Capítulo 5 De Volta à Realidade

De Volta à Realidade

Simone

As luzes do hospital ainda estão instáveis, piscando como se Uma Nova Vida no Caos

Simone

A sala de cirurgia improvisada está iluminada apenas por lanternas, mas o calor da tensão é palpável.

Enrique ainda está ao meu lado, com as mãos firmes na maca da paciente, mas seus olhos estão em mim, observando cada movimento meu.

Eu não tenho tempo para nada além de agir. A mulher está sangrando em uma taxa alarmante, o monitor cardíaco não para de emitir bipes constantes. Ela está se despedindo da vida, e eu, apesar de todas as minhas tentativas, não consigo impedir.

- Não pare, Simone. Você vai conseguir. - Enrique diz com uma calma que beira a inquietude, suas palavras uma âncora que me mantém focada.

Mas a verdade é que eu não consigo e eu me sinto impotente, sei que o fôlego de vida está se esgotando

Meu coração se aperta ao perceber que os sinais vitais da mulher estão desaparecendo. O silêncio da sala me sufoca. O que fizemos até agora não foi suficiente.

Ela perde a consciência, e não consigo evitar o suspiro de frustração. Eu já vi isso acontecer muitas vezes, mas quando é com uma mãe... Eu não consigo aceitar.

- Eu... eu não posso - murmuro, quase sem fôlego.

Enrique inclina a cabeça, como se tivesse lido minha mente.

- Você salvou tantas vidas antes. Não desista agora.

Eu respiro fundo, tentando controlar a raiva e a dor que invadem meu peito. A paciente não resistiu.

Mas não posso me dar ao luxo de ficar parada. Não agora. Não com o bebê.

Olho para a maca dela e, no momento em que me preparo para fechar os olhos e encarar a derrota, algo se move.

O bebê.

O pequeno corpo ainda está lá, se mexendo ligeiramente, mas tão frágil.

Eu rapidamente me agacho e começo a trabalhar com uma precisão que nem eu sabia que tinha, conectando o monitor fetal, tentando identificar o estado do pequeno.

Enrique está ao meu lado, em silêncio, mas sinto a tensão nele. Ele me observa com um cuidado que não entendo bem. Ele não me interrompe. Ele espera.

- Preciso de ajuda para estabilizá-lo - digo, minha voz rouca de cansaço.

Ele se aproxima e, sem hesitar, coloca as mãos delicadamente sobre o bebê, como se fosse algo precioso demais para ser manuseado com qualquer tipo de força.

Eu ignoro o fato de que o bebê é extremamente prematuro. Ele está em uma incubadora. Não podemos esperar por muito tempo.

- Enrique, você vai ter que dar o primeiro passo até a incubadora. Eu vou precisar de você para estabilizar as funções vitais. Se ele sobreviver a isso, terá uma chance.

Ele não hesita.

- Pode contar comigo, Simone.

Mas eu vejo algo mais nos olhos dele agora. Medo.

Ele não fala, mas é como se estivesse me perguntando, sem palavras, se ele consegue ser o suporte necessário para esse bebê, como se fosse mais do que só uma questão médica.

Eu dou ordens rápidas à equipe e eles começam a preparar tudo para a transferência para a incubadora. O tempo é uma questão de vida ou morte. Cada segundo é crucial.

O bebê está tão pequeno, seu corpo bem abaixo do peso, porém ele luta pela vida. Minhas mãos tremem, mas faço o que é necessário para ajudá-lo a vencer essa batalha.

Enrique está ao meu lado, segurando a incubadora com tanto cuidado que poderia ser um ato de carinho. Mas eu sei que é muito mais do que isso.

Eu estou exausta. Minha mente está atordoada, meus dedos queimam de tanto esforço, mas quando vejo o bebê sendo colocado na incubadora, há um raio de esperança, e eu percebo que não posso falhar agora.

Enrique olha para o bebê com uma intensidade que me pega de surpresa. Seu rosto está tenso, mas também há algo mais ali, algo que me deixa inquieta.

Ele não se afasta da incubadora, e eu posso ver a dor em seu rosto. Não é uma dor de impotência, mas uma dor do tipo que quem já perdeu muito e sabe o que é.

- Ele vai sobreviver - digo, com mais confiança do que realmente sinto.

Ele me encara, e seus olhos brilham com uma emoção que ele não tenta esconder. Não é só gratidão ou alívio. É algo mais profundo.

Enrique segura minha mão com firmeza.

- Não sei como agradecer. Você fez isso. Não foi só a medicina, Simone. Foi você.

Eu me viro rapidamente. Não posso lidar com isso agora. Não depois de ter perdido a mãe. Não depois de ver a dor da perda estampada naquelas feições.

Enrique sente isso.

- Eu não estou pedindo para você me agradecer, Enrique. Esse bebê tem uma chance agora. Essa é a minha missão. Eu... eu vou cuidar dele. Ele vai sobreviver.

Ele assente, e quando vejo a firmeza em seus olhos, algo se acende dentro de mim.

Ele não está apenas agradecendo. Ele está olhando para mim como se me visse de forma diferente. Como se tivesse encontrado algo que ele também precisasse.

Eu não posso me permitir pensar nisso agora. Mas, no fundo, sei que algo mudou entre nós.

Algo muito maior do que esse caos.

