Abri a porta e fui pego de surpresa por seus braços envolvendo meu pescoço, sendo bruscamente puxado pra perto dele, senti fortemente o cheiro de álcool, que da sua boca exalava e em um reflexo repentino me desenvencilhei dos seus braços, antes mesmo que ele pudesse ter um contato mais íntimo. Fui tomado por uma repulsa nunca antes sentida por mim em relação a ele.
- Precisamos conversar, Marcelo!
- Sim precisamos, mas não aqui, te encontro no lugar de sempre daqui a alguns minutos.
- Estarei te esperando!
Entrei no prédio, subi até o apartamento pra colocar uma roupa mais descente e avisar Laura, tudo que não quero é deixa- lá preocupada comigo.
Abri a porta do apê e Laura estava na sacada.
- Imaginei que estaria aqui.
- sim, sabe o quanto esse cantinho me acalma.
- só vim te avisar, vou trocar de roupa e dar uma saída, mas volto logo e sim vou conversar com Marco, mas se precisar de qualquer coisa me liga vou estar com o celular ligado o tempo todo.
- Tudo bem.
Fui em direção a meu quarto, troquei de roupa, peguei as chaves do carro que estavam sobre a mesinha de centro da sala, foi quando ao me virar senti os braços pequenos de Laura me envolvendo, fui surpreendido por um abraço gostoso e aconchegante, ela nem imagina o quanto estava precisando, pois o que eu tinha pra enfrentar seria no mínimo desgastante. Me despedi dela e fui até o local marcado, que ficava a poucos minutos de minha casa.
Chegando lá estacionei o carro na vaga que já me era de costume, abri o porta mala e peguei a caixa que pertencia a ele e subi no elevador para oitavo andar.
A porta do apartamento estava entreaberta, entrei coloquei a caixa em cima da mesa, encontrei Marco sentado no sofá cabisbaixo, tomando um copo de whisky.
Marco era um homem bem sucedido, arquiteto formado, um grande nome em ascensão na arquitetura moderna, trabalha em uma grande empresa, viaja muito o que explicava muito sua ausência, mas de pé em sua frente não consegui me compadecer com tal cena.
- Pode me dizer, o quê tá acontecendo?
Diz ele levantando em minha direção, colocando suas mãos em meus ombros e olhando fixamente em meus olhos, querendo de alguma forma me intimidar.
- Me diz você?
Falei isso, novamente escapando de seu contato físico.
- Você simplesmente resolveu que eu não sirvo mais, me dá um pé na bunda, sem nenhuma explicação, pôr um chamada de celular, depois de quase 4 anos e eu que tenho que me explicar, sério?
Nesse momento, minha vontade era de quebrar a cara desse sujeito, como ele pode ser tão dissimulado, mas não vim aqui pra isso.
Então olhei fixamente em seus olhos e perguntei ironicamente:
- Como me explica, então senhor Marco Ferraz, o senhor ser casado a 3 anos e com um filho a caminho?
Ao terminar de falar, a sensação era que uma granada havia acabado de explodir e tudo que vivemos, em quase quatro anos, foi destruído e pude perceber, Marco por um instante cambalear devido a tudo que tinha lhe dito, como se perdesse o chão naquele segundo.
Esfregando as mãos no rosto em um gesto de desespero olhou em minha direção.
- Como soube disso? Quem te contou?
Parecendo, querer achar algum culpado pela verdade ter vindo a tona.
Mas sem piedade ou compaixão lancei a ele um olhar de desprezo.
