Capítulo 9 A sogra difícil

Os dias seguintes foram terríveis para Zeynep. Kerem tentava ficar perto dela. Após ter alta, ele insistiu em carregá-la até o carro nos braços.

A moça se recusou a falar a partir daquele momento. Ficava deitada na cama o tempo todo. Ayşe a ajudava e até lhe dava comida na boca, pois sentia que suas forças a tinham abandonado.

Kerem havia se mudado para o quarto ao lado, assim não a assediaria e estaria por perto caso precisasse de algo. Nos olhos dela era possível ver o terror cada vez que ele se aproximava. Sua mãe não concordava com eles dormirem separados.

-Você não tem motivo algum para sair do seu quarto, filho. Depois do que fez, era o seu direito. Ela é sua esposa e você pode tomá-la quantas vezes quiser. Afinal, foi isso que o casamento significou.

-Basta! Por favor, mãe, chega disso.

A mulher não entendia o filho. Ele estava agindo como um tolo. Como podia sentir-se culpado pelo que fizera? Afinal, a mulher não havia morrido.

-Sabe uma coisa, mãe? Agradeço a Alá por não ter lhe dado uma filha. Imagine só o destino que teria a pobre coitada.

Kerem virou as costas. Sua mãe ficou sem reação. Aquele filho já estava se acostumando a desrespeitá-la.

Naquele dia, pediu à moça que cuidava de Zeynep que lhe entregasse a bandeja de comida. Queria recuperar a confiança da esposa, se é que um dia a tivera.

Zeynep virou o rosto assim que o viu entrar. Kerem mandara instalar uma televisão enorme no quarto. No povoado não era comum ter TV a cabo, já que às mulheres não era permitido assistir a qualquer programa.

Por isso, ele instalou internet via satélite para que ela pudesse assistir aos programas que assistia em seu país.

-Hoje eu mesmo vou te alimentar. Vamos, coma.

Disse enquanto levava a colher à boca dela. Zeynep obedeceu. Já percebera que não tinha escolha.

Faria ele acreditar que obedecia a tudo, e à primeira oportunidade fugiria. Embora soubesse que seria difícil. No povoado, todos a viram no dia do casamento e quando andava a cavalo, então sabiam que era a esposa do chefe.

Kerem continuava insistindo em fazer coisas por ela. O remorso não o deixava em paz. Apesar de ser um homem sério, também tinha sentimentos, ainda que ela acreditasse que não os tivesse.

Naquele dia, teve que sair da cidade e voltaria à noite. Sua mãe aproveitou para entrar no quarto e confrontar a moça.

-Levante-se imediatamente dessa cama. Faça isso agora mesmo. Já está gostando de ver meu filho servindo como seu criado. Ele é o chefe, e você deve servi-lo. Anda fazendo escândalo porque ele tomou o que é dele por direito. Se não assim, como espera dar-lhe filhos? É seu dever como esposa gerar os que Alá decidir enviar.

Zeynep ignorou-a completamente, virando o rosto para o outro lado.

-Então vai continuar me ignorando? Pois agora vou mostrar que comigo não se brinca.

Ayşe, ao ver a mulher entrar no quarto, ligou imediatamente para Kerem. Ele havia dado ordens claras de avisar caso algo assim acontecesse.

Felizmente, um dos pneus da caminhonete em que ele viajava furou exatamente antes de sair do povoado. Naquele momento, terminavam de trocá-lo.

-O que foi?

Sabia que a moça não o chamaria por qualquer motivo.

-Senhor, sua mãe entrou no quarto da senhora Zeynep. Neste momento, está gritando com ela e a agredindo.

Kerem desligou a ligação, subiu rapidamente na caminhonete e pediu ao motorista que fosse para casa o mais rápido possível.

No quarto, sua mãe já estava descontrolada. Aproximou-se e agarrou Zeynep pelos cabelos.

-Levante-se, estou mandando. Vamos, logo!

Gritou de forma ameaçadora.

Zeynep fez força para não gritar, não queria dar esse prazer a ela. A mulher a arrastou para fora da cama. Nesse momento, Kerem entrou, correu e segurou os braços da mãe, fazendo-a soltar a moça.

-O que está fazendo? Solte-a imediatamente!

A mulher se assustou e largou Zeynep na mesma hora. Nunca vira o filho gritar daquela maneira.

-Essa mulher está se aproveitando de você, filho -disse enquanto soltava os longos cabelos de Zeynep que estavam presos entre seus dedos.

-O que acontece entre ela e eu é problema nosso. E aviso a senhora: se voltar a se meter com ela, a mando para uma das casas fora do povoado.

