteada pela multidão enraivecida. Quando estava no chão, ouviu um rugido ensurdecedor e levemente familiar, um Lycan que havia pulado de algum lugar aterrissou ao seu lado, transformado em fera. A besta jogou alguns homens que estavam mais próximos dela com força contra uma parede e todos os outros foram se dispersando cautelosos.
Lucine sabia que se tratava de Aram, não apenas por já tê-lo visto na forma bestial, mas o cheiro era inconfundível. E ele estava com raiva, ficou parado na frente dela como uma espécie de barreira entre ela e a multidão. Seu rugido era ameaçador e ele encarava a multidão como se desafiasse alguém a atacá-los.
Nenhum homem ousou se transformar em fera também, pois o comando do alfa era claro e não deixava brechas para contestações. Lentamente, todos foram se afastando e abaixando as cabeças em sinal de respeito.
Quando a situação parecia controlada, a fera olhou em direção a Szafir e o beta foi até ela, a pegando no colo e indo em direção a saída do galpão, a fera saiu rapidamente para o outro lado. Lucine procurou esconder o rosto no peito do homem, estava tremendo muito. Achou que daquela vez não sobreviveria, até que o Alfa veio ajudá-la. O beta a colocou no carro e a levou para casa, ele fez menção de carregá-la outra vez quando abriu a porta da caminhonete mas ela o afastou.
- Não é necessário, eu posso andar.
- Está muito machucada, precisa ver um médico?
Ela negou com a cabeça.
- Não, o soco pegou de raspão, foi mais um susto.
- Tudo bem, vamos entrar agora.
Ela olhou ao redor ao perguntar.
- Para onde foi o Alfa?
- Ele não podia voltar à forma humana na frente de todos, as roupas dele tiveram perda total. Fique tranquila, daqui a alguns minutos ele deve chegar, eu vou ficar com você.
Ele disse, já se encaminhando para a porta da frente da cabana. Nesse instante, uma luz se acendeu dentro da cabana e a porta se abriu, apresentando um Aram completamente vestido.
- Obrigada Szafir, você já pode ir agora. - Ele disse, soando curto e grosso.
O outro homem não parecia muito convencido, mas não teve alternativa.
- Tudo bem, eu já vou indo. Se precisar de mim me liga.
Ele virou as costas e entrou no carro para partir.
- Entra, você vai congelar aí fora.
O Alfa falou em tom de comando e ela obedeceu. Ele fechou a porta e inesperadamente segurou seu rosto com as duas mãos, o examinando com atenção.
- Você está muito machucada?
- Não, só o machucado da boca.
Ele direcionou sua atenção para a ferida causada pelo soco no canto da boca.
- Isso vai ficar roxo, mas não acredito que tenha quebrado nada.
Estar em evidência a deixou desconfortável, o olhar dele era intenso e parecia preocupado.
- Eu estou bem Alfa, mas achei que morreria pisoteada.
Ele a largou, caminhou em direção a sala e desabou no sofá.
- Eu também pensei, acho que nunca me transformei tão rápido. Eu não disse para você ficar longe de confusão?
Ela se aproximou mais dele, caminhando em direção à onde ele estava.
- Não sei se você reparou, mas meio que a confusão veio até mim.
- Sim, devem ter te acertado no meio da discussão.
Ela ficou em dúvida se revelava o que havia escutado, achou melhor ser sincera
- Não foi uma casualidade. Eu escutei uma voz masculina me chamar de "loba suja", instantes antes de me acertarem.
Ele sentou com as costas retas novamente.
- Então, alguém se aproveitou da situação para te agredir! Em outros tempos ninguém teria coragem de fazer isso a uma Luna na Alcateia, mas estes são tempos difíceis. Eu perdi uma boa parte do respeito que eu costumava ter, recuperar isso talvez leve algum tempo.
- Eu entendo.- Ela disse simplesmente, abaixando novamente o olhar.
- Entende um caralho!-Aran disse, demonstrando um pouco de irritação enquanto falava o palavrão. - Você é a minha Luna, isso foi uma ofensa direta. Eles deveriam saber que era perigoso, eu quase não consegui controlar o chamado.
Ela se sentou no sofá, sem entender as palavras dele.
- Qual chamado?
Ele ficou fitando o chão por um momento em silêncio, antes de responder.
- O chamado da Luna. Quando você foi atacada eu fiz o que era necessário para ajudá-la e me transformei, naquele galpão cheio de mulheres e crianças. Não consegui me comportar de forma racional, apenas segui o impulso de protegê-la acima de qualquer coisa. Poderia ter terminado muito pior se você tivesse ficado realmente ferida, creio que poderíamos ter tido um banho de sangue.
Lucine pôde perceber o quanto ele estava abalado, ela se levantou de onde estava e foi sentar ao lado dele no sofá grande.
- Mas não terminou Aram. Ninguém tinha como prever nada do que aconteceu hoje.
Ele ainda parecia imerso em pensamentos.
- Isso nunca tinha acontecido comigo, só tinha ouvido falar.
- O chamado, mas eu pensei que você...bem, você já teve uma companheira.
- Mas, infelizmente, quando eu cheguei já era tarde para ela. E só percebi haver algo errado quando não a encontrei em parte alguma. Nada de chamado, nada de ajuda divina, nada para mim. Só me restou um corpo para enterrar e nenhuma chance de mudar as coisas.
Pelos tremores do corpo dele, Lucine percebeu que ele estava chorando em silêncio. Ela não conseguia explicar, mas conseguia sentir toda a culpa, angústia e dor que aquele macho carregava. Esses sentimentos estavam em volta dele como uma aura cinza que ela conseguia visualizar. Aquilo era novo, poderiam ser suas habilidades como Alfa suprema, que estavam finalmente aflorando.
Pelo que Lucine havia entendido, mesmo que uma união fosse feita por conveniência, um elo era construído entre o macho e a fêmea. Aram não a queria de forma alguma, mas não pôde evitar de se transformar e enfrentar a todos dentro do galpão para salvá-la. Talvez esse fosse o caminho para conseguir se libertar, teria que aprender a usar essa ligação a seu favor.
Quando estava com os gamas, aprendeu que o mais fácil era sempre a obediência, se obedecesse apanhava menos. Deveria seguir o mesmo princípio com seu marido. Ele deveria acreditar que a dominava, e inteligentemente ela exploraria essa ligação que havia entre os dois.