Capítulo 3 Hope

Hope Narrando

A saudade me acompanhou até o aeroporto. Não ficou em casa, não se despediu. Sentou ao meu lado no avião como uma velha conhecida. Mas, dessa vez, ela não me esmagava. Era diferente. Eu estou voltando.

O voo até a Itália foi tranquilo. Dormi algumas horas, tentei organizar meus pensamentos, mas a ansiedade não deixava. Assim que o avião pousou, ainda meio zonza pelo fuso, vi os soldados esperando. Ternos escuros, postura rígida, o símbolo da família Collins no bolso esquerdo. Não houve dúvidas.

- Signorina Hope?

- Sim.

- Estamos aqui a mando de Don Collins. Seja bem-vinda de volta.

Assenti, tentando manter o controle da respiração. O coração batia acelerado. Oito anos. Oito anos longe da Toscana. Oito anos longe da minha história, da minha origem, da minha verdade.

Entramos na van preta, os vidros escurecidos escondendo o mundo lá fora. As estradas italianas se desenrolavam diante de mim como se tivessem ficado congeladas no tempo. Os campos verdes, as vinícolas, o aroma de terra molhada. Era tudo tão familiar e, ao mesmo tempo, distante.

- Quanto tempo até a fortaleza? - perguntei.

- Uma hora, signorina. Don Collins pediu que não fizéssemos paradas.

Concordei em silêncio. O caminho era longo, mas o peso no meu peito era mais. Lembrei da última vez que estive ali. Um almoço salgado, regado a lágrimas, fui embora buscar o meu sonho e agora estou voltando com ele na mala, para dar orgulho e a aposentadoria da minha mãe, já está no tempo dela descansar.

A estrada começou a subir. A vegetação ficou mais densa, os portões altos surgiram no horizonte. A fortaleza. As muralhas imponentes continuavam as mesmas. O brasão da família esculpido em pedra, as câmeras escondidas entre os ciprestes. Nada ali era simples. Nem eu.

Os portões se abriram devagar, rangendo como se sentissem minha presença. A van parou na entrada principal. Desci com o coração na boca. Um dos soldados abriu a porta da mansão e se virou para mim.

- Ele está lhe esperando.

Subi os degraus de pedra. Meus pés pareciam saber o caminho. Quando atravessei o corredor principal, vi a silhueta dele à frente, de pé, de costas para mim, olhando pela janela.

- Don Collins - minha voz saiu quase num sussurro.

Ele se virou devagar. Os olhos envelhecidos, mas ainda firmes. O mesmo olhar que me criou, que me moldou, que me ensinou o certo e o errado no mundo torto em que vivíamos.

- Finalmente em casa, mia bambina.

Sorri, mesmo com os olhos marejados.

- Demorou, mas eu voltei.

Ele se aproximou e me envolveu num abraço que dizia mais do que qualquer palavra.

Antes que eu pudesse me mover, ouvi passos rápidos e apressados vindos da cozinha. A porta se abriu de repente, e lá estava ela. Minha mãe. Com o avental amarrado na cintura, as mãos cheias de farinha, os olhos arregalados e o coração na boca.

- Hope? É você, minha filha?

- Sou eu, mãe, Cheguei.

Ela soltou um grito abafado, levou as mãos ao rosto e, sem pensar duas vezes, correu até mim. Abri os braços. O abraço veio apertado, quente, cheio de vida. Como se os anos todos tivessem derretido ali, naquele segundo.

- Minha menina, minha filha, você voltou - ela chorava contra meu pescoço, o corpo tremendo.

- Eu voltei, mãe. De verdade.

Ela me olhou de cima a baixo, emocionada. Tocou meu rosto com as mãos cheias de pó de farinha, sorriu entre as lágrimas.

- Formada! Olha só pra você, minha filha virou uma mulher formada. Eu sabia que você ia conseguir, Hope. Sabia.

- A Senhora sempre acreditou em mim - falei, com a voz embargada.

- Claro que acreditei, Sempre soube que você ia ser alguém grande. Mesmo sendo só a filha da empregada, você brilhou, minha filha. Brilhou longe daqui. E agora voltou. Volta como doutora, como mulher, como tudo que eu sonhei pra você.

Ela me abraçou de novo, e eu me deixei ficar ali, sentindo o coração da minha mãe bater contra o meu. Era o som mais seguro do mundo. O único lugar onde eu sempre fui só a Hope. Sem máfia, sem deveres, sem medo. Só filha.

Depois do reencontro emocionante com minha mãe, ela me levou até o quarto dela, na Ala dos empregados. Era simples, mas cheio de carinho em cada detalhe. Ali, onde cresci brincando entre os lençóis lavados e as histórias sussurradas no fim do dia, me senti segura. Tomei um banho demorado, deixei a água levar um pouco da tensão acumulada na viagem

Vesti a roupa que minha mãe havia separado com tanto carinho: um vestido midi de tecido acetinado, azul-petróleo, que abraçava meu corpo com leveza e sofisticação. O decote em V era discreto, mas valorizava meu colo, enquanto as mangas longas transparentes davam um toque refinado. A saia justa, bem marcada, até a altura dos joelhos, com uma fenda lateral sutil, que revelava um pouco da perna ao caminhar. Nos pés, um salto fino preto, clássico, elegante, do tipo que não chama atenção, mas impõe presença.

Deixei o cabelo solto, escovado com cuidado por minha mãe, caindo em ondas leves sobre os ombros. Não passei maquiagem, como sempre. Só um perfume suave, o mesmo de sempre. Um toque floral com fundo amadeirado minha marca. Minha mãe sempre dizia que aquele aroma parecia feito pra mim: delicado na entrada, mas firme na essência. Como eu.

Respirei fundo antes de sair do quarto. Cada passo pelos corredores da mansão era uma lembrança. Um retorno.

Quando cheguei à sala de jantar, todos os homens da família já estavam ali. Os sorrisos cessaram aos poucos, um silêncio sutil tomou o ambiente, como se minha presença tivesse mudado o ar. Eles me encararam como se estivessem vendo um fantasma, ou uma mulher feita.

E então, eu vi ele.

Fred.

Encostado à cabeceira da mesa, com uma taça na mão e aquele olhar que sempre me desarmava. O dono do meu coração. O mesmo sorriso torto, o mesmo olhar intenso. O tempo passou, mas ele... ele continua ali. No mesmo lugar dentro de mim.

            
            

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