Kerem respirava pesadamente. Respeitava sua mãe, mas já estava passando dos limites.

-Pois acho ótimo que a mande para lá. Assim aprenderá a não se meter comigo.

A mulher parecia orgulhosa. Sabia que o filho daria razão a ela, afinal, era sua mãe.

-Não estou dizendo que vou mandar ela, mãe. Vou mandar a senhora sem hesitar.

A mulher se escandalizou ao ouvir aquilo. Abriu os olhos desmesuradamente, não podia acreditar no que estava acontecendo.

-Filho ingrato! Como se atreve a me desrespeitar?

Fingiu estar prestes a chorar.

-Sinto muito, mãe, mas não vou permitir o que está fazendo.

Zeynep também se surpreendeu ao ouvi-lo. Não esperava que ele a defendesse.

Kerem pediu à mãe que saísse imediatamente, não sem antes adverti-la que não se aproximasse mais de sua esposa. A mulher saiu batendo a porta com força.

-Desculpe. Em verdade, sinto muito.

Zeynep ficou pasma. O arrogante chefe da tribo pedindo desculpas? Não acreditava que ouviria aquilo um dia.

Ele a ajudou a voltar para a cama e pegou uma escova. Com delicadeza, começou a pentear seu cabelo, que ficara todo bagunçado.

Zeynep não disse nada, permaneceu imóvel e deixou que ele organizasse seus cabelos.

Minutos depois, Kerem saiu para ir à cidade onde tinha um compromisso. Antes, trancou o quarto e entregou a chave a Ayşe sem que sua mãe percebesse.

-Se ela perguntar, diga que levei a chave comigo. Você não a tem. Quando ela tirar a soneca, leve comida para Zeynep. Prepare alguns doces.

-Com muito prazer, senhor. -Ayşe faria isso com gosto, adorava Zeynep.

A moça era menor de idade e trabalhava para Kerem há alguns anos, por insistência dos pais. Kerem aceitara porque sabia que, se não o fizesse, ela seria enviada para outra casa. Os pais dela ficavam com o dinheiro do salário, mas Kerem se encarregava de garantir que ela não faltasse a nada.

Ayşe estava muito grata pela ajuda. Ia para casa apenas à noite, embora ficasse quando a mãe de Kerem se sentia mal.

Quando a má mulher finalmente adormeceu, Ayşe levou para Zeynep o que havia preparado.

-Não sei o que aconteceu entre o senhor Kerem e a senhora, mas precisa perdoá-lo. Ele não é uma má pessoa. Vive sob pressão, mas ajuda muitas pessoas. Ele não concorda com essas tradições que tratam as mulheres como se fôssemos menos que nada. Só que luta sozinho contra a corrente. Os outros chefes não querem mudar as leis. Se ele fizer isso sem o apoio da maioria, podem puni-lo.

Zeynep percebeu que, para Ayşe, Kerem não era um monstro como era para ela.

Convidou a jovem a assistir a um filme e comer os doces com ela. Com Ayşe, falava à vontade. Não havia risco de a sogra descobrir, pois as sonecas da mulher eram longas. Dormia pelo menos quatro horas à tarde. Quando Ayşe achou que já era hora de a sogra acordar, saiu apressada.

À noite, Kerem chegou. Viu que ainda havia luz no quarto de Zeynep. Ao entrar, notou que ela adormecera lendo um livro.

Acomodou-a cuidadosamente, cobriu-a com o cobertor e, após apagar a luz, saiu devagar para não acordá-la.

Na manhã seguinte, entrou novamente para dar a grande notícia de que a reforma da escola havia começado. Ela não respondeu, mas ele achou ver um vislumbre de alegria em seus olhos.

-Vou até a escola dar algumas orientações. Quer vir comigo?

Não recebeu resposta.

-Quando estiver pronta e quiser ir, me avise. Levo você. As crianças estão muito felizes. Escolheram comigo os novos móveis. Segui à risca a lista que me deu.

Ela não respondia, apenas o observava atentamente. Ele percebia que, ao falar sobre a escola, conseguia sua atenção imediatamente.

Quando Kerem saiu do quarto, Zeynep se sentiu feliz por aquelas crianças. Mereciam um futuro melhor, uma vida melhor do que a que tinham naquele momento, principalmente as meninas.

Já ele pensava que ela seria uma excelente professora, que se preocuparia com o bem-estar das crianças. Disso, não tinha dúvidas.

Era uma moça rebelde, mas não era má pessoa. Sem que percebesse, seu coração estava começando a se suavizar em relação a ela.

            
            

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