Capítulo 4 Fred

Fred Narrando

Acordei antes do sol. No escuro, tudo parece mais silencioso. Mais verdadeiro. Gosto da madrugada, é quando os fracos ainda dormem e os monstros se movimentam. Vesti minha roupa preta como sempre, camisa de manga dobrada até o antebraço, coldre na cintura. Não preciso de muito pra impor respeito. Meu nome já pesa o suficiente.

O dia começou na sede da máfia Collins, a fortaleza de concreto escondida entre vinhedos e colinas. Por fora, uma propriedade imponente. Por dentro, ferro e pólvora. Era dia de treinamento dos novos soldados. Filhotes tentando provar que têm dente.

Levei todos pro galpão dos fundos. Piso de cimento, cheiro de suor, tinta descascando das paredes. Lugar perfeito pra formar homem. Não aceito Bambino frouxo. Quem entra ali comigo aprende rápido que aqui não tem espaço pra erro. Dei ordem pra começarem com resistência física. Corrida, flexão, soco no saco de areia até os nós dos dedos abrirem. Quem sangra, aprende. Quem reclama, não é resistente e esses são descartáveis, não serve.

- Aqui não é academia de Bambino - rosnei pra um dos novatos que fraquejou no terceiro round. - Se quiser moleza, pede pra sair. Se quiser ser soldado, levanta e continua.

Eles me olham com medo. E é isso que eu quero. Respeito se impõe na base do terror. Só quem sobrevive à minha disciplina pode um dia se sentar à mesa do Don.

Depois do treino, levei dois deles pro campo de tiro. Mostrei como se segura uma arma de verdade, como se atira sem piscar. Acertei três latas enfileiradas a dez metros com a Glock. Um tiro em cada uma. Rápido, seco, preciso.

- Mirar é arte. Atirar é instinto - falei, encarando o idiota que tentou segurar a pistola com as duas mãos trêmulas. - Se sua mão treme, seu inimigo sobrevive. E se ele sobrevive, você morre.

Voltei pro escritório no fim da tarde. Me tranquei lá por duas horas, analisando relatórios. Transações, movimentações, quem tá pagando em dia, quem tá devendo. Na minha função, o trabalho é sujo. Mas alguém precisa fazer. E eu gosto de fazer.

A máfia não é um negócio pra quem sonha. É pra quem calcula. Meu pai me ensinou isso cedo. Cresci nesse mundo. Nunca conheci outro. Enquanto os filhos dos empresários estudavam fora, eu limpava sangue do chão e aprendia a desmembrar uma arma em menos de quinze segundos. Por isso ninguém me encara. Por isso ninguém ousa levantar a voz. Eu sou a sombra atrás de uma mesa.

Voltei pra casa quando o céu já começava a escurecer. O dia tinha sido longo, tenso, como sempre. Treinamento, ordens, cobranças, e sangue. A rotina não perdoa, e eu não reclamo. Mas naquela noite, algo era diferente. Hope estava de volta. O Don, meu pai, estava animado, coisa rara. Quando ele sorri sem arma na mão, tem motivo. E dessa vez, o motivo tinha nome e rosto.

Meu pai ama essa Garota como se fosse sua filha, isso é admirável, tendo em vista que ele não costuma Amar ninguém. Meu pai já está velho, Eu e meus irmãos cuidamos de tudo mais é ele quem dá a benção final.

Subi direto pro meu quarto. Tirei a roupa suada, entrei no banho. A água quente escorria como se quisesse levar tudo embora: a sujeira, a tensão, o passado. Mas certas marcas não saem. Me vesti com uma camisa preta de linho, bem cortada, abri dois botões. Calça escura, cinto de couro. Discreto. Elegante. O necessário. Passei um pouco do meu perfume, amadeirado, marcante, o tipo que fica na pele de quem se aproxima demais. Desci.

A casa estava diferente. Mais viva. Havia vozes, risos contidos, passos. O jantar seria de comemoração, meu pai tinha mandado preparar tudo. Amanhã vai ter festa, mas ainda não sei o motivo exato. Com ele, tudo é estratégia, até comemoração. Mas naquele momento, o ar já estava carregado de expectativa. Como se algo estivesse pra explodir, e algo me diz que essa festa será um pesadelo.

- E a bambina? - perguntei quando vi a mãe dela passando com uma travessa nas mãos.

- Está se arrumando - respondeu com um sorriso doce.

Antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, ouvimos os saltos ecoando pelo corredor de pedra. O som firme, ritmado, sensual. Me virei. E lá estava ela.

Santa madre de Dio...

Hope não era mais a garota que saiu daqui oito anos atrás. Aquela ali era uma mulher. Uma visão. Vestia um vestido azul, justo na medida, decote elegante, mas provocante. O tecido envolvia seu corpo como se tivesse sido moldado pra ela. O cabelo solto em ondas, a pele iluminada, o rosto... aquele rosto. Ela era estonteante. Uma beleza absurda, daquelas que você sente no peito antes mesmo de entender o porquê.

Todos à mesa se levantaram, um a um.

- Bem-vinda de volta, Hope - disse Vincent, levantando a taça.

- A casa sentiu sua falta, bambina - disse Dom com um sorriso sincero.

Eu fiquei ali, parado, observando. Como um predador no escuro. Ela caminhava na minha direção com a calma de quem sabe o efeito que causa. Quando chegou perto, estendeu a mão.

- Fred...

Peguei a mão dela. Fria, pequena, firme. E aí meu corpo traiu minha razão. Foi um choque. Um disparo interno. Como se a eletricidade entre nós tivesse vida própria. O calor subiu no peito, espalhou, desceu. Engoli em seco. Sorri, mas por dentro, a fera acordava.

- Seja bem-vinda, Hope - falei, a voz um pouco mais grave do que pretendia.

Ela sorriu. Aquele sorriso que ela tem desde pequena. Mas agora era diferente. Tinha mistério, desafio, desejo.

Soltei a mão devagar. Dei um gole no vinho, tentando recuperar o controle. Mas não adiantou. Ela ainda estava ali. O cheiro, a presença, o jeito como sentou à mesa e cruzou as pernas sem nem olhar na minha direção. Provocação ou inocência? Não sei. Mas pouco importa.

Porque, naquele instante, eu soube.

Eu quero essa mulher. Eninguém vai me impedir de tê-la.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022