/0/14707/coverbig.jpg?v=f7bd73499e5d161c5d051e0865265d72)
"O acaso é, talvez, o pseudônimo que Deus usa quando não quer assinar suas obras."
- Theophile Gautier
Eu ainda estou tentando processar tudo o que aconteceu com o Dylan. Eu o acho tão mesquinho. Quem é que me propõe um contrato de casamento? Ele nem me conhece! Tudo isso só para não ouvir os pais reclamando de que ele deveria arranjar uma esposa. Será que ele tem quantos anos? Que pais são esses que agem assim com um adulto? E ele, hein? Preciso conversar com as meninas, elas precisam me contar quem mandou meu número e endereço para aquele metido.
Ouço uma batida na porta várias vezes e me assusto. Retiro os fones do ouvido, que estavam tocando N, e abro a porta. Me deparo com minha mãe.
- Tudo bem, mãe? - pergunto, preocupada e nervosa com a presença dela ali.
- Sim, querida. Só queria te avisar que daqui a dez minutos vamos para a igreja. Lembra que hoje é o dia das doações para a comunidade? - ela avisa.
- Obrigada por avisar. - dou um beijo na bochecha dela carinhosamente.
- Você está bem? Nunca é carinhosa comigo. - minha mãe diz, me olhando com preocupação.
- Claro, mulher. Não posso mais fazer carinho na minha mamis? - respondo, tentando tranquilizá-la com um sorriso.
- A nossa conversa ainda vai acontecer, viu mocinha? - ela avisa, desconfiada. - Olha, vi você saindo de casa depois do café da manhã. Precisamos conversar. Você me deixou preocupada.
- Tá bom, mãe. - falo, soltando um suspiro pesado.
Ela sai e fecha a porta, me deixando sozinha naquele quarto com a imensidão dos meus pensamentos. Vou ao banheiro, tomo um banho rápido e me visto com uma calça jeans reta e uma blusa rosa com vários laços na frente. Faço um rabo de cavalo rápido e passo um gloss. Saio do quarto, e meus pais já estão esperando na sala. Quando me veem, se levantam abruptamente e seguem para o lado de fora. Meu pai dirige até a comunidade que vai receber as doações. Vejo muitos irmãos da igreja já fazendo o serviço. Localizo rapidamente minhas amigas, aviso meus pais que vou até elas e sigo meu caminho, cumprimentando alguns conhecidos.
- Bia, Sofia! - chamo a atenção das minhas amigas, que estavam conversando com Léo, um advogado de grande renome.
- Helena! Vem aqui! - grita Beatriz com seu jeito extrovertido e animado.
Quando chego nelas, sou recebida com um abraço apertado e um olá. Falo com Léo, que está parado, me observando.
- Ah, oi Léo! - digo, sorrindo para o moreno à minha frente.
- Oi, Lena! - ele responde, me olhando com uma expressão como se soubesse algo, mas não pudesse contar.
- Vocês vão ficar com quais funções? - pergunto, curiosa para saber qual função me deram dessa vez.
- Eu e a Sofia ficamos com as crianças, vamos ensiná-las a pintar aquarela. - diz Beatriz, que mal sabe desenhar um boneco de palitinho, enquanto o talento para pintura ficou com Sofia.
- Que legal! E você, Léo? - pergunto, olhando para o moreno, que ainda mantém aquele olhar estranho.
- Fiquei na mesma função que você. - ele olha para o meu rosto confuso e completa: - Na entrega das cestas.
- Ah, sim! Com quem posso pegar meu crachá e colete? - pergunto, sem direcionar a pergunta a ninguém em específico, mas é Leonardo quem responde.
- A pessoa responsável pela organização é a senhora Almeida. - ele fala num tom calmo e determinado, ainda com aquele olhar curioso dirigido a mim.
- Catarina Almeida? - pergunto, surpresa, já fazia tempo que não a via. - Meninas, preciso falar com vocês na hora da pausa das entregas das cestas. Acho que já sabem o que é.
Olho para elas com ceticismo e uma expressão séria, já mostrando minha raiva em relação a aquele assunto que tanto detesto e mal conheço. Dylan. Saio andando sem esperar resposta, mas me lembro de Leonardo. Viro-me e o chamo.
- Léo, você não vem? - grito para ele.
Quando ele se despede das meninas e me segue até Catarina, começo a conversa. Leonardo está me intrigando com esses olhares esquisitos.
- O que você tem? - pergunto para meu amigo, com um tom questionador. - Está estranho comigo. Parece que tem algo que quer me falar, mas não diz. Tá me irritando. E não me venha com mentiras, porque você sabe que eu detesto mentira.
- Não é nada. - Eu olho feio para ele, e ele se apressa a dizer: - Na verdade, é algo, mas não posso perguntar agora. Não é hora nem lugar. Além disso, você precisa se apressar se quiser encontrar a senhora Almeida.
Acelero o passo e logo vejo aquele cabelo loiro lindo, segurando uma prancheta em uma mão e vários crachás pendurados no braço. Quando estou mais perto da mulher que está super conservada, percebo um par de olhos me encarando. Não acredito! Dylan. Finjo que não o conheço e nunca o vi. Me viro para a senhora Catarina e a cumprimento.