Eu apenas olho para o bebê na incubadora, esperando que ele tenha a chance que sua mãe não teve.

lutar contra o caos que parece nunca acabar.

O dia não está melhor. O calor da tensão que se instalou não desapareceu, e eu sinto meu corpo cada vez mais pesado. Mas o bebê está vivo. E isso é tudo que importa agora.

Eu vejo Enrique parado, quase em um estado de vigília. Ele não sai da sala, não fala muito, mas está ali, observando cada movimento que fazemos.

Eu já o vi com uma expressão séria antes, mas hoje, seus olhos estão carregados de algo mais profundo.

Ele não precisa dizer nada para eu saber o que ele está sentindo. Ele está marcado por algo que não consigo definir.

- Vamos levá-lo para o berçário, Simone - diz uma enfermeira, interrompendo meus pensamentos.

Eu assenti rapidamente ao lado da incubadora, verificando as condições do bebê mais uma vez.

Ele está respirando, seus pulmões fracos, mas fortes o suficiente para lutar.

A equipe médica foi impecável no atendimento inicial, mas agora o futuro dele está nas minhas mãos e nas mãos da equipe de cuidados neonatais.

Enrique se aproxima silenciosamente, sua expressão ainda tensa, mas sem fazer nenhum movimento para me interromper.

Eu sei que ele está preso em seus próprios demônios, e isso não me surpreende. Ele parece ter a capacidade de se envolver em algo mais do que uma simples situação médica, algo que vai além de sua experiência militar, e ele não sabe como lidar, seu olhar está vazio.

- Ele vai sobreviver, Enrique - digo com firmeza, tentando afastar a neblina de incerteza que paira sobre ele.

Ele apenas balança a cabeça, seus olhos fixos na incubadora. Eu não consigo ler o que está por trás daquele olhar, mas sei que ele se preocupa. De alguma forma, ele já sente que aquele bebê é um motivo a mais para se manter no hospital.

- Vou ficar com ele, pelo menos até a família chegar - ele diz, e sua voz é suave, quase como se ele tivesse decidido algo em sua mente.

Eu faço um sinal para a enfermeira, que começa a preparar o transporte até o berçário. Enrique ainda está ali, seus passos incertos, mas ao mesmo tempo decididos.

Ele está comigo, e isso é o que importa. Não podemos perder mais tempo.

Levar o bebê até o berçário parece quase uma missão. Cada passo que damos parece mais pesado, mais arrastado.

O hospital ainda está em modo de emergência, com salas de espera lotadas, médicos correndo de um lado para o outro e pacientes sendo trazidos pela ambulância a cada minuto. O caos é agora a minha rotina.

Mas a visão do berçário traz uma sensação de segurança. O espaço, embora simples, é um refúgio no meio dessa agitação.

As incubadoras estão alinhadas, algumas com bebês mais robustos, outras com recém-nascidos tão pequenos que, se não fossem as máquinas de apoio, seriam impossíveis de se manter.

Eu faço uma rápida verificação no bebê. Ele ainda está muito frágil, seus batimentos cardíacos irregulares, mas a respiração dele está mais forte.

- Ele está em boas mãos agora - digo, mais para mim mesma do que para Enrique.

Ele se aproxima de mim, mas não fala. Seu olhar se fixa no bebê, e por um momento, algo em mim percebe que ele se importa mais do que deveria.

Como alguém que viu tanta dor, deveria ser assim? Sinto uma imensa sensibilidade em Enrique nesse momento.

Mas não é só isso. Há uma suavidade em seu olhar, um tipo de compreensão que eu não esperava encontrar em alguém como ele.

Não posso negar. Enrique está tocando algo em mim que eu não estou preparada para explorar.

Mas o hospital ainda está em caos. Não posso me dar ao luxo de pensar sobre isso. Não agora.

Eu sei que a luta para salvar vidas não terminou. Eu ainda tenho muito trabalho pela frente.

- Preciso ir - digo, olhando para o bebê mais uma vez. - A equipe de neonatologia vai cuidar dele. Eu vou voltar em breve.

Eu me viro, mas Enrique não se move. Ele ainda está ali, seus olhos fixos no bebê. Ele não quer ir.

- Eu vou ficar com ele - Enrique diz, mais firme do que antes.

Eu não sabia que ele era tão determinado. Parece que, de alguma forma, ele encontrou um propósito, ou talvez uma razão para estar ali.

Como se aquele bebê fosse mais do que uma vida prematura. Era como se ele estivesse encontrando algo nele, algo que o chamava.

Eu hesito por um segundo, não sei por que, mas não quero deixar o bebê sozinho.

- Você tem certeza?

Ele olha para mim, e há algo em seus olhos que me faz sentir como se ele estivesse falando de algo mais do que cuidar de uma criança prematura.

- Sim, eu vou ficar com ele, Simone. Confie em mim.

Eu assinto, ainda com o coração apertado. Eu volto ao hospital, mas algo dentro de mim não se afasta.

Como se aquela conexão que criamos com aquele bebê também tivesse criado algo entre nós. Algo que nem eu sei como explicar.

Eu respiro fundo, tentando afastar os sentimentos que estão crescendo a cada passo que dou. Eu sei que não é o momento para isso. Mas algo me diz que tudo está começando a mudar.

                         

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