Eu podia sentir o olhar de alguém queimando em minhas costas, e quando o barulho de algo atravessando a água sobre a parte mais rasa e cheia de cascalho, meu corpo congelou no lugar entre as ondulações e respingos e olhei de soslaio, amarga, para Noah atravessando o rio ainda em cima de seu cavalo. Seu olhar estava duro, naquele tom dourado intenso como uma moeda de ouro ao sol, e rolei meus olhos para atrás dele onde Yan fez uma careta nos repreendendo em silêncio.
- Bom, eu já estava de saída de toda forma! Apenas encontrei as educadas moças, e a conversa fluiu de forma fácil.
- É melhor sairmos daqui. Se o rei nos pega espiando sua floresta, nossos pescoços vão para a forca!_ Yan continuou, mas o silêncio de Noah era duro, frio, e seu olhar distante e sem interesse em nossos rostos.
Se ele estava fazendo isso para me provocar, estava conseguindo me tirar do sério. Sorri abertamente, erguendo meu queixo encarando nos olhos lorde Lonford.
- Espero que seja o ganhador, mi'lord! Perdoe-me minha falta de modos em chamá-lo de Sire...
- Vindo de uma moça tão bonita, eu não queria deixa-la constrangida com algo tão pequeno...
Sorri acenando, abaixando levemente minha cabeça, e finalmente os olhos de Noah vieram como flechas em minha direção, afiado e de mal humor.
- Vossa alteza está se divertindo? _ sua voz veio áspera como língua de um gato. Meu rosto se moveu graciosamente em sua direção com tanto desdém que vi algo em suas íris douradas fervilhar, e meu sorriso felino o fez apertar as mãos na rédea de seu cavalo, que seus dedos ficaram brancos.
- É claro! Essa é a floresta de meu pai. E eu gosto de me divertir por essas terras calmas.
Os olhos de lorde Lonford se arregalaram e seus lábios ficaram pálidos. Não o culpo por não me reconhecer, sempre apareci de forma apresentável diante dos lordes, não com cabelos escorridos e de camisola. Quanto a Âmbar, raramente ela se interessava em aparecer a festejos e bailes.
Yan moveu seu cavalo o colocando a nossa frente, cobrindo nossa imagem dos olhos do senhoril.
- Suma!_ Yan sussurrou em um sopro, e apenas ouvimos o cavalo ser montado e o lorde se ir sob supervisão do olhar atento de Yan e Noah.
Yan se virou sobre a sela de seu cavalo, de um jeito apressado, suas sobrancelhas apertadas de forma furiosa.
- Sua desmiolada! Vamos! Saia logo daí e vamos embora! _ claro que o terceiro filho do duque iria se referir de tal forma a irmã. A mim, nenhuma palavra seria lançada de forma imprudente.
Podíamos ter crescidos juntos, mas sempre fomos cientes de nossas posições de hierarquia.
Noah virou o rosto para outra direção, dando privacidade para Ambar, que se apressou a mando do irmão.
- Desculpe Noah! Terei que levar Ambar para casa... Nos vemos depois. _ Yan disse firme e olhou para mim dentro dos olhos, acenou sutilmente em despedida silenciosa.
- Apenas a leve em segurança. Parece que terei que lidar com minha noiva..._ o jeito raivoso e frio qual Noah se referiu a mim, fez meu sangue me subir a cabeça.
Apertei as mãos em punhos escondidos de baixo d'água e apenas desviei meu rosto para outra direção com indiferença. Ele esperava, provavelmente, que isso fosse como uma faca envenenada cravando em suas entranhas.
- Te vejo depois, Mia._ Ambar sussurrou saindo na margem ensopada. Torcendo a barra de sua camisola que se ajustou ao corpo, revelando com transparência suas curvas. Ela correu até seu vestido no galho, o vestindo de forma apressada e desengonçada. Voltando ao irmão que parou de olhar para outra direção qualquer, aceitando a mão que ele a estendeu para ajudá-la a subir na sela do cavalo.
Yan acenou para mim em uma pequena reverência, batendo seus calcanhares e fazendo seu cavalo galopar para dentro da floresta.
O silêncio ficou pesado, amargo, e sufocante entre Noah e eu. O som da água correndo entre pedras, o canto dos pássaros e chacoalhar das copas das árvores pelo vento se fazia presente, e muito bem-vindo. Sempre foi assim depois daquela primeira briga. Não havia mais vontade entre nós de manter uma boa relação. Pelo menos não dá parte dele. Eu queria cumprir meu dever, mas não queria me casar com alguém que não me suportava mais.
