A voz semelhante a de Lorena, que descansa nos braços de Luan logo a nossa frente, sopra num sussurro exausto e eu confirmo enquanto tento ignorar o olhar de quem, depois de tanto fazer questão, vem atrás de nós puxando a minha mala.
Derick...
Eu tenho a leve impressão de que tudo que ele fez comigo, desde a hora que eu sai do carro na frente da igreja até agora, foi só para me irritar.
Desde o fato dele ficar me encarando, me marcando como se eu fosse sua propriedade, ao fato dele ficar se pondo na minha frente sempre que alguém vinha para me cumprimentar com um abraço. Algo doentio porque nem mesmo seus primos puderam me abraçar. Só nossos pais e nossa irmã.
- Cadê a chave, pai? - a voz rouca me pega de surpresa ao soar tão próxima e eu sofro uma espécie de espasmo que faz Sol dar uma leve gargalhada. - Tá devendo, Luara?
- Com certeza não é pra você. - devolvo a graça no ato e ele solta um riso irônico ao passar do meu lado roçando os dedos compridos na extensão do meu antebraço de uma forma que arrepia cada centímetro do meu corpo.
Ai!
- Está muito estressada, doutora... Se precisar de uma massagem, seu maninho mais novo está disponível até às dez.
Seu tom é irônico e me irrita porque me faz lembrar que antes dele ir embora à dez anos, ele usava e abusava da ironia para me provocar sempre que nossos pais estavam perto. Para não ficar tão evidente que todas as noites na casa dos Rodrigues ele frequentava o meu quarto só para dormir abraçado comigo e sair antes das cinco da manhã para não sermos pegos no flagra.
- No bolso esquerdo do blazer. - Luan responde baixo quando Derick o alcança segurando a minha mala e o seu capacete nas mãos. - E por que só até às dez? O que vai fazer depois?
Derick desliza a mão para o bolso em que Luan disse que estava a chave da casa e a puxa segundos depois de lá, a elevando no ar para mostrar que a achou e sorrindo enquanto me faz franzir as sobrancelhas ao notar que finge não ter ouvido a pergunta de Luan.
- Que horas Liz vai trazer o Matheus amanhã? - Derick pergunta ao avançar em direção a porta, a destrancando e cedendo espaço para que possamos passar ao seu lado com ele olhando todos os cantos aqui fora, como se estivesse procurando por algo que só ele sabe o que é. - Seu namorado, menor de idade, não vai vim ficar com você, Solange? - ele não deixa de alfinetar quando pergunta.
- Não. Apolo e os tios vão ir roubar um caminhão de drogas hoje. Ele nem sabe que a vovó faleceu porque está desde ontem pro interior de Rio Preto. Completamente off.
- Interessante... - ele parece satisfeito com a resposta da caçula e sorrir quando nosso pai passa ao seu lado, sendo seguido de perto por nós duas. - O que acha de pedir uma pizza? Eu pago.
- Uma de calabresa e outra hawaiana?
- Claro... Por que não?
Eu entro liberando Solange para que ela siga sozinha e paro a três passos da porta, cruzando meus braços e o encarando séria, ciente que está tramando algo porque age de forma muito suspeita e eu não sei se gosto disso.
- Algum problema, Luara?
A forma rouca e potente que a sua voz chega em mim, me faz estremecer arrepiada e toda a marra que juntei para o enfrentar pra saber porque pareceu mais interessado do que deveria no que o namorado da nossa irmã vai ou não fazer, vai com Deus e os doze discípulos quando o vejo fechar a porta e dar uma leve analisada no ambiente em que estamos antes de caminhar sério e cheio de postura na minha direção.
- Eu ainda tenho, mais ou menos, uma hora até precisar sair para resolver algumas questões do trabalho... - ele para na minha frente, a mão grande deslizando sobre a minha cintura. - A oferta da massagem ainda está de pé.
Eu ofego sem ter controle e ele sorrir irônico, mostrando os dentes perfeitamente alinhados e brancos quando aperta minha cintura com força, me deixando mole e irritada porque não acho força nenhuma para o afastar de mim. Eu somente espalmo as mãos no seu peitoral firme e calmo e o aliso de forma que não deveria porque a qualquer momento nosso pai ou nossa irmã pode descer as escadas e nos pegar assim, tão próximos.
- Sou muito bom no que faço, Luara.
Céus, eu me sinto mole como nunca estive antes quando ele se inclina sobre mim, aproximando o rosto coberto pela barba por fazer que me arrepia ainda mais intensamente quando o maldito roça os lábios no meu pescoço, que EU dou acesso ao inclinar a cabeça para trás.
- Diga que aceita a minha massagem e assim que eu voltar do que preciso sair para fazer, eu irei diretamente pro seu quarto... - a voz rouca, que eu tenho quase certeza que é o canto do mais delicioso dos pecados, sussurra rente a pele do meu pescoço arrepiado, me fazendo tremer ao subir para perto ao meu ouvido. - Farei questão de prolongar a massagem até o amanhecer e só irei parar quando tiver certeza que tirei toda a tensão dos seus músculos...
