Capítulo 2 Hope

Hope Narrando

Meu nome é Hope Valet. Tenho 25 anos e sou órfã de pai desde criança. Meu pai era um soldado leal ao Don Collins. Um homem firme, honrado, que nunca vacilou diante das ordens que recebia. Ele jurou fidelidade ao Don, e cumpriu esse juramento com a própria vida. Morreu no campo de batalha para proteger o seu senhor. Foi enterrado com todas as honras, com palavras bonitas e aplausos que, na época, eu não entendi. Era pequena demais para compreender o que era "honra".

Na verdade, quando criança, eu achava que aquilo era algo lindo. Hoje, adulta, entendo que a tal honra não encheu nossa mesa. Não pagou os boletos que minha mãe teve que lidar sozinha. Não acalmou as noites em que acordei chorando, chamando por um pai que nunca mais voltaria. Ele nos deixou. Deixou eu e minha mãe para trás.

Mas o Don, ele não virou as costas pra gente. Talvez por culpa. Talvez por afeto. Ou por respeito à lealdade que meu pai teve por ele. Seja lá qual for o motivo, ele fez questão de nos trazer pra Fortaleza, a casa principal da família Collins. Claro que a gente não ficou nos aposentos nobres. Nossa morada sempre foi a ala dos empregados. Mas nem por isso posso reclamar. Meu padrinho, como passei a chamá-lo, sempre nos deu tudo do bom e do melhor.

Minha mãe trabalha até hoje na casa, cuidando da lavanderia e da cozinha, sempre discreta, sempre dedicada. Eu fui tratada como uma filha, ou quase isso. Estudei nas melhores escolas, junto com os filhos do Don. Todo ano, ganhava uma viagem internacional, roupas de grife, celular de última geração. Eu tive o que muitos chamariam de vida de princesa. Mas tudo isso tem um preço. Porque existe um juramento.

O Don Collins assumiu o papel de pai pra mim, e com isso, um acordo foi firmado: eu só posso me casar com quem ele escolher. Meu coração, minha vida, minha história, tudo passa pelo crivo dele. Ele quer o melhor pra mim, eu sei. Mas às vezes o melhor para ele não é o melhor para o meu coração.

Porque a verdade é que meu coração bate de um jeito diferente quando ouve um nome: Fred. O filho mais velho do meu padrinho. O primogênito.

Fred sempre foi reservado, maduro, com aquele olhar sério que parece enxergar o que você não diz. Ele já foi casado, mas o casamento durou pouco. A esposa dele, uma moça linda e doce, faleceu vítima de um câncer no sangue. Foi rápido e devastador. Da descoberta até a morte, foram poucos meses. Eu era só uma adolescente, mas lembro como se fosse ontem. Lembro de ver minha mãe correndo pra cuidar dele, enquanto ele mergulhava em silêncio na própria dor.

Talvez tenha sido ali que começou o que eu sinto por ele. Não foi por causa do nome, da posição ou da aparência, embora ele seja bonito, claro. Foi naquele momento de fragilidade, de humanidade, que algo dentro de mim se despertou. Vi o homem por trás do soldado. Vi o filho, o viúvo, o homem quebrado tentando se recompor.

Desde então, esse sentimento só cresceu. Mas sempre escondido. Nunca ousei falar. Nunca deixei escapar. Não posso sequer sonhar com ele em voz alta, porque sei que o Don não aceitaria. Não apenas pelo juramento, mas porque Fred é intocável. O primeiro filho . E eu sou apenas a filha do soldado que morreu em nome da causa.

Talvez, se eu fosse filha de sangue nobre, o Don até cogitaria a ideia de me ver ao lado de Fred. Mas sendo quem eu sou, alguém que foi acolhida por piedade ou dever moral, não, não posso alimentar essa esperança.

Faz oito anos desde que saí da Itália. Eu tinha só dezessete quando embarquei pra França com a missão clara: estudar. Meu padrinho fez questão de me matricular em uma das melhores universidades de Paris. Faculdade, pós-graduação, tudo pago por ele, com o maior orgulho. E eu cumpri com excelência. Não fui pra festas, não me envolvi com ninguém, nem me permiti sair muito. A verdade é que eu não queria decepcioná-lo.

Durante todos esses anos, eu não voltei nem uma vez pra Itália. Era uma mistura de foco nos estudos com medo de perder minha liberdade recém-conquistada. Minha mãe vinha me ver duas vezes por ano, sempre trazendo comidas que eu amava e aquele abraço apertado de saudade acumulada. E meu padrinho? Ele também vinha uma vez por ano, só pra me olhar nos olhos e dizer que estava orgulhoso. Ele sempre foi presente, mesmo à distância.

Ah, e claro, tinha também a soldado que ele designou pra ficar de olho em mim. Desde o primeiro dia. Uma mulher firme, silenciosa, mas sempre ali. No começo achei estranho, depois me acostumei. Nunca me incomodou, pra falar a verdade. Eu tinha meus livros, meus projetos, minhas metas. Fiz alguns amigos, sim, mas a maioria só de sala de aula mesmo. Nunca fui de sair, de badalar, de me distrair demais.

Agora, tudo isso tá chegando ao fim.

Acabei de me formar. Pós concluída. Mala em cima da cama. Documentos prontos. E uma mensagem no celular que fez meu coração bater mais forte: era da minha mãe.

- Filha, o jatinho já está a caminho. Estamos todos te esperando. Você será recebida com honra.

Recebida com honra. Parece bonito, né? Mas me dá um frio na barriga. Porque eu sei o que significa. Significa que meu padrinho vai me apresentar oficialmente à família de novo. Que os olhos estarão todos em mim. Que, talvez, o juramento volte à tona.

E uma pergunta não sai da minha cabeça: será que o Fred também vai estar lá?

Será que ele se lembra de mim, da menininha que ficou na ala dos empregados, que ele mal notava? Ou será que agora ele vai olhar pra mulher que eu me tornei?

Só sei que tô voltando. E que meu coração, tá acelerado demais pra ser só ansiedade.

            
            

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