- Ah! ao menos tem caráter! Bati palmas nesse momento . De não tentar se defender ou inventar mais mentiras, sabe Marco, a mentira tem pernas curtas e o sucesso, a vaidade quase sempre se tornam inimigas de quem as usam sem pudores. Recebi de um amigo uma revista conceituada de arte moderna, de poucas edições e muito limitada ao grande público, sabemos que somente grandes escritórios e arquitetos renomados recebem essa revista, mas por ironia ou não do destino, fui presenteado por uma dessas edições e ao folhear, já nas primeiras páginas e para minha surpresa o entrevistado era uma pessoa que eu conhecia muito bem, ou pensava que conhecia. Imagina como me senti? Alguma vez você parou pra pensar que tanto eu, quanto sua esposa estamos sendo usados e feitos de idiotas, por você? É sem dúvidas tenho que dar os parabéns a esse repórter uma matéria muito esclarecedora ao menos para mim, com muitas fotos revelando sua vida por inteiro.
E ao terminar de falar observo o quão nervoso ele estava, andando em círculos pela sala e parando em minha frente, respeitando o espaço que no começo da conversa deixei claro com minhas atitudes que queria.
- Eu posso explicar... Eu não a amo.
Nosso casamento não passa de pura formalidade, ela era minha namorada, quando vim pra capital estudar Arquitetura, ela ficou em Santa Maria pois cursava veterinária, meus planos eram me formar e casar com ela, pois seu pai era grande empreiteiro da cidade e minha carreira estava garantida, nunca menti sobre minha ambição em crescer na vida, foi quando te conheci e me deixei envolver por você, mas não nego que nunca deixei de lado meus planos, mas também não tive coragem de abrir mão de você e do que tínhamos. Marcelo, te conheço bem você jamais aceitaria. Fiz o que achei o melhor para todos, eu te amo!
Olhei para ele sentindo meu estômago revirar a cada palavra dita e fico pensando que aquele papo de que assumir algo publicamente, era difícil pois temia ser prejudicado e eu aqui idiota entendendo tudo, querendo parecer maduro.
E num ato de total compaixão, querendo o quanto antes dar o golpe final acabando de vez com essa agonia e já sabendo o desfecho, lancei a ele.
- Se não a ama como diz, me prove... então larga tudo e assume o que sente por mim!
- Sabe que não posso, tenho muito a perder, você não entende?!
- Eu sei, só quis dar a essa história toda um final digno de Shakespeare, já que pelo que ouvi você sempre soube seu papel nela, mas sabe eu tenho pena de você, pela pessoa materialista e mercenária que você se tornou, ou sempre foi, e que em nada me lembra a pessoa por quem me senti envolvido todos esses anos, mas o que mais me dá asco é o fato de você manter essa mentira, não me dando a chance de querer ou não estar em um relacionamento nessas condições, bom a caixa com suas coisa estão em cima da mesa e aqui esta a chave deste apartamento, acabou, tô saindo de cena.
Falei isso virando as costas sem nem sequer olhar pra ele, bati a porta ao sair, sabia que ali nunca mais voltaria e nem sequer uma lágrima consegui deixar escapar, mesmo tomado por tanta emoção, acredito que não tenha mais o que chorar, nem lamentar dessa história. Pois como alguém pode agir assim manipulando, mentindo, armando situações tudo a seu favor, me senti usado, sujo, precisava chegar em casa, tomar um banho e tentar apagar de minha mente todos os anos que vivi sendo enganado por ele.
Entrei no carro e logo a lembrança de como eu conheci ele me veio a mente...e eu era calouro ainda no campus, primeiro ano de arquitetura, Marcos veterano estava no último ano do curso. No auge dos seus 23 anos era dono de um corpo bem definido, cabelos loiros crespos e olhos azuis, ficamos amigos logo na primeira semana, ele era muito bom, aprendi muito com ele, pois as cadeiras eram bem puxadas em relação ao conteúdo, como eu era bolsista minhas notas tinham que ser impecáveis.
Um dia em uma festa da universidade, bebemos muito foi quando pela primeira vez ele deu em cima de mim, achei que fosse da bebedeira, ignorei pois eu não estava certo da minha sexualidade, mesmo eu já tendo 18 anos, ainda era virgem, tinha ficado com algumas meninas mas nada sério, apenas alguns amassos. Sempre fui muito dedicado ao estudos e mesmo sendo desorganizado na minha vida, sempre soube o que queria pra mim. E sobre não ter perdido a virgindade, falta de segurança, desejo, não sei definir o que me levou a não perde mais cedo, com uma menina qualquer.
