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Rotinas Paralelas
Simone
O som do despertador ecoa pelo quarto escuro. Sinto meu corpo implorar por mais alguns minutos de descanso, mas o dever me chama.
Com um suspiro pesado, estico o braço e desligo o alarme. Meu plantão no hospital começa cedo, e antes disso, preciso preparar Jamile para a escola.
Olho para o lado e vejo minha filha de quatro anos profundamente adormecida, suas pequenas mãozinhas segurando a borda do cobertor, como se aquele tecido a desse segurança. Tento não fazer barulho enquanto me levanto, mas o velho piso de madeira range sob meus pés.
- Mamãe... - Jamile murmura sonolenta, virando-se na cama.
Sorrio. Todos os dias é uma batalha para tirá-la da cama, e hoje não será diferente.
- Bom dia, meu amor. Hora de acordar. E a cubro de beijos e cócegas até que a sinto desperta.
–Chega mamãe já acordei!
Ela resmunga, enterrando o rosto no travesseiro. Reviro os olhos e começo nossa rotina matinal: banho, uniforme, café da manhã.
Entre colheradas de cereal e tentativas de pentear seus cachos rebeldes, finalmente conseguimos sair de casa.
O ar da manhã está fresco quando a coloco no carro e dirijo até a escola. O trânsito ainda flui bem, mas logo a cidade estará congestionada como sempre.
- Você vem me buscar hoje? - Jamile pergunta, seus olhos grandes me observando pelo retrovisor.
Sinto um aperto no peito.
- Vou tentar, meu bem, mas se a mamãe se atrasar, a tia Júlia te pega, tá?
Ela assente devagar, já acostumada com minha rotina imprevisível. Meu coração aperta ao vê-la acenar enquanto entra na escola.
Quero estar mais presente, mas salvar vidas no hospital significa que às vezes preciso sacrificar momentos como esse.
Respiro fundo e sigo para o hospital.
Julia é minha salvação, ela cuida da minha casa e é como uma segunda mãe para Jamile, quando me divorciei do pai da Jamily ela me acompanhou.
Foi minha amiga nos momentos mais difíceis da minha vida. Uma irmã de coração
Enrique
O barulho dos passarinhos no quintal me acorda antes mesmo do alarme tocar.
Velhos hábitos. Meu corpo ainda segue a disciplina militar, mesmo depois de anos longe do campo de batalha.
Saio da cama e vou direto para meu treino matinal no quintal. O ar gelado da manhã ajuda a manter minha mente alerta enquanto faço uma sequência de flexões e corrida leve.
Quando termino, sinto o suor escorrer pela testa, mas minha mente está mais focada.
Após um banho rápido, sento na mesa da cozinha e reviso minha lista de suprimentos.
O estoque de comida está em ordem, a reserva de água também. Preciso verificar os geradores no fim de semana.
Antes de sair, pego o jornal que foi jogado na minha varanda. Dou uma olhada rápida nas manchetes: "Apagões repentinos preocupam especialistas em tecnologia."
Levanto a sobrancelha. Isso não é normal. Falhas elétricas acontecem, mas ultimamente tem sido frequentes demais. Algo está estranho.
Fecho a porta de casa e, ao olhar para o lado, vejo minha vizinha sair apressada.
A médica. Já a vi algumas vezes, sempre correndo para o carro, sempre com uma expressão cansada.
Ela parece distraída ao abrir a porta do carro, e a pequena ao seu lado puxa sua bolsa, falando animadamente.
- Bom dia.
Ela levanta o olhar surpresa e me encara por um segundo antes de retribuir o cumprimento.
- Ah, oi. Bom dia.
Vejo que está apressada, então apenas aceno e sigo meu caminho. Mas algo me diz que nossas interações não vão se limitar a simples cumprimentos por muito tempo.
Simone
O hospital já está um caos quando chego. O som dos monitores, os passos apressados dos enfermeiros e as vozes sobrepondo-se criam a melodia caótica do setor de trauma.
- Temos um politraumatizado chegando em três minutos! - avisa uma enfermeira.
Rapidamente visto meu jaleco, prendo o cabelo e me preparo para mais um dia de correria.
O paciente chega: Um motociclista que foi atingido por um carro.
Fraturas expostas, possível hemorragia interna. Não há tempo a perder.
- Preciso de uma tomografia agora! E alguém chama a ortopedia!
Minha mente trabalha no automático enquanto analiso os ferimentos.
Meu coração acelera, mas minhas mãos estão firmes. O trabalho no trauma não permite hesitação.
- Pressão caindo! - avisa um residente.
Droga. Meu estômago se revira, mas meu tom de voz permanece firme.
- Comecem fluidos. Se não estabilizarmos, ele não chega à cirurgia.
O tempo parece se arrastar enquanto lutamos para estabilizar o paciente.
O suor escorre pela minha nuca, mas finalmente conseguimos controlar a hemorragia. Ele segue para a cirurgia com alguma chance de sobreviver.
- Bom trabalho, pessoal - digo, soltando um suspiro pesado.
Mal tenho tempo de respirar antes que outra emergência chegue. É assim o dia todo.
No fim do expediente, estou exausta. Mal posso esperar para chegar em casa, tomar um banho e abraçar Jamile.
Enrique
Já anoiteceu quando volto para casa. Minha mente ainda está presa na notícia sobre os apagões.
Decido verificar alguns fóruns de sobrevivencialistas para ver se alguém mais notou algo estranho.
Enquanto isso, observo a casa da médica. A luz da sala está acesa, e vejo sua silhueta se movendo pela cozinha.
Ela parece... desgastada.
Uma mãe solo, médica do setor de trauma, vivendo nesse mundo caótico.
Se esses apagões forem apenas o começo de algo maior, ela e a filha vão precisar estar preparadas.
E talvez, sem saber, eu tenha acabado de ganhar uma razão para me envolver mais do que deveria.