Capítulo 2 Entre a Vida e o Caos

Entre a Vida e o Caos

Enrique

O céu já escureceu, mas eu ainda estou sentado na varanda, observando a rua silenciosa.

O vento balança os galhos das árvores, e o som distante de um motor quebra o silêncio da noite. Minha mente deveria estar focada nos sinais de que algo grande está para acontecer, mas um pensamento insiste em voltar.

Simone.

Desde que trocamos aquele breve cumprimento de manhã, não consegui tirá-la da cabeça. Não é só porque é bonita – e ela é.

Mas há algo mais. Um peso nos ombros dela que reconheço muito bem. O peso de alguém que carrega o mundo sozinho.

A luz da sala dela ainda está acesa. Através da cortina entreaberta, vejo sua silhueta. Parece exausta, os ombros tensos enquanto massageia a própria nuca.

Minha mandíbula se contrai. Ela não deveria ter que enfrentar isso sozinha.

Ouço um barulho vindo da cozinha e percebo que estou apertando o copo de água nas mãos com força demais.

Droga. O que estou fazendo? Ela é só minha vizinha. Uma mulher que mal conheço. Mas... alguma coisa em mim insiste que preciso ficar de olho nela e naquela garotinha.

Engulo o resto da água e me levanto. Isso não significa nada. Apenas precaução.

Mas uma voz no fundo da minha mente sussurra o contrário.

Simone

O cansaço pesa nos meus ossos enquanto fecho a porta de casa.

O cheiro do jantar preparado por Júlia ainda preenche o ar, e Jamile dorme profundamente no sofá, agarrada ao seu bichinho de pelúcia.

Meu coração se aquece por um segundo.

Amo minha filha mais do que tudo, mas há noites em que me pergunto quanto tempo mais consigo segurar tudo isso sozinha.

Mesmo com toda ajuda que Júlia me dá eu vivo em uma roda viva, e as vezes sinto falta de amparo e proteção principalmente em relação a Jamile

Vou até a cozinha e pego um copo d'água. Quando olho pela janela, vejo uma sombra se movendo na varanda ao lado. Enrique.

Ele está sentado, olhando para a rua, como se estivesse em alerta. Há algo nele que sempre me intrigou.

Sua presença firme, sua forma de se movimentar... como se estivesse sempre pronto para agir.

Ele parece sentir meu olhar e, por um instante, nossos olhos se encontram na penumbra. Sinto um frio inesperado percorrer minha espinha.

Rápido demais, viro o rosto e levo o copo aos lábios, tentando ignorar o estranho calor que se espalha pelo meu peito.

Isso é besteira. Tenho preocupações muito maiores do que um vizinho misterioso.

Enrique

O hospital está um caos. Cheguei aqui para visitar um velho amigo, um dos paramédicos que trabalha com os bombeiros, mas a recepção está cheia de pacientes nervosos e médicos correndo para todos os lados.

Sinto um mau presságio no ar.

Caminho pelos corredores e vejo Simone. Ela se move como uma tempestade contida, o rosto tenso, mas as mãos firmes.

Mesmo no meio do caos, há algo nela que transmite controle.

Ela para por um segundo para ler um prontuário e percebo o jeito que morde levemente o lábio inferior, perdida nos próprios pensamentos.

Maldito seja meu instinto de observação. Isso não significa nada.

Mas então, as luzes piscam.

Primeiro por um segundo. Depois outro. E, de repente, tudo mergulha na escuridão.

O hospital inteiro perde energia.

Ouço gritos, alarmes disparando, e o coração dispara no peito.

Droga. Isso não é um apagão comum.

Simone

Meu sangue gela quando os monitores desligam e os alarmes começam a disparar.

- Gerador! O gerador precisa ligar agora! - grito, minha voz cortando o pânico ao redor.

Mas nada acontece.

Meu Deus.

- Os aparelhos dos pacientes críticos pararam em minutos! - alguém grita.

Meus pés já estão em movimento antes que minha mente possa processar o que está acontecendo.

- Precisamos de ventilação manual na UTI, agora!

Corro pelos corredores mergulhados na penumbra, sentindo o coração martelar no peito.

Isso não é um apagão normal. A energia deveria ter sido restabelecida pelos geradores.

Alguém fez isso.

As enfermeiras já estão bombeando oxigênio manualmente nos pacientes.

Me aproximo de um deles, um idoso entubado, e assumo o revezamento.

O hospital está desmoronando em caos e, no meio disso tudo, sinto um olhar sobre mim.

Levanto a cabeça e vejo Enrique.

Ele está ali, parado na entrada da UTI, olhando diretamente para mim.

Seu olhar não é de confusão. É de alguém que entende exatamente o que está acontecendo.

Nos encaramos por um segundo, e algo dentro de mim se contrai.

- Doutora! Precisamos de você na emergência!

Minha atenção é puxada de volta para a crise. Mas mesmo enquanto corro para salvar vidas, o olhar de Enrique continua queimando em minha mente.

Enrique

Isso não foi coincidência.

O apagão, a falha dos geradores, a pane nos sistemas. Alguém fez isso intencionalmente.

Meu peito aperta enquanto vejo Simone lutando para manter o hospital funcionando. Ela está no meio disso, e isso me incomoda mais do que deveria.

Não posso ignorar os sinais.

E, definitivamente, não posso ignorar o fato de que, quando tudo começou a desmoronar, meu primeiro pensamento foi nela.

            
            

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