Mas as investidas foram ficando intensas e não sei bem se pela carência, pela curiosidade ou simplesmente por admiração aquela pessoa me deixei levar pelo impulso e começamos a nós encontrar escondido, o que parando para pensar sempre foi escondido, na surdina, sem amigos, sem grandes gestos em público. No outro ano começamos a nos encontrar no apartamento dele, com a desculpa de que ele viaja muito, nos víamos quando dava, nunca poderia imaginar que nesse ano em questão ele estaria casando, constituindo família, me sinto um completo otário... Chegando perto de casa, o alívio começou a tomar conta de mim, gosto do cheiro do meu apê, de saber que Laura está lá, isso me acalma.
Estacionei na vaga de sempre, segui até o elevador, cheguei em casa e puxei o ar com toda força de minha alma, como é bom estar em casa. Me aproximei do quarto de Laura, vi a luz do abajur ligado, ela estava dormindo, encostei a porta com cuidado. Fui ligeiro para meu quarto, já tirando minha roupa, pois precisava ficar livre da sensação de sujeira que preguinava meu corpo naquele momento, liguei o chuveiro de maneira que rapidamente uma neblina densa de vapor pudesse cobrir todo box.
Já despido entrei no chuveiro e posso afirmar que era tudo que eu precisava naquele momento.
Foi quando ouvi a voz da Laura, me chamando baixinho, meio rouca pelo fato de ter dormido.
- Celo é você?
- Tô no banho!!
- Desculpa...
- Quê?!
- Precisando tô no quarto.
Terminei meu banho, posso dizer que estava revigorado. Coloquei uma calça de moleton larga, daquelas que com certeza minha mãe já teria colocado fora, por estar tão desgastada e uma camisa manga comprida, estava friozinho naquela madrugada, fui até o quarto de Laura e não pude deixar de lembrar do que aconteceu no dia de ontem, mas tentei não transparecer, abri a porta ela estava acordada, tapada até o pescoço, pensa em uma menina friolenta é ela.
- Acordada ainda, menina? Falei isso me aconchegando ao seu lado embaixo do cobertor aveludado que ela estava usando.
Quando ela grita:
- Marcelo, você tá gelado!!! Te esquenta primeiro só depois encosta em mim.
- sim, senhorita...mas, vou me esquentar mais rápido se eu ficar bem pertinho de você.
Falei isso envolvendo meus braços grandes em seu corpo que estava quentinho, nem dando chances para ela conseguir reagir.Conformada, que não iria solta-la facilmente senti seu corpo ficando molinho, foi quando ela se ajeitou colocando sua cabeça sobre meu peito, uma de suas pernas sobre as minhas, ficamos em silêncio, mas não era por falta de palavras, nem sequer querendo fugir delas, não tinha o que ser dito, sabe aquele silêncio que não constrange, que não sufoca ou intimida, magicamente se instaurou naquele cômodo. Passavam das 4h da manhã, sorte que nem eu, nem Laura temos aula amanhã, pois tem o bendito conselho de mestres do semestre.
Quando percebi Laura tinha dormindo sobre meu peito, podia sentir sua respiração calma e a batida lenta do seu coração, foi quando parei para pensar, o que meu Deus tá acontecendo comigo?!Ali naquele momento, mesmo magoado pela traição, me sentindo um grande idiota, estava feliz, o que mudou? Porque mudou? Novamente eu que achava a dois dias atrás estar com minha vida toda resolvida e aceita por mim mesmo, hoje não consigo definir mais nada ... O que sentia pela Laura de fato?!Pensei em levantar e ir dormir em meu quarto para evitar mais mal entendidos entre nós, mas estava tão gostoso sentir ela e sua respiração que novamente deixei me levar pelo momento e adormeci ali mesmo, nos braços dela.