- Senhora Almeida, tudo bem? - pergunto, sendo gentil, mesmo sabendo que não preciso de resposta. - Vim pegar meu crachá e colete, disseram que você está responsável pela organização este ano.
- Ah, sim, querida. - ela sorri. - Faz muito tempo que você frequenta a Vida Eterna? Nunca te vi por aqui. Uma beleza assim é difícil de não ser lembrada, principalmente com essa simpatia toda.
- Desde pequena. Sempre frequentei a igreja com meus pais. Já ouvi falar muito da senhora. Dizem que é uma mulher de confiança do nosso pastor. - respondo, sendo simpática, enquanto sinto os olhos de Dylan em mim.
- Quem são seus pais, querida? - ela pergunta, com atenção e curiosidade.
- Antônio e Marta. - falo sem cerimônias, sentindo a presença de Dylan me encarando.
- Ah, sim, eu os conheço. Já fui líder da sua mãe quando ela era mais nova. - ela sorri, nostálgica, duas covinhas marcando seu rosto.
Pego meu crachá e colete e assino meu nome na prancheta. Percebo que Dylan ainda está me encarando, mas não vejo sua reação. A mulher que me observava em silêncio quebra o silêncio perturbador.
- Então seu nome é Helena? - ela fala com um tom alegre. - Dylan, siga a moça, ela está na mesma função que você.
Me assusto, e Dylan se diverte com meu olhar. Com um sorriso, ele concorda e começa a me seguir, tentando ficar do meu lado.
- Helena... Seu nome é bonito. Achei que a Beatriz estava mentindo quando disse que se chamava assim. - ele fala, sem olhar para mim.
- Hum. Obrigada. - respondo de forma educada, mas ríspida.
- Pelo visto, está tentando me ignorar, né, querida? - ele diz, olhando nos meus olhos com um sorriso zombeteiro no rosto, suas covinhas aparecendo.
- Claro que estou. Você esperava o quê? Principalmente depois de me pedir para casar com você num contrato sem amor. - digo, com uma expressão feia e sussurrando para que ninguém ouça.
- Calma, boneca. Também não é assim. - ele diz, de um jeito brincalhão e tranquilizador.
Helena franziu a testa, tentando manter o controle da situação. Ela odiava que as coisas dessem errado, ainda mais quando alguém, como Dylan, tentava minimizá-las. Não ia deixar ele se sair impune, não dessa vez.
- Não é assim? - ela repetiu, a voz mais firme. - Eu não faço ideia de qual seja o seu jogo, Dylan, mas não vou ser tratada assim. Não sou um contrato que você pode negociar.
Dylan, por mais que tivesse um sorriso no rosto, parecia compreender que a situação não estava mais tão divertida. Ele parou de andar ao lado dela e a encarou com mais seriedade.
- Eu só... - ele começou, hesitando pela primeira vez, antes de se reerguer. - Eu só queria ajudar. Eu pensei que, se fizesse aquilo, você me veria de outra forma.
Helena não acreditava nas palavras dele. Ela sentia que tudo o que ele queria era encontrar uma maneira de sair da pressão dos pais, e que a única forma que ele achava de fazer isso era manipulando alguém. E ele escolheu exatamente ela para isso. Isso a deixava irritada.
- Me ver de outra forma? - ela perguntou, tentando manter a voz o mais calma possível, apesar da raiva borbulhando. - Você realmente acha que pode manipular alguém só porque está com medo da opinião dos seus pais? Não me faça rir.
Dylan estava em silêncio agora, provavelmente sem saber o que responder. Eles caminharam em direção à área de entrega das cestas, e ela podia sentir os olhares de algumas pessoas passarem entre eles. Não queria mais continuar aquela conversa, mas a presença dele ao seu lado estava se tornando insuportável.
- Só faz o seu trabalho, Dylan - disse ela, tentando se distanciar um pouco.
Ele não respondeu de imediato, mas seu olhar era pesado. Helena sabia que ele estava guardando algo, que ele não estava sendo totalmente honesto. E essa incerteza sobre ele, somada a tudo o que ele já havia feito, fez com que ela se sentisse desconfortável.
A senhora Almeida, que estava à frente, chamou a atenção deles, lembrando-os de que o tempo estava passando.
- Vamos logo, pessoal. O trabalho não vai esperar! - ela disse com um sorriso acolhedor.
Helena acenou e seguiu para o local onde as cestas estavam sendo preparadas. Mas Dylan não se afastava. Ele estava lá, ao seu lado, e isso só a deixava mais tensa. Ela sabia que, enquanto estivesse ali, ele não desistiria de tentar conversar. Mas Helena estava determinada a não deixar ele sair impune de tudo aquilo.
Ela olhou para as meninas de longe e fez um gesto para que se aproximassem. Precisava delas, mais do que nunca, para que a ajudassem a entender a situação. Mesmo que estivesse com a cabeça a mil por conta do que aconteceu com Dylan, ela não queria mais ser pega de surpresa.
Ao se aproximarem, Beatriz e Sofia a notaram com um semblante mais sério.
- Helena, o que aconteceu? Você está bem? - Beatriz perguntou com uma expressão preocupada.
- Eu preciso saber de quem foi a ideia de mandar meu número para aquele idiota. - Helena disparou, sem rodeios, apontando para Dylan, que estava alguns passos atrás dela.