Dou alguns dias para os Pássaros do Céu se assentarem. Acomodamos suas montarias, e Misty os ajuda na distribuição pelo acampamento e a se misturarem. Celeste segue a todo vapor nos treinamentos, com a assistência pesada de Misty, que, embora trabalhe como diplomata aqui, coleta informações ao redor, ouvindo o que os ventos têm a dizer.
Depois de Lira, uma ansiedade constante recaiu sobre mim, e quero todas as minhas perto de mim, onde eu possa vê-las e protegê-las de tudo e todos. Jamais permitirei que o mesmo erro se repita.
Caminho para a barraca ao lado da minha para encontrar Gen e Merida sentadas tomando chá. Minha foguentinha perdeu o brilho, seu fogo interior, e é por isso que me auto responsabilizo por tudo relacionado a ela. E por andar tão quieta, é com Genevieve que mais se identifica.
Quando entro no ambiente, as duas se levantam e fazem uma reverência curta. Eu odeio isso. Por que não podemos separar a Rainha da Rowena? Dou um cumprimento de cabeça e me sento com elas.
- Oi Gen, oi Meme, como estão as minhas bruxinhas hoje? - estendo a mão em direção ao rosto sardento de Merida e prendo uma mecha de seu cabelo desgrenhado atrás da orelha.
Sua expressão clareia um pouquinho.
- Ela não quis arrumar o cabelo hoje - Gen comenta.
Ela está com um vestido branco, lilás e azul. Parecendo uma verdadeira princesa. Desvio meu olhar para o bichinho bagunçado à minha frente. Levanto uma sobrancelha.
- Ah é? - pergunto a menina.
Ela dá de ombros.
- Eu sou selvagem como o fogo. Sou o que sou - responde.
Agora é a vez de Gen soltar uma risadinha e apontar pra mim.
- Essa ela aprendeu com você.
- E ela aprende direitinho - respondo dando uma piscadinha para Meme. - Mas é uma pena, sabe? - olho para minha mão fingindo pesar.
Ela se sobressalta e logo pergunta:
- Por quê? Por que é uma pena? - ela se atrapalha com as palavras e quase perco a compostura.
- Ah, sabe? Achei que você gostaria de me ajudar com a Au...
- Claro! Claro que eu quero, quero MUITO - ela fecha as mãos à frente do corpo, os olhos brilhantes como sempre ficam quando a convido para me ajudar com Aurora.
- Mas não pode ir desgrenhada assim - digo a ela. - Você tomou banho?
Ela parece murchar e Gen ri mais uma vez.
- Desde quando Merida toma banho? - ela questiona em tom de provocação.
Me espanto com suas palavras. Eu nunca a vi falando dessa maneira. E sendo sincera? Eu amei. Quem sabe talvez as duas possam ser capazes de curar uma à outra? Tudo que quero é ver as duas felizes. É o que me importa.
Aponto para a cadeira ao meu lado.
- Sente-se aqui, vou arrumar o seu cabelo.
As duas se sobressaltam. E ninguém se mexe.
- O quê? - pergunto.
- Isso é inadequado, senhora - Genevieve fala.
- Inadequado? - questiono, e me recosto na cadeira. - Me diga, quem disse que isso é inadequado?
- Hã, bem, os costumes, a senhora é a Rainha.
- Sim, eu sou a rainha.
E aponto com o dedo para a cadeira à minha frente. Merida se levanta e senta ali sem dizer um pio. Alcanço uma escova de cabelo e começo a desembaraçar as madeixas.
- Uma rainha deve servir ao seu povo, Genevieve. E me diz, do que vale ser a rainha, sem amor, afeto ou amizade? O que seria de mim sem minhas amigas?
Puxo duas mechas da frente e começo a trançá-las. Prendo-as para trás e tranço o restante do cabelo, que agora chega até a cintura. Gen não disse mais nada. Merida também não, mas quando se vira para mim, me abraça com força.
- Obrigada - sussurra contra meu pescoço. - Eu te amo e acho você uma ótima amiga, e é melhor ainda como rainha.
Quase choro com suas palavras, que causam um nó em minha garganta e quase me arrancam lágrimas. Mas as contenho, envolvo seu corpo e a abraço na mesma medida.
- Vamos então? - ela se afasta e me coloco de pé. - Obrigada, Gen - dou uma olhada em sua direção. Ela tem feito tanto, me ajudando e dando suporte com Meme. Nossa humana protegida.
A guio para fora da barraca e vamos até a estrutura que montamos para abrigar Elanor e Aurora. Elanor começa a rosnar protetoramente ao ouvir uma aproximação, mas ao sentir meu cheiro, para imediatamente e vem nos receber. Longe da vista de todos, o cão do inferno é um bebê chorão. Ele se enrola em minhas pernas feito um gato, esfregando a cabeça em mim e quase me derrubando, já que está em sua forma pequena - na altura da minha cintura. Cães do inferno são metamorfos.
Agora, Elanor está parecendo um cão preto (dobermann), com pelos brilhosos e olhos infinitos. Foi uma surpresa quando o vi assim pela primeira vez. Mas, visto que não há perigo iminente, ou desde que subi novamente a barreira de fogo, ele não se transforma na besta que todos conhecemos.
Adentro o celeiro e Aurora não está à vista, então chamo:
- Cadê a bebê da mamãe?
Merida dá uma risada de deboche ao meu lado. Olho de esguelha para ela.
- O quê? – dou de ombros. – Ela é minha bebê mesmo.
Ela levanta as mãos para cima, o sorriso de divertimento nunca deixando sua expressão:
- Eu não falei nada.
Não tenho tempo de responder, pois meu bebê dragão dá um rasante em mim antes de pousar à minha frente.
- Ela cresceu - Meme comenta.
- Muito.
Em uma noite, Aurora praticamente duplicou de tamanho, e está da minha altura. Isso não pode ser um bom agouro, muito pelo contrário. Todos os pelos do meu braço ficam eriçados. Encaro seus olhos amarelos ouro, sua pupila dilata e volta a se fechar. Estendo a mão e ela se aninha contra ela, faço carinho entre suas orelhas, sentindo seu couro grosso contra minha pele. Imagino como seria se eu vestisse uma pele como essa. Eu ficaria invencível.
Passamos o dia ali com Aurora e Elanor. Hoje, dei a todos o direito de descanso, incluindo a mim, e não pensei em todas as dificuldades que temos pela frente. Ou a guerra que travamos. Nada. Hoje sou apenas uma moça, cuidando de uma menina, um bebê dragão e na companhia de um cão do inferno.