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Hope Narrando
O jantar começou com brindes, sorrisos e aquela sensação estranha de estar de volta ao lugar onde tudo começou. Me sentei à mesa como uma convidada de honra, mas por dentro ainda era a filha da empregada. Todos pareciam felizes com meu retorno. Vincent puxou conversa sobre a faculdade, Dom quis saber detalhes da formatura, até meu padrinho me lançou um olhar orgulhoso que me aqueceu o peito.
Mas nada se comparava aos olhos dele, Fred.
Desde que entrei na sala, senti o peso do olhar dele queimando minha pele. Era como se ele enxergasse mais do que devia, como se escavasse cada camada minha com os olhos escuros e intensos. O jeito que ele pegou minha mão, firme, quente, dominante. Aquilo me tirou o fôlego por um instante. E o sorriso? Discreto, quase imperceptível, mas perigoso. Como um aviso silencioso: ele estava prestando atenção em cada movimento meu.
Durante o jantar, tentei manter a conversa fluindo. Falei um pouco da Itália, das aulas, da minha pesquisa, mas sempre que olhava pro lado, ele estava lá. Observando. Quieto. Sério. E quando eu falava, era como se ele estivesse me decifrando. Fred não era de muitos gestos, mas os olhos falavam. E os dele gritavam.
- E pretende ficar por quanto tempo? - ele perguntou, finalmente quebrando o silêncio.
A pergunta veio calma, mas com um peso por trás. Como se a resposta importasse mais do que deveria.
- Ainda não sei - respondi, tentando soar casual. - Quero aproveitar um pouco antes de decidir o que vem depois.
Ele assentiu com um leve movimento de cabeça. Mas o jeito que ele me olhava, não era curiosidade. Era desejo. Aquela tensão muda que arrepia a pele e bagunça o raciocínio. O olhar dele passeava pelo meu rosto, escorregava até o decote do vestido, e voltava pros meus olhos. Descarado, mas contido. Como se ele controlasse um impulso muito mais forte do que deixava transparecer.
Minha mãe, sentada mais adiante, sorria com os olhos marejados. Estava orgulhosa. E eu estava feliz de vê-la assim. Mas nem isso tirava o calor que crescia no meu peito cada vez que Fred cruzava as pernas ou levava a taça aos lábios. O silêncio dele falava mais do que qualquer elogio naquela mesa.
Quando o Don anunciou a festa do dia seguinte, todos se animaram. Comentaram sobre convidados, música, vinho, celebração. Eu sorri, participei, fiz esforço pra parecer centrada. Mas a verdade é que, por dentro, estava em chamas. Porque cada vez que meu olhar cruzava com o de Fred, alguma coisa dentro de mim tremia.
Não era mais o mesmo de antes. Era um homem,Frio, perigoso, irresistível.
E pela primeira vez desde que voltei, percebi com clareza: se ele me quisesse, eu não saberia dizer não.
Depois do jantar, seguimos todos para a sala ao lado, onde foram servidas frutas frescas, queijos e uma sobremesa divina de tiramisù. As conversas se tornaram mais leves, risadas preencheram o ambiente, e pela primeira vez desde que cheguei, me senti realmente em casa. Havia algo naquele clima de celebração, no calor da lareira, nas taças tilintando, que me fazia esquecer o peso do passado.
Esperei um momento oportuno e me aproximei do meu padrinho, Don Collins. Ele estava sentado em sua poltrona, com postura firme e presença imponente, como sempre. Me inclinei um pouco e perguntei baixinho:
- Padrinho, por que essa festa amanhã?
Ele me olhou com aquele sorriso sereno que só usava comigo e respondeu:
- É para comemorar a sua volta, bambina. E a sua formatura. Você é um orgulho pra mim. E se quiser trabalhar com a famiglia, a porta está aberta. Será bem-vinda onde quiser.
Senti um calor bom no peito. Sorri, emocionada, e imediatamente olhei para minha mãe. Ela estava encostada na parede próxima, observando tudo com os olhos marejados, um brilho intenso de orgulho e amor. Trocamos um olhar cúmplice e silencioso. Ela sabia o quanto aquilo significava pra mim.
Fred, que estava próximo, tomou um gole de vinho, mas mesmo por trás da taça eu pude ver: ele me observava. O olhar dele era denso, profundo. Quase podia senti-lo na pele.
- Eu aceito o trabalho - disse, com a voz firme, mas o coração acelerado.
Meu padrinho sorriu largo e bateu levemente na minha mão.
- Então está decidido. Vamos arrumar um dos quartos da ala principal pra você. Já passou da hora de dormir como parte da família.
- Não precisa, padrinho - respondi, sem pensar. - Posso dormir com minha mãe, como sempre.
Minha mãe se adiantou e balançou a cabeça, sorrindo.
- Não faz desfeita, filha. É uma honra.
Don Collins também insistiu, com um olhar quase magoado:
- Ficarei muito triste se recusar. Aqui é sua casa.
Assenti, com um sorriso no rosto e um nó na garganta. Acolhida. Era essa a palavra. Me senti assim. Acolhida.
Depois da sobremesa, um a um foram se levantando e se despedindo. Vincent foi o primeiro a sair, depois Dom, e Fred saiu por último, apenas me lançando um último olhar antes de virar o corredor com passos firmes e silenciosos.
Fui com minha mãe até o quarto que haviam preparado pra mim. Ela segurava minha mão, como se ainda fosse pequena, e guiava pelo corredor. O piso de madeira escura estalava suavemente sob nossos passos, e as luzes amareladas criavam um clima quase onírico.
- Esse é o quarto do Vincent - ela disse, apontando a porta à esquerda. - E aquele é o do Fred, bem em frente ao seu.
Parei. Meu coração bateu mais forte sem que eu soubesse por quê.
- Ele dorme ali?
Minha mãe assentiu com um sorrisinho discreto.
- Sim, ele voltou a morar aqui definitivamente. Depois daquela tragédia.
Engoli em seco e entrei no quarto que me foi dado. Era amplo, com uma cama grande, colcha branca impecável, uma escrivaninha e cortinas pesadas de linho. O cheiro do ambiente era de madeira encerada e lavanda. A janela dava vista para o jardim interno.
- Espero que goste - disse minha mãe.
- Tá perfeito - respondi. - Melhor do que eu mereço.
Ela me abraçou forte, e por alguns segundos, voltei a ser a menina que dormia em um colchão no chão do quarto dela. Mas agora era diferente. Agora eu era parte da casa. E tudo estava só começando.