O som do tiro ainda ecoa na minha mente às vezes, mas não sinto remorso. Nunca senti. Foi ali que comecei a entender como o mundo funciona: ou você domina ou é dominado. E eu nasci para dominar.
Minha mãe não viu isso acontecer, é claro. Ela fugiu assim que pôde, me deixando com aquele homem monstruoso que me moldou à sua imagem e semelhança. Nunca a culpei por ir embora. Na verdade, se tivesse a chance, provavelmente faria o mesmo.
Quando minha mãe fugiu, meu pai começou a me chamar de Hades. Na época, achei que fosse só um insulto, uma forma de jogar em mim a frustração que ele sentia por ter sido abandonado. Mas, quando descobri o significado desse nome, percebi que não era uma ofensa - era uma profecia. Hades, o deus do submundo, governava um reino de sombras, temido e respeitado, decidindo o destino das almas. Eu gostei. Porque, no fundo, sempre soube que era exatamente isso que eu nasci para ser.
Cresci em meio ao caos, aprendendo que confiança é uma fraqueza e que misericórdia é uma palavra que só existe para os fracos. Não foi difícil me tornar o que sou hoje: maldoso, traiçoeiro e calculista. Eu controlo cartéis, faço milhões em negócios ilegais, e não há um canto desta cidade que não conheça o nome Hades.
Mas não é só pelo dinheiro que eu faço isso. É pelo poder. Pelo controle. A sensação de ter tudo e todos sob o meu domínio é o que realmente me alimenta. O deus Hades, da mitologia grega, cresceu em um mundo que não escolheu, relegado às sombras enquanto seus irmãos governavam os céus e os mares. Mas ele fez do submundo o seu reino, governando com autoridade, frieza e domínio absoluto. Eu fiz o mesmo e sou o Hades deste mundo, o Don da Della Notte.
As mulheres vêm e vão. Algumas imploram para ficar, mas eu nunca permito que passem de uma noite. Exceto por Tiffany. Ela é diferente. Não porque eu a ame - amar não é algo que eu faço. Mas porque ela entende as regras do jogo. Sabe o que esperar e o que não esperar de mim.
E então há dias como hoje, em que negócios exigem mais que palavras.
Um dos meus clientes, um idiota chamado Luís, acha que pode me enrolar. Há meses ele deve uma quantia absurda, e o tempo de esperar acabou. Um dos meus homens me informou que ele possui uma fazenda, e o que ele não sabe é que eu não faço acordos. Eu tomo o que é meu.
Chego à fazenda sob o som da chuva e o cheiro de terra molhada, chutando a porta com força suficiente para fazê-la ceder de imediato. Dentro, o ambiente é humilde, com móveis simples e uma decoração que parece parada no tempo. Luís está lá, cambaleando, com um copo na mão e o rosto marcado pelo cansaço.
- Hades... O que está fazendo aqui? - ele pergunta, a voz carregada de medo.
Eu rio. É quase patético.
- Luís, vim pegar o que é meu. - Dou um passo à frente, e ele recua.
A discussão começa. Ele tenta argumentar, inventar desculpas. Reviro o lugar inteiro enquanto ele implora. Nada aqui vale muito, mas é a terra que me interessa. O que está sobre ela.
No final, quando a paciência se esgota, a pistola já está na minha mão.
- Eu vim pegar o que é meu, desgraçado. - Sem hesitar, puxo o gatilho. O tiro é certeiro, e o corpo dele cai no chão, inerte.
É então que vejo algo que não tinha notado antes. Um movimento no canto da sala.
Uma garota.
Ela está acuada, com os olhos arregalados, o rosto pálido. É loira, magra, com olhos profundos que me encaram como se eu fosse a encarnação do diabo. Talvez eu seja. Há algo na inocência dela que me intriga. Que desperta as ideias mais perversas na minha mente.
- Ora, ora, o que temos aqui? - murmuro, me aproximando dela com passos lentos, como um predador que avalia sua presa. Minha mão desliza pelas costas de sua mandíbula, a pele dela tão quente quanto delicada.
Ela recua, tremendo como uma folha ao vento, e tenta afastar minha mão, mas sua força é quase inexistente. É patético, e ao mesmo tempo... intrigante.
- Para... por favor, para... - Sua voz quebra no meio do pedido, mal conseguindo formar palavras completas.
Um sorriso frio escapa dos meus lábios. Ignoro seus apelos como se fossem o zumbido distante de um inseto.
- Tudo que está nesta fazenda me pertence, Mia Béla - digo, minha voz baixa e letal. - E isso inclui você.
Não dou tempo para que ela reaja. Seguro seu rosto com firmeza, forçando-a a olhar para mim, e a beijo com uma brutalidade calculada. Sinto suas mãos fracas batendo contra meu peito em uma tentativa patética de resistência, mas é como se estivesse tentando derrubar uma muralha com um suspiro.
Quando finalmente me afasto, vejo o misto de ódio e terror em seus olhos. Isso deveria me incomodar, mas não. Na verdade, há algo perversamente satisfatório nessa reação. Algo que faz meu sangue correr mais rápido.
- Levem-na para o celeiro - ordeno, sem desviar o olhar dela. Minha voz ecoa como um trovão na sala. - Quero que fiquem de olho. Certifiquem-se de que não vá a lugar algum.
Ela grita, esperneia, mas é inútil. Meus homens a seguram pelos braços e a arrastam para fora da casa. Fico parado, observando-a até que sua figura desapareça na escuridão da noite. Há algo nessa garota que me intriga, algo que não consigo ignorar. Mas o quê?
"Merda", penso comigo mesmo, esfregando o queixo. Isso vai ser uma dor de cabeça monumental. Eu não sabia que aquele miserável do pai dela tinha uma filha, e agora essa responsabilidade caiu no meu colo. Uma garota magra, vulnerável, que não duraria dois dias em um dos meus bordéis.
Olho para a garrafa de whisky sobre a mesa e a pego, virando um gole generoso enquanto me permito alguns segundos para pensar.
O que fazer com ela?
Ela não parece ter utilidade prática. Não é forte, nem treinada. Uma mulher comum, frágil demais para o mundo em que eu vivo. Mas há algo nos olhos dela, uma chama que tenta resistir mesmo enquanto ela está apavorada. Isso... isso é interessante. E talvez perigoso.
Solto um longo suspiro e volto a encarar a noite lá fora. O vento uiva como um aviso, mas eu ignoro. Afinal, já tomei minha decisão. Essa garota pode ser um problema, mas problemas são o que eu sei resolver.