- Abusado - Sky sorri, provocativo. - Isso eu sou. Só não sou a porra de um traidor e filho do maior assassino de todos os tempos.
Kenom mostra os dentes. Se pudesse rosnar, acho que o teria feito.
- Isso é você quem está dizendo.
- Chega - Rei Cosmo comanda.
Olho para ele. Aqui ele não é rei. E ele entende o significado do meu olhar.
- Me desculpe, Senhora, eu não quis me intrometer em seus assuntos. É que meu filho... Bem, às vezes ele fala demais. É o espírito livre que habita nele.
- Um homem selvagem, eu diria - Sky acrescenta, inabalado.
Tento não sorrir, é meio difícil não gostar dele. De todos eles. Mas ele é tão galante, tão... bonito.
- Como eu ia dizendo - Kenom recomeça. - Não podem haver duas rainhas - ele olha diretamente nos meus olhos. - E, para mim, só existe uma.
Um peso cai em meu estômago. Mal posso assimilar o sentimento, pois Sky o contra-ataca novamente:
- Quer que acreditemos que, quando for necessário, vai usurpar o trono dos humanos e, então, abrir mão dele? - sarcasmo escorre de sua voz.
- Pensei que visse tudo do céu, "Sky" - jamais ouvi Kenom usando esse tom de voz.
- Chega dessa babaquice - digo aos dois. - E então? - lanço um olhar inquisidor à monarquia à minha frente.
- Nós sabemos disso - Rei Cosmo diz. - Viemos aqui cientes de que só você deve governar. Como meu filho disse, dessa vez, juntos - ele enfatiza. - Talvez tenhamos uma chance. Já perdemos muitos – seu olhar se torna distante. - Tentando fazer algo em favor do reino.
- E estamos dispostos a abrir mão do título, nos curvando a você - a Rainha completa.
- Não sei vocês - Lana comenta. - Mas não consigo acreditar. Desculpa, mas depois de tudo o que passamos... Por que abririam mão de suas vidas de seu reinado e ainda lutariam por nós? Vocês não estavam bem lá em cima? Sabe-se os deuses onde?
- O que podemos fazer para que acreditem em nós? - Cosmo questiona.
- Que tal contar a verdade? Toda ela. - Celeste diz. - Por que desapareceram?
- Nós éramos caçados. Escravizados... Bom, os humanos são os mesmos desde sempre.
- Como assim? - Misty pergunta. - Vocês não vivem em uma ilha no céu?
- Não, nós passamos a viver em uma ilha no céu. Mas ela nos enfraquece. O ar é rarefeito. Quase não há o que comer para nos manter fortes e em nossa força total. Nossos ossos são maiores, nossos corpos, mais densos - isso explica muita coisa sobre sua aparência. - Há muito tempo, nós vivíamos aqui, entre Noor e Zéfiro. Éramos um povo próspero que estava nas graças das duas das mais poderosas florestas. Os deuses nos agraciaram com alguns filhos de olhos dourados... - o rei desvia o olhar, que se torna cheio de amor para seu filho. - Nossas águias. Apenas alguns de nós têm esse "dom", e era exatamente esses que eram caçados e escravizados, obrigados ao juramento de sangue. Na verdade, basta uma gota do sangue do homem águia para que ele se torne escravo da vontade humana...
Ele para de falar, pois o ar fica suspenso na sala. Cosmo acabou de revelar o que é, possivelmente, o maior segredo de seu povo. Ele sabe o que fez e fala diretamente para mim:
- Eu sei que esses são seus jurados de sangue. Sei que tem a lealdade de todos, exceto a do príncipe.
- Seu segredo não sairá desta sala - prometo a ele. - Continue sua história.
Ele assente e continua:
- Basicamente, foi por isso que nossos ancestrais pegaram as águias que sobraram e vagaram sem rumo, buscando uma vida digna ao nosso povo. Matamos aqueles que foram escravizados, e acredite, foi um favor que fizemos a eles. A águia é um animal selvagem, não nasceu para tal destino.
- E então - uma voz suave como o vento corta seu raciocínio. - Os de olhos azuis são montadores e os de olhos dourados, Encantadores? - Gen questiona.
- Isso mesmo, minha querida - a rainha responde.
Ela dá um leve aceno de cabeça. Ainda me encanto com sua delicadeza. Acredito que qualquer pessoa sente essa fragilidade da moça.
- Então... é isso - Celeste diz. - Acredito na história de vocês. Os humanos são desprezíveis, e vocês, mesmo sendo um povo forte, ficaram vulneráveis perto deles.
- Sim, eles são muito numerosos - Sky responde com certo tédio.
Fecho meus olhos por alguns segundos para me concentrar e acessar memórias antigas. Vejo flashes de montadores de águia vivendo entre as bruxas, e sei que sua história é verdadeira.
- E é por isso que vamos abrir mão de títulos, nosso povo todo está aqui, desceram para ver você. Nossa esperança. Estamos vendo uma oportunidade única de voltar a ser o que somos. O Clã dos Pássaros do Céu finalmente tem a chance de prosperar. De não viver com medo. Uma Rainha para todos é o que queremos - a Rainha fala, seus olhos marejados. - Já foi assim antes, nós éramos apenas mais um clã, que respondia a Treze.
Ela leva as mãos à cabeça e tira sua coroa, pousando-a na mesa. Acredito em suas palavras. Posso ver a verdade, o anseio e a esperança ali. Seu gesto foi incrível. Mas ainda não posso confiar. Falta algo, uma garantia.
- Certo. Eu os aceito aqui, luto por vocês, farei do seu povo o meu, e darei a minha vida para protegê-los, assim como faria com qualquer um presente nesse acampamento - pronuncio as palavras.
- Mas Senhora... - Celeste começa.
Não se intrometa enquanto eu falo - berro em sua mente. Ela se encolhe.
- Mas...
- Sempre tem um mas - Sky contesta. O macho me encara com expectativa. Abro um sorriso felino para ele.
- Quero que faça o juramento de sangue para mim.