- Está esperando um convite para sair daí?_ ele rosnou entre os dentes e soltei uma risada nasal debochada, voltando a nadar para provoca-lo.
- Estou muito bem aqui! Pode ir embora se quiser.
- Saia já daí! Não me faça descer desse cavalo e te arrancar daí a força!_ ele me encarou furioso dentro dos olhos e sorri abertamente aceitando o desafio.
- Ouse me tocar, e eu vou garantir que perca a mão por isso!
- Ah! _ ele sorriu com amargor, maneando a cabeça e descendo de seu cavalo. Continuei tranquila, queria vê-lo tentar. _ Ótimo! Sua ingrata miserável! É assim que você quer? Assim vai ser!
- Eu não pedi a sua ajuda!_ murmurei nadando mais a dentro, e ele parou a margem, sem ainda molhar suas botas. Meu peito subia e descia quando sai finalmente da água, do outro lado, e _ Quem você pensa que é para me dar ordens? Quem você pensa que é, Noah?
- Eu sou seu noivo!_ ele rosnou parecendo com nojo dessas palavras._ E querendo ou não... Eu sou essa pessoa, e acredite eu tenho essa autoridade para arranca-la daí!
- Para o inferno com essa sua autoridade! Por que não vai foder com alguma puta e me deixe em paz? _ rosnei o olhando por cima do ombro, vendo seus olhos em outro lugar.
Uma brisa fria soprou levando um arrepio pelo meu corpo molhado.
- Você é uma garotinha imprudente e mimada! Ingrata e ridícula! Em seu lugar estaria dizendo "obrigado"! Mas se você é tão auto suficiente, certamente conseguiria se livrar das forças de um senhoril sobre você enquanto te forçava a margem desse rio! Ou sobre Ambar... O que é pior, você ou sua melhor amiga?
Ele lançou seus olhos em minha direção, encarando meus olhos profundamente. Desviei com raiva. Sabia que ele estava certo, apenas não queria admitir isso em voz alta. Seria humilhante o dar uma vantagem sobre meu ego, ou algo para usar contra mim e me cutucar a ferida.
Senti as gotas fartas de água escorrendo de minha cabeça pelo meu rosto. Peguei meu vestido na galha, murmurando inaudível.
- Seja rápida! Eu tenho mais o que fazer...
Fechei meus olhos, respirando fundo, bem fundo, prendendo o ar por alguns segundos antes de solta-lo devagar. Eu o ouvi se virar e apertei com força o tecido do vestido, me contendo para não grunhir pela irritação.
Noah
Respirei fundo tentando me acalmar, enquanto segurava a rédea de meu cavalo sem ainda subir. Ela conseguia tirar minha paz com um único maldito olhar.
- Ah! Ah! _ ela protestou e voltei a olhar em direção ao outro lado do rio onde ela estava parada perto de uma rocha maior_ Tem uma cobra aqui...
Soltei as rédeas e atravessei o rio, na parte mais rasa, saltando sobre as pedras e rapidamente cheguei a ela, parando ao seu lado e e encontrando o que ela tanto olhava.
- É... É uma cobra! Então tente ser rápida enquanto eu fico de olho nela! _ disse sério e a olhei de soslaio. Eu lutei para manter meus olhos em seu rosto, e não descer um centímetros abaixo dele.
Algo se torceu dentro de mim quando nossos olhos continuaram mantendo um olhar com um algum silêncio. Seus cabelos estavam escorridos, ainda mais escuros graças a umidade, e heus labios um tom rosado e aveludado. E aqueles olhos... Eu nunca conseguia ler através deles quando ela se mantinha em silêncio e com aquela expressão
- Eu não vou fazer isso com você aqui!_ ela protestou apontando para a cobra!_ Dê um jeito nela primeiro!
- Ela está quieta em sua casa! Você que tem que dar jeito de se mover para fora daqui antes que a irrite!_ praguejei mostrando meus dentes
Merlia abriu a boca querendo me contestar, suas sobrancelhas apertadas e acabei mapeando os detalhes de seu rosto.
