Assim que saio do avião, mais uma vez abalado por ela, meu celular toca e quando o pego, vejo que é Mikhail, meu primo.
Atendi em russo.
- Alguma alteração, Mikhail? – Ele sempre me mantém informado de tudo, uma ligação sua significava que algo aconteceu.
- Como está sua negociação aí no Brasil?
- Indo bem até agora.
- Os Romanov pegaram o Nikolai.
- O quê? Que porra aconteceu?
- Emboscada.
- Como caíram em uma emboscada?
- Fizeram direitinho, cara. – Ele se deteve. – É seguro?
- Claro que é seguro. Pode falar. Ninguém está por perto e nossos aparelhos são especiais, não tem erro.
- Ok! Chegou uma carga, tudo normal. Fomos notificados como sempre, seguimos todo o protocolo e quando chegamos no galpão para o transporte, os caras estavam lá. – Ele suspira. Não posso sair por um dia que já dá merda nessa porra!
- É só eu sair que dá merda, o que tem com vocês? – Me exalto com ele. Não posso amolecer, não é por ser meu primo que as coisas são mais fáceis.
- Já disse, foi tudo bem feito.
- Morreu muita gente.
- Os dois que entraram com Nikolai para a averiguação.
- Então só queriam capturar alguém de dentro?
- Não sabemos.
- Só pode ser, cacete. Se fosse retaliação teria tido troca de tiros, outros estariam feridos.
- Temos uma hipótese.
- Fala logo.
- Sabiam da sua ausência. Parece que esperavam o melhor momento.
- Dobrem a segurança do Papa. Avaliem todos, ninguém está fora de suspeita. Até os empregados, amigos próximos, cabeleireiros das mulheres, manicures... tudo. Exatamente todos que tem algum contato com alguém de dentro.
- Entendido.
- Resgatem Nikolai, custe o que custar. – Mikhail suspirou fundo.
- Já estamos movendo isso.
- Ótimo. Me mantenha informado... – Vejo Maia descer do avião. – Vou desligar.
Minha cabeça está cheia e ainda tenho que lidar com Maia. A mulher é linda, mas às vezes acho que deveria ficar sozinho. Contratar uma acompanhante de luxo para não transar com ela não está funcionando. Nem posso culpar a mulher, ela deve estar confusa. Devo uma explicação a ela, mas não estou com cabeça para isso.
Ao chegar no hotel de luxo, quando acho que as coisas não podem piorar, elas pioram. Maia se insinua para mim e quase me rendo, mas Olga morreu há dois meses, seria uma traição a sua memória. O ano de sofrimento, o silêncio que ela manteve até ser impossível esconder a doença, eu não posso jogar a memória da minha mulher no lixo. Ainda estou de luto.
Consigo me livrar da tentação de mulher, mas me vejo impossibilitado de não ter a tal conversa com ela.
Ela estava sentada a meu lado me encarando. Ao que parece eu tenho que ser o primeiro a falar.
- Não gosto de falar da minha vida pessoal, mas estou de luto. – A encaro para ver sua reação, ela não esboça qualquer emoção. Prossigo. – Minha esposa morreu de câncer de mama há dois meses, ela me acompanhava em minhas viagens antes de ficar doente e enquanto esteve adoentada não saí do lado dela, quem resolvia todas as questões dos negócios era meu primo. Meu braço direito. É a primeira vez que saio da Rússia sem minha esposa.
- Sinto muito. – Ela diz e dessa vez parece entender a profundidade do que eu sinto.
- Contratei você pois um homem de negócios deve sempre estar acompanhado, dá status, só por isso. Não quero nada, nem com você nem com ninguém. – Desvio meu olhar do dela. – Ainda não. Quero respeitar a memória dela, por enquanto.
- Entendo. Peço desculpas por meu comportamento, mas saiba que agi assim porque não sei ser outra coisa, não sei ser assistente. – Ela diz e joga o tronco para frente, apoiando seus cotovelos no joelho.
- Sabe ser amiga? – Pergunto.
Ela me olhou e sorriu.
- Sei.
- Preciso de uma amiga agora. Uma bela amiga que me acompanhe, que seja a assistente quando precisar, que respeite minha dor.
- Eu vou ser isso, só não me garanto quanto ser a assistente.
Ela ri mais descontraída, é bom para o clima tenso começar a ir embora.
- Você foi perfeita hoje, poderá ser perfeita novamente. E fiz isso porque vi como o Vargas te olhou, não quero que ninguém a olhe dessa forma.
- Estou acostumada com isso, Dmitry.
- Vamos deixar isso para lá. Vamos almoçar?
Ela concorda e saímos.
***
Na sala de reuniões, não foi muito diferente da que havia ocorrido no Rio de Janeiro. As pessoas eram outras, mas o assunto era o mesmo e para minha surpresa Maia já estava se situando no assunto, dava para ver como ela começava a entender o que era falado, e não apenas anotava tudo cegamente.
Como um bom sucessor do Papa, eu tenho meu próprio negócio aqui no Brasil e no mundo. Sou um produtor, tenho várias fazendas responsáveis por exportar diversos produtos pelo mundo, e aqui no Brasil meu negócio principal é no Sul onde eu sou o proprietário da maior fazenda do país. Como todo negócio dentro na nossa organização, aqueles que tratam diretamente dos negócios devem pertencer a ela. Sendo assim, a responsável pela fazenda enquanto estou fora é minha irmã, mesmo que ela queira distância da máfia, não há como se afastar completamente. Ela e seu marido, que é brasileiro e sabe dos nossos negócios, gerem a fazenda na minha ausência.
As reuniões no Rio e São Paulo são de fornecedores, investidores e compradores de nossos produtos. Não vejo a hora de tudo isso acabar para ir passar uns dias com minha irmã na fazenda. O inverno na Rússia é muito rigoroso, não chega nem perto do inverno nesse país, mas no Sul a temperatura é mais amena e agradável, e os dias de inverno até se parece com alguns dias no meu país.
- Senhor Zorkin, fico feliz por estar fechando mais este negócio com o senhor. – O homem diz ao estender sua mão para apertar a minha.
- O prazer é meu – respondo devolvendo o aperto.
O dia passa rápido entre viagens e reuniões, agora é voltar para o hotel e tentar descansar, já que na noite passada dormi em um sofá pequeno e acordei com o pescoço doendo. Mas a missão de relaxar com uma mulher como Maia ao lado, não será nada simples.