Capítulo 5 ❖ O Peso das Palavras Não Ditas

"A mentira é muita vezes tão involuntária como a respiração."

- Machado de Assis

- Fui eu! Admito! - diz Beatriz em um tom dramático.

- Agora me diz: pra quê? - retruco, com certa raiva.

- Eu percebi que vocês estavam trocando olhares naquela hora em que estávamos indo pra casa, quando ele parou a moto lá. - ela explica.

- Eu não acredito que você fez isso, Bia! - diz Sofia, sem acreditar na besteira que a amiga fez. - Ela nem conhece ele!

Vejo os ombros de Beatriz encolherem, e ela fica com uma expressão meio quieta, enquanto Sofia a encara com desaprovação. Observo as duas em silêncio, pensando na conversa e na proposta do Dylan. Será que devo contar pra elas? Devo. São minhas melhores amigas. Precisam me ajudar com isso.

- Tem algo que ele falou... - começo, tentando manter minha voz calma e suave, mas ela começa a falhar. Sofia passa a mão no rosto, tentando compreender a situação.

- Falou? O quê? - pergunta, chocada, tentando entender e esconder a curiosidade.

- Ele foi na minha casa e me pediu pra... - respiro, trêmula, tentando formar frases coerentes. - Me pediu