- Está preocupada que eu te veja nua?_ ri com desdém e ela apertou as sobrancelhas ainda mais e seus olhos se tornaram ferozes_ Oh! Não se preocupe! Uma garota sem graça como você não vai me fazer me sentir atraído nem um pouco!
Eu vi a raiva brilhar em seus olhos esverdeados enquanto ela encarava meu rosto.
- Seu..._ resmungou se virando e procurando outro lugar para se trocar. olhei de soslaio rápido e voltei a vigiar a cobra enrolada e adormecida sobre a pedra. _ Como se ele também fosse grande coisa...
A ouvi resmungando e arqueio a sobrancelha.
- Resmungona!_ Sussurrei sem que ela pudesse me ouvir.
- Como o meu pai permitiu que meu noivo fosse um homem tão desagradável, grosso e feio? Argh! Eu merecia coisa melhor!
Olhei desaforado por cima do ombro no exato instante em que ela terminava de retirar sua chamise molhada pelos braços, deixando o tecido cair no chão com raiva, quase o jogando.
Voltei a olhar para a cobra, piscando algumas vezes e respirando fundo, mas a imagem da curva de suas costas delicada, seus ombros pequenos, a cintura fina e o quadril levemente mais farto com sua bunda avantajada e coxas grossas...
Fechei meus olhos, me amaldiçoando por ter visto. Isso faria minha cabeça tentar me convencer que por ser bonita, Merlia seria mais tolerável... Até mesmo aceitável. Maneio a cabeça, resmungando pela minha camisa molhada nas costas grudando em minha pele de um jeito desconfortável devido ao suor.
- Argh! _ Resmunguei me contorcendo tentando faze-la desgrudar. _ Eu odeio esse lugar!
- Então vá embora!_ ela me retrucou de lá.
- Anda logo! Eu quero continuar olhando a floresta!
- Trapaceiro!_ ela rosnou e revirei os olhos. _ Você só consegue ganhar porque faz trapaça atrás de trapaça!
- Ressentida?_ debochei e a ouvi bufar. _ Ah! Aquele vinho estava bom!
- Não... Até porque o único jeito de você ganhar alguma coisa é roubando!_ ela retrucou e trinquei os dentes e a encarei por cima do ombro. Merlia sorriu afiada mostrando os dentes, talvez ela fosse tão venenosa quanto aquela cobra.
Merlia se moveu, atravessando o rio saltando sobre as pedras e soltou um assobio agudo. Segundos depois de dentro da floresta, Escuridão, seu cavalo saiu.
Merlia saltou para a margem, torcendo sua chamise molhada e jogou dentro de uma bolsa presa a sela. Ela pisou no estribo, se lançando para cima, e inclinou reunindo as rédeas.
Voltei para perto de meu cavalo, fazendo o mesmo caminho de volta, e o montei, subindo meus olhos para encarar Merlia que estava em silêncio.
- É um cavalo grande de mais para uma criança mimada._ Murmurei. Ela parecia minúscula sobre Escuridão. Merlia apenas arqueou a sobrancelha, re irou os olhos, batendo sutilmente seus calcanhares e o cavalo se moveu se virando de banda.
- Quando você crescer, eu deixo você andar nele! _ Ela sussurrou, balançando as rédeas e com apenas um solavanco, ela foi lançada para atrás pela força de seu próprio cavalo. Ela se manteve em cima da sela como se fosse parte dela e o som dos passos pesados nas pedras e folhas ecoou no ar.
Movi as rédeas de meu cavalo, indo na direção contrária.
Merlia
Escuridão cavalgou na floresta, subindo com facilidade os declínios. O parei em uma área plana, rolando meus olhos ao redor, procurando por tocas. Mas eu não seria uma trapaceira como os outros.
Um novo trotar me fez arquear a sobrancelha e Joseph ergueu sua mão acenando para mim.
- Hey! Estava a sua procura!
- O que há?
Fiz Escuridão galopar até meu irmão mais novo, e puxei as rédeas, o fazendo afundar as patas contra a terra, deslizando ao fazer isso. Ele trocou o peso nas patas e Joseph alisou os cabelos para atrás.
- Nosso pai lhe convocou. Parece urgente!
Rolei meus olhos ao redor e suspirei fundo.
- Problemas?
- Não sei dizer. Ele não disse nada para ninguém.
- É melhor irmos logo então!_ disse firme dando um comando sutil e Escuridão galopou, e Joseph me seguiu.
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Boa leitura!
❤️