Capítulo 2 Sete Meses Depois

Sete meses. Pareciam anos quando Luna observava seu reflexo nas enormes janelas de vidro do novo apartamento em Miami. A cobertura ocupava todo o último andar de um edifício de frente para a Baía de Biscayne. Era como viver no topo do mundo, e para Luna, era exatamente isso que aquilo representava: ela havia vencido.

O sol da manhã invadia o ambiente com fúria dourada, derramando luz sobre o piso de madeira nobre, sobre os móveis minimalistas de tons claros e sobre seus pés descalços. A cidade acordava lá fora com seu som característico de motores luxuosos e sirenes distantes, mas ali dentro, reinava uma paz quase cortante.

Luna segurava uma caneca de cerâmica artesanal com café colombiano recém-passado. Vestia um robe de linho branco que deslizava sobre sua pele como seda líquida. Os cabelos estavam soltos, levemente ondulados, caindo sobre os ombros com uma naturalidade que beirava o desdém. Sua postura era serena, mas seus olhos - intensos e focados - denunciavam uma mente em constante atividade.

O nome Camargo ficara para trás como um quadro velho esquecido num sótão empoeirado.

Agora, ela era Luna Zavarelli. Um nome que carregava uma história nova. Uma história feita de aço, cifras, e segredos.

Enrico Zavarelli havia entrado em sua vida como um furacão - implacável, envolvente, perigoso. Dono de uma mente brilhante, ele não via nela apenas a mulher ferida pela rejeição, mas uma potência adormecida. Enrico a havia treinado como se treinam sucessores - ensinando-a sobre investimentos internacionais, fusões, aquisições, manipulações silenciosas de mercado. Ele não apenas a amou, ele a moldou. E quando partiu - da forma mais Enrico possível: abruptamente, deixando um dossiê, uma carta e o controle majoritário de seu império financeiro - Luna não chorou. Ela assumiu.

A Zavarelli Group era hoje uma sombra poderosa que pairava sobre os bastidores do mercado global. Bancos a temiam. Concorrentes tentavam entender sua estrutura. Mas ninguém conseguia tocá-la. Luna comandava com frieza e precisão. Onde outros hesitavam, ela atacava.

Muitos ainda a subestimavam por sua beleza - isso a divertia. Deixava que pensassem que era apenas mais uma socialite de passado glamoroso, enquanto ela puxava os fios invisíveis que movimentavam milhões - às vezes bilhões - de dólares.

Jonas, seu assessor direto e um dos poucos que conquistaram sua confiança absoluta, surgiu na sala de estar carregando uma pasta preta de couro. Alto, elegante, e sempre sério, ele hesitava em interromper a tranquilidade da manhã de Luna.

- Temos uma proposta vinda do Brasil - ele disse, parando a uma distância respeitosa.

Luna ergueu uma sobrancelha, ainda olhando para o horizonte de prédios banhados pelo sol.

- O Brasil raramente traz boas notícias - murmurou, dando um gole no café.

- Um consórcio de tecnologia está expandindo para os Estados Unidos e quer você como consultora especial.

Ela permaneceu em silêncio, balançando levemente a caneca na mão.

- E por que eu deveria considerar isso?

Jonas pigarreou. O tom de voz dele mudou.

- Um dos nomes envolvidos... é Bruno Rocha.

O nome caiu como um copo de cristal estilhaçando-se em câmera lenta no chão da memória.

Luna abaixou a caneca devagar. O café ainda fumegava, mas sua mão estava firme como gelo. O rosto continuava inexpressivo, mas seus olhos, antes calmos, endureceram como vidro sob pressão. Ela não pronunciou o nome dele há meses. Evitava notícias, redes sociais, qualquer coisa que pudesse trazer vestígios do homem que a descartou como se fosse descartável.

- Bruno está liderando o grupo?

- Não exatamente. Mas é um dos sócios-fundadores e figura influente na decisão estratégica do consórcio. Eles precisam de alguém com sua expertise para atrair investidores americanos e solidificar a presença no Vale do Silício. O nome Zavarelli, segundo eles, abriria portas que estão tentando forçar há anos.

Luna caminhou lentamente até a bancada da cozinha, onde repousava um tablet. Com um deslizar de dedos, acessou os relatórios do dia. Seus olhos percorriam os gráficos com eficiência clínica, mas sua mente já estava a mil por hora.

Bruno.

Será que ele sabia que ela era a CEO por trás da Zavarelli Group? Ou estava prestes a descobrir?

- Eles sabem que sou a CEO? - perguntou.

- Creio que não. O pedido foi direcionado à sua empresa de consultoria pessoal. Fizeram contato através de intermediários, achando que se tratava apenas de um serviço de imagem e estratégia.

Luna sorriu de leve.

- Típico. Subestimam até quando pedem ajuda.

Fechou o tablet com um toque seco e voltou a encarar a paisagem.

- Agende a reunião.

- Quer que eu informe seu nome real ou...?

Ela o interrompeu com um gesto.

- Não. Quero que seja surpresa.

Jonas assentiu, respeitoso, mas com um brilho quase cúmplice nos olhos.

Luna virou-se, caminhando em direção ao closet. Lá, entre vestidos de alta costura e ternos sob medida, estava a versão mais letal de si mesma. Uma mulher que não tinha mais tempo para mágoas, mas que nunca esquecia quem a ensinou a sangrar.

Bruno Rocha queria uma consultora?

Ele teria a mulher que ele dispensou. Só que agora, ela não era mais um troféu em prateleira alheia.

Ela era a prateleira.

E se ele quisesse sentar à mesa, teria que aceitar que o jogo, agora, era jogado com as cartas dela.

            
            

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