- Derick...
O infeliz sorrir quando chamo seu nome num gemido e eu gostaria de estapea-lo, porém, só fecho meus olhos e tiro mais uma casquinha do seu corpo tão em forma enquanto reuno forças para me afastar dele com a certeza de que não vou cair no seu papinho, por mais tentador que seja sua voz e seu corpo grande e forte tão perto de mim, me fazendo ver que nunca vou superar ele porque esse filho da mãe é insuperável e gostoso. O combo perfeito da perdição.
- O entregador disse que no máximo vinte minutos ele vinha entregar nossas pizzas, Dedeco! - Solange grita ao longe e eu abro meus olhos no susto, sentindo Derick beijar a curva do meu maxilar antes de se erguer fingindo que nada estava acontecendo. - Você ainda não levou a mala da Lua?
- Estava indo fazer isso agora mesmo. Me acompanha, Luara? - ele eleva a sobrancelha esquerda e eu analiso seu rosto másculo e suas mechas levemente compridas caídas na sua testa franzida com algumas linhas de expressões. - Continuo não gostando de entrar no seu quarto sem ser acompanhado por você.
- Ainda tem esse defeito? Que horror. - Solange rir, sua voz se aproximando e me tirando do transe que seu irmão sempre faz questão de me induzir toda vez que me toca. - O papai deu o cartão dele pra mim ir comprar sorvete Magnum pra mamãe. Algum de vocês se oferece pra ir comigo?
- Nós estamos cansados da viagem, pequena. Que tal você ir sozinha enquanto ficamos aqui esperando as pizzas?
Eu odeio o fato dele falar por nós dois, mas não me oponho porque realmente me sinto cansada. O dia de hoje foi exaustivo, tanto pelas emoções sentidas, quanto pela viagem que fiz de São Paulo até aqui.
- Vocês que sabem. Me empresta seu carro, Lua? - acabo sorrindo ao levar meus olhos pro claro dos dela, irônica, porque ela sabe que meu carro é parte minha e eu não me entregaria pra alguém tão imprudente como ela. - O quê? Não confia em mim?
- Não? - afirmo ao indagar e Derick solta um riso anasalado ao se afastar e seguir na direção dela oferecendo seu capacete e a chave da sua moto. Como se ela soubesse dirigir bem sobre duas rodas. - Derick, não!
Ele recolhe a mão quase que instantaneamente e a caçula me olha visivelmente ofendida.
- Tem um supermercado enorme aqui ao lado do condomínio, tenho certeza que daqui até lá você não gasta meia hora. Não tem necessidade de ir de moto e colocar a sua vida em perigo. - eu a alerto. - Não pense que eu não sei que reprovou na auto escola duas vezes e por esse motivo, desistiu.
- Eu não sei porque eu ainda te amo, Lua. Na moral, você é a maior estraga prazeres.
- Eu sou consciente porque você e Derick parece que não são. - ela bufa ao caminhar na minha direção, desviando para chegar na porta e sair batendo como se ainda fosse uma adolescente problemática.
- Quem disse que eu não sou consciente?
Eu ignoro o ser gostoso de voz mais gostosa ainda e me ponho a caminhar na direção das escadas, passando ao seu lado e subindo degrau por degrau como se nunca tivesse passado anos sem fazer isso porque tudo está exatamente onde estava na última vez que estive aqui e a sensação de familiaridade com o lugar me faz se sentir em casa. Mesmo que às vezes a minha mente me sabote com a idéia de que essa não é a minha casa, nunca foi pois eu sou uma intrusa, alguém que não merece estar aqui.
- Maurício e Kevin disseram que vão vim jantar e dormir aqui. - Luan me dá um leve susto ao aparecer na fresta criada por ele na porta do seu quarto, enrolado num robe branco que denuncia que ele vai tomar banho e com o olhar cansado oscilando entre mim e seu filho que me segue de perto. - Podem me ajudar com o jantar depois? Não quero acordar Lore pra isso.
- Eu posso fazer sozinha, pai. - a última palavra sai de forma esganada e eu sorrio para disfarçar minha frustração quando me olha piscando rápido, com os olhos cheios de lágrimas que ele não deixa cair. - Descansa um pouco com a mamãe. Vou só tomar banho e trocar essa roupa aqui, aí desço pra fazer a janta.
Ele confirma, saindo para me dá um beijo na testa e retornando a sua porta
- Gosto de ter vocês de volta. - ele sopra baixinho antes de sorrir e fechar a porta novamente, deixando eu e Derick a sós no corredor outra vez.
- Eu te ajudo. - Derick sussurra.
Não perco tempo perguntando em que ele me ajudaria porque tenho certeza que não seria em fazer a janta e volto a caminhar na direção do meu antigo quarto com ele ainda me seguindo de perto porque o seu é logo ao lado do meu. E parando pra analisar agora, isso é péssimo. Pra mim.
Derick vai querer entrar no meu quarto e eu não vou conseguir fazer ele parar se tentar me agarrar...
Ahh, meu pai do céu! Tenha misericórdia de mim e me salve do evidente ataque desse homem gostoso, por favor!