Capítulo 5 O Irmão, o Mar e o Nome Proibido

Na manhã seguinte, Helena apareceu na ferragem mais cedo que o habitual. Joaquim estava colocando tábuas para secar no sol quando a viu se aproximar com a expressão de quem dormiu menos de três horas e já precisava de respostas para mil perguntas.

- Bom dia. Ou pelo menos, parte dele - disse ele, limpando as mãos no avental.

- Preciso saber quem é Eliseu.

Joaquim parou de secar as mãos.

- Bom... direto ao ponto.

- Eu encontrei uma carta da minha avó. Um diário. E esse nome. Estava por toda parte.

- Onde exatamente você o viu?

- No diário. Em fotos. E, se minha intuição estiver funcionando direito - o que seria uma estreia -, também nas pedras do jardim da casa.

Joaquim suspirou, encostando-se no batente da porta, como quem se prepara para contar uma história que deveria ter sido enterrada junto com os segredos da vila.

- Eliseu era... um garoto da vila. Diferente. Silencioso. Sabia nadar como ninguém, mesmo nunca tendo aprendido. Diziam que ele ouvia o mar mesmo com os ouvidos tampados.

- Isso parece... poético. Ou clínico.

- Era mais o segundo, mas ninguém ousava dizer isso em voz alta. Ele andava sozinho, às vezes sumia por dias, voltava com o olhar vazio. Alguns diziam que falava com as pedras da praia. Outros juravam que ele respondia em línguas que ninguém entendia.

- E você... o conheceu?

- Sim. Ele era amigo do meu irmão.

Helena se sentou em uma caixa de ferramentas fechada. Sabia que precisava ouvir até o fim.

- Naquela época, todo mundo achava que Eliseu era esquisito, mas inofensivo. Até que começaram os sussurros.

- Que tipo de sussurros?

- Coisas sobre rituais antigos. Sobre sons vindos da areia quando a maré baixava. Meu irmão começou a se afastar de mim, a passar as tardes com ele. Eles iam até uma parte isolada da praia - onde hoje ficam as pedras de maré alta. Naquela noite, quando os três jovens sumiram... Eliseu também desapareceu.

Helena franziu a testa.

- Então... quatro sumiram?

- É aí que a história fica estranha. Três foram dados como desaparecidos. Mas Eliseu... é como se nunca tivesse existido. Os registros dele sumiram. A escola nunca confirmou a matrícula. Nem a igreja. Nem o cartório. Só restaram as memórias de quem ainda ousa se lembrar.

- Como se ele tivesse sido apagado.

- Ou como se nunca tivesse sido deste lugar. - Joaquim falou isso com pesar, como quem pisava em território conhecido, mas ainda perigoso.

- E o seu irmão?

Ele desviou o olhar para o chão, depois para o mar ao longe.

- Chamava-se Pedro. Tinha uma risada escandalosa e achava que pimentão era fruto do demônio. Sumiu naquela noite. Sem deixar nada. Exceto um bilhete amassado no bolso da bermuda: "A maré levará o que a terra não pode conter."

- Isso está começando a parecer um quebra-cabeça escrito por Edgar Allan Poe em parceria com um pescador bêbado.

Joaquim riu, apesar da dor nos olhos.

- Não está longe disso.

- E você... acredita que Eliseu foi responsável?

- Não. - A resposta veio rápida, firme. - Mas acredito que ele sabia o que estava por vir. E não conseguiu impedir. Ou não quis.

Silêncio. Apenas o som das ondas batendo ao longe, em sua cadência eterna.

Helena então estendeu a ele o medalhão que encontrara.

- Reconhece isso?

Joaquim o pegou, virou nas mãos, e por um instante, seus olhos perderam o foco.

- Isso era do Pedro. Ele usava como um amuleto. Disse que Eliseu o deu pra ele. Disse que protegeria.

- Protegeria de quê?

- Daquilo que vinha "debaixo". Como se o mal não estivesse no mar, mas... por baixo da areia.

Helena sentiu um arrepio. Como se algo sob seus pés tivesse acabado de mudar de posição.

- Eu preciso voltar à casa - disse, levantando-se. - Mas queria que você viesse comigo. Só pra garantir que se algo me puxar para o subsolo, eu tenha uma testemunha ocular.

- Claro. Desde que não precise carregar ninguém no colo. Tenho uma hérnia histórica.

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Ao voltarem para a casa, Helena mostrou a ele o alçapão, o diário e o local onde as pedras formavam um círculo incompleto.

Joaquim observava tudo com o olhar atento de quem procura mais do que vê.

- Esse círculo... tem o mesmo formato dos antigos símbolos usados nos mapas das cavernas costeiras daqui. - Ele tirou o celular do bolso e mostrou uma imagem salva de um livro antigo. O símbolo era quase idêntico.

- Por que você tem isso salvo no celular?

- Porque, ao contrário da vila, eu me preparo para quando o passado resolver voltar do porão.

Ela arqueou uma sobrancelha.

- Você é esquisito. Mas útil.

- Já fui chamado de coisa pior.

Ficaram ali por um tempo, sem dizer nada. Apenas observando as pedras. A forma. O silêncio do lugar. Algo pairava no ar, como um presságio que ainda não havia escolhido sua forma definitiva.

Quando Joaquim se despediu, antes de sair pela trilha de areia, virou-se para ela.

- Se ouvir seu nome à noite... não responda.

Helena engoliu em seco.

- Mesmo se for sua voz?

- Principalmente se for minha voz.

                         

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