Capítulo 4 Faltas de respeito

Kerem saiu do quarto com a testa franzida. Dirigiu-se à entrada da casa para receber seus pais, imaginando que a amiga de Zeynep os acompanharia.

Sabia que seus pais e irmãos já teriam se encarregado de "deixar as coisas claras" para a norte-americana.

Em seu interior, um rancor surdo crescia contra as pessoas dessa nacionalidade. Sua amargura se originava em um deles, uma lembrança que jamais esqueceria.

Cinco anos atrás, o haviam deixado plantado no altar, transformando-o na piada da vila. Desde então, havia procurado afanosamente por vários países os culpados de sua humilhação.

Sua mente se encheu de imagens do passado: a alegria dos preparativos, a ilusão do dia do casamento, a crueldade do abandono. Um punho de raiva se fechou em seu peito, endurecendo seu coração.

Desde aquele fatídico dia, Kerem havia se transformado em um homem ressentido, amargurado.

Uma sombra de rancor tingia cada um de seus atos, afastando qualquer mulher que tentasse se aproximar.

Sua agora esposa, Zeynep, era uma mulher de beleza incomparável, pertencente ao seu mesmo clã. No entanto, o destino os havia unido de forma cruel e inesperada. Ela não era a mulher que ele havia desejado, nem ele o homem que ela havia escolhido.

Cinco anos atrás, um par de meses antes do casamento de Kerem, seu irmão mais velho havia morrido em um terrível acidente.

Zeynep era sua prometida, e a tradição ditava que, ao não ter se consumado o matrimônio, o compromisso passaria ao próximo irmão solteiro: Kerem.

No quarto, ao abrir o armário, Zeynep se deparou com um mar de tecidos que a desafiava. Vestidos longos de mangas compridas, saias e blusas recatadas, tudo em cores sóbrias e tradicionais.

Um conjunto de meias para cobrir seus tornozelos, ocultando a pele que a tradição exigia manter velada.

Lenços para cobrir seu cabelo completavam o conjunto, um lembrete constante da cultura que agora a envolvia. Um calafrio de rebeldia percorreu seu corpo.

- Estão loucos se pensam que vou me vestir com isso - murmurou com voz trêmula.

As peças não eram feias, de fato, algumas até lhe pareceram bonitas. Sua tia, responsável pela seleção, havia tido bom gosto. Mas não era seu estilo, não era sua forma de ser. E não estava disposta a renunciar à sua identidade tão facilmente.

Felizmente, haviam trazido sua bagagem. Em sua mala, tinha roupas que refletiam sua personalidade: jeans, camisetas, vestidos modernos. Não estava disposta a ceder às imposições sem lutar.

Decidida, Zeynep começou a procurar em sua mala, buscando as peças que a fariam sentir-se ela mesma.

Pegou uns jeans e uma camiseta, calçou uns tênis e penteou seu cabelo em um rabo de cavalo alto, olhou-se no espelho e se sentiu satisfeita, assim era ela, e não tinha por que ser de maneira diferente.

Decidiu descer para comer, tinha que tentar manter a paz com aquela gente o máximo que pudesse.

Ao descer, percebeu que Sarah estava na sala de jantar com seus tios, as duas garotas ao se verem se apressaram a se abraçar, algo que foi mal visto.

Zeynep antes de tudo tinha que mostrar respeito por seus sogros, Kerem se levantou, parecia irritado, Sarah imediatamente se afastou de sua amiga.

De má vontade, Zeynep se aproximou para apresentar seus respeitos, pôde ver a irritação refletida no rosto de sua tia.

- Vejo que não gostou da roupa que escolhi para você, filha - disse tentando parecer aflita, mas seus olhos refletiam a fúria que a envolvia.

- Agradeço muito a intenção, mas não é meu estilo.

A mulher virou-se para ver seu filho, ele pegou a garota pelo braço e de mau jeito a levou dali.

- Ei, o que há com você, está me machucando. - Zeynep esperou estar longe de seus tios para poder reclamar.

- Foi uma grosseria, uma total falta de respeito para com minha mãe, se quer que sua amiga esteja aqui com você, vá agora mesmo e vista um desses vestidos, também deve usar o lenço.

- Você é a pior pessoa que conheci em minha vida.

Kerem a olhou fixamente, enquanto apertava os punhos, tinha muitos problemas para resolver na tribo, e agora também teria que lidar com essa rebelde.

Zeynep se virou com decisão, subiu as escadas com passo firme, dirigindo-se ao quarto onde a roupa a esperava.

Entre as peças, selecionou um vestido verde esmeralda com flores em cor bege. Uma capa de fina gaze caía sobre seus ombros.

Unas botas bege substituíram as meias, uma pequena vitória contra a tradição.

Seu cabelo, solto e livre, emoldurava seu rosto com naturalidade. Um lenço da mesma cor do vestido completava o traje, uma piscadela à cultura sem renunciar ao seu estilo.

Ao se ver no espelho, um sorriso se desenhou em seus lábios. Não se via tão mal, afinal. A rebeldia e a beleza se combinavam em uma imagem poderosa.

De volta à sala de jantar, os olhares se posaram sobre ela com surpresa. Seus tios, especialmente, não podiam ocultar sua impressão.

A mulher de seu filho era uma beleza, sem dúvida. E logo, esperavam, a casa se encheria do som de risadas de pequenos netos, que com certeza seriam preciosos.

O olhar de Kerem se fixou nela, absorvendo cada detalhe. Um instante fugaz, apenas um segundo, no qual a surpresa e a admiração se refletiram em seus olhos.

Logo, como se se queimasse, desviou o olhar para outro lado, fingindo desinteresse. Não queria que ela, que havia sido criada como estrangeira, a intrusa, percebesse que o havia impressionado.

- Vê, filha, você está linda - comentou sua mãe, com satisfação - afinal, não tive tão mau gosto ao escolher seu guarda-roupa.

Sarah também observava Zeynep, admirando a forma como a roupa destacava sua beleza natural.

No entanto, uma sombra de preocupação nublava seu olhar. Em apenas alguns dias, parecia que Kerem já estava começando a exercer controle sobre ela.

A loira aguardava impaciente uma oportunidade para falar a sós com Zeynep.

Kerem, por sua vez, travava uma batalha interna. Recriminava-se pela fascinação que Zeynep despertava nele.

Não acreditava ser possível que ela ignorasse seu compromisso, um acordo selado com a troca de dinheiro durante anos, desde a morte de seus pais.

Sua beleza era inegável, um fogo que ardia em seus olhos e uma sensualidade que se manifestava em cada movimento.

Mas Kerem a considerava uma ameaça. Sabia que, cedo ou tarde, sucumbiria à tentação de seduzi-lo, buscando as vantagens que implicava ser a esposa do chefe da tribo.

Afinal, ela havia chegado até ali por conta própria, seu pai, previdente, havia arranjado tudo para trazê-la à força caso sua tia não conseguisse convencê-la.

Nos Estados Unidos, a tia de Zeynep se encontrava mergulhada em um mar de lágrimas, a culpa a consumia.

Obedecer ao chefe havia sido a única opção para evitar que enviassem buscá-la e a castigassem, deixando sua sobrinha desde pequena à mercê da tribo.

A teriam levado consigo para criá-la sob suas estritas leis e tradições. Pelo menos, esses anos em outro país haviam permitido a Zeynep ser livre. Agora, essa liberdade havia se desvanecido.

Seu coração se partia ao imaginar o ódio que Zeynep sentiria por ela. Não poder falar com ela claramente, não poder adverti-la sobre os perigos de escapar, a atormentava. Se o casamento já havia sido consumado, a situação era ainda mais grave.

Não hesitariam em enviar seus homens para buscá-la e castigá-la. A sentença para uma mulher que ousasse escapar da tribo era a morte.

A tia só podia rezar pela segurança de Zeynep, implorando que o destino lhe concedesse a força para enfrentar as provações que a aguardavam.

Em Diyat, a noite voltou a envolver o quarto, e Zeynep se resignou a dormir mais uma vez no chão frio.

Suas costas doíam, protestando pelo desconforto das mantas que tentavam em vão substituir um colchão. E como se o desconforto físico não fosse suficiente, seu esposo, Kerem, parecia desfrutar atormentando-a.

Naquela noite, ele saiu do banheiro com uma simples toalha na cintura, deixando que pequenas gotas de água percorressem seu torso musculoso.

Zeynep, fingindo indiferença, o observou de soslaio enquanto procurava algo em uma gaveta. Sabia que ele fazia isso de propósito, exibindo seu corpo com descaramento.

A roupa e tudo o necessário estavam no vestiário, ao qual ele podia acessar sem passar pelo quarto.

Seu olhar se fixou em uma pequena gota de água que escorria pelas costas de Kerem, bem na linha do meio. Naquele instante, ele se virou e a encontrou observando-o, uma careta zombeteira se desenhou em seus lábios.

- Perdeu algo? - A garota corou ao se sentir descoberta.

- Você é um chato. - Foi o único que conseguiu dizer, para depois se cobrir completamente com a manta.

Kerem desfrutava ao incomodá-la, queria que ela percebesse que um homem como ele jamais iria querer tocá-la.

Na manhã seguinte, ao acordar, Zeynep viu que seu querido esposo já não estava, vestiu-se com sua roupa habitual, saiu do quarto, seus tios estavam tomando café da manhã.

- Venha aqui, filha, sente-se para tomar café da manhã conosco. - Procurou sua amiga com o olhar, não a encontrou em lugar nenhum, já perguntaria onde estava.

Seu tio a chamou amavelmente, sua tia não pôde ocultar a cara de irritação ao ver que novamente não havia vestido a roupa que havia escolhido para ela, a garota se aproximou e com respeito beijou a mão de seu tio para depois levá-la à testa, assim como havia feito antes, quando se aproximou da mulher para saudá-la, esta virou o rosto para evitá-lo.

- Não é necessário que me saude cada vez que me vê, de qualquer forma, vivemos na mesma casa.

Zeynep apertou os punhos, aquela mulher sim que era irritante.

- Não seja grossa com nossa nora, mulher, sabe que deve dar-lhe tempo para se acostumar, ela cresceu em um país com costumes muito diferentes dos nossos.

- Eu te avisei várias vezes, deveria tê-la trazido para viver conosco quando seus pais morreram, assim ela teria sido criada sob nossos costumes, os quais, pelo visto, está relutante em seguir. - Disse enquanto a percorria com o olhar de cima a baixo.

- Não ligue para esta mulher, filha, sente-se para nos acompanhar.

- Sinto muito, muito obrigada, mas perdi a fome.

- Não pode desprezar dessa maneira os alimentos, nem nossa companhia, é hora de você perceber qual é seu lugar nesta casa.

- Sei perfeitamente, e acredite que não me interessa tê-lo, se pudessem dar esse lugar a outra mulher e me dar minha liberdade, eu lhes agradeceria eternamente.

A mulher obesa a olhou furiosa, não podia acreditar em tal falta de respeito, levantou-se de seu lugar, e sem que Zeynep visse vir, deu-lhe uma forte bofetada.

            
            

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