- Ela não quer ser encontrada, senhor. Fugiu para um país vasto como o Brasil, e os contatos de lá estão tendo dificuldade de rastreá-la após o sumiço de alguns capangas.
Giovanni apertou os punhos com força, os dedos quase cravando na madeira da mesa.
- Não é possível que eles sejam tão incompetentes! Ela não pode ir tão longe! Quero todos os meus homens em cada cidade daquele país. Ela não vai escapar.
Paolo assentiu, hesitante.
- Vou redobrar os esforços, senhor. Mas talvez seja melhor considerarmos outra abordagem... Alguém que esteja mais familiarizado com o território.
Giovanni o encarou, os olhos gelados.
- Está sugerindo que eu peça ajuda a alguém de fora da nossa organização? - Giovanni se levantou da cadeira, dando um passo em direção a Paolo de forma intimidante.
- Não, senhor. Mas talvez um aliado local, alguém que já esteja envolvido na situação e tenha interesses semelhantes. Podemos encontrar alguém com influência no Brasil.
Giovanni olhou pela janela, com os olhos fixos no horizonte de Milão.
- Se essa for a única opção para trazer Giulia de volta... faça o que for necessário. Embora eu já tenha contratado uma corja que não resolveu nada.
***
No dia seguinte, Giulia acordou com a cabeça latejando. Decidida a se sentir melhor, foi tomar um banho, lavando os cabelos com cuidado. Depois de se trocar e pentear os fios com delicadeza, desceu as escadas. Estranhou ao não encontrar ninguém na casa, e quando olhou para o relógio, viu que já eram quase oito da manhã.
- Será que estão dormindo? - murmurou para si mesma, sem imaginar o que estava acontecendo.
Nesse momento, um homem entrou pela porta, mascando algo que ela não conseguiu identificar. Ele sorriu cordialmente, tocando o chapéu em cumprimento.
- Dona, o patrão pediu pra eu vir ver se já estava acordada. Todo mundo já tomou café... a senhora vai ficar de barriga vazia desse jeito. - Ele disse, com um tom amigável e divertido.
Giulia ficou um pouco acanhada com o jeito bruto e descontraído do cowboy, apesar de ele ser educado. Tentou sorrir e agradeceu timidamente.
- Tá agradecendo pelo que, dona? Por ficar de barriga vazia? Aqui saco vazio não para em pé! - respondeu ele, rindo.
Ela piscou algumas vezes, confusa. Embora não fosse expert no português do Brasil, nunca havia tido tanta dificuldade para entender alguém.
- Bora, dona... bora encher a barriga! - insistiu Benedito, com a mesma descontração.
"Encher a barriga?" Giulia pensou, arregalando os olhos de repente. Ela recuou, olhando para Benedito com medo, achando que ele estava sugerindo algo indecente.
- É o que, dona? - Benedito parou, sem entender a reação dela. Tirou o chapéu e coçou os cabelos loiros, visivelmente confuso. - Não acredito que a senhora pensou que... Ah, não! Misericórdia. Minha Nossa Senhora Aparecida! Não é nada disso!
O pânico de Benedito cresceu ao perceber o mal-entendido.
"Meu Deus, o patrão vai me matar se eu não desfizer isso logo... a dona tá pensando que eu quero... dormir com ela!", ele pensou, desesperado.
- Olha, dona, eu até tive oportunidade de estudar, mas não fiz. Só sei falar assim mesmo - disse Benedito, tirando o chapéu de novo, visivelmente nervoso. - Mas pelo amor de Deus e Nossa Senhora Aparecida, não pense essas coisas de mim. Sou um homem ajuizado. Só tô dizendo pra me seguir até a área gourmet pra comer e encher a barriga, só isso.
Giulia finalmente entendeu o que ele queria dizer e soltou uma risada leve, aliviada. Sorrindo, ela o seguiu pela casa até a área gourmet. Quando entrou, notou que Carlos estava sentado à mesa, tomando café. Ele parou o que estava fazendo para observá-la, levantando o olhar da xícara.
Carlos sentiu um aperto no peito ao vê-la. Giulia parecia ainda mais linda naquela manhã, com os cabelos recém-lavados e o rosto com uma expressão suave. Ele baixou o olhar rapidamente, tentando disfarçar a confusão em sua mente. Engoliu em seco, sentindo-se estranhamente desconfortável. "Estou com quase quarenta e oito anos, e olhando para uma mulher jovem demais", ele pensou, rindo de si mesmo.
"Preciso sair pra descarregar essa tensão. Não sei o que está acontecendo comigo", pensou, enquanto bebia mais um gole de café e tentava desviar os pensamentos de Giulia.
Carlos observou Giulia se aproximar da mesa, e como um perfeito cavalheiro, levantou-se para servi-la. Pegou a cafeteira e encheu a xícara dela com café quente, em seguida colocou alguns pães frescos no prato que o cozinheiro havia preparado cedo naquela manhã. Ela sorriu agradecida e começou a comer, enquanto ele voltava a se sentar, os olhos curiosos e discretos.
- Então, senhorita Giulia - ele começou, tomando um gole de seu próprio café. - Gostaria de saber um pouco mais sobre você. De onde veio? O que a trouxe até aqui?
Giulia parou de mastigar por um momento, refletindo sobre como responder. Enquanto isso, Benedito, que estava em pé no canto da cozinha, terminando seu cafezinho antes de ir para a roça, observava a cena com os olhos arregalados.
Ele suspirou aliviado, lembrando do mal-entendido que quase causara. "Ainda bem que desfiz aquilo, senão o patrão ia acabar me matando", pensou ele. Ao ver o jeito de Carlos, notou algo diferente no patrão: "Será que ele tá afim da dona?"
Giulia finalmente olhou para Carlos, tentando manter a calma, mesmo sabendo que era hora de contar um pouco de sua história. Ela sabia que não poderia dizer tudo, mas precisava ser convincente.
- Eu... sou da Itália como havia dito - começou, com a voz um pouco hesitante. - Vim para o Brasil por questões pessoais. Precisava de um tempo para mim, sabe? Algumas coisas aconteceram... e só precisava de espaço para pensar.
Carlos a observava atentamente, percebendo que havia mais na história do que ela dizia. Contudo, decidiu não pressionar, pelo menos não ainda.
- Entendo - respondeu ele com um sorriso leve. - Às vezes, todos nós precisamos de um pouco de distância para pensar melhor. Bem, enquanto estiver aqui, sinta-se em casa. E se precisar de algo, como já disse antes, estou ao seu dispor.
Giulia assentiu, grata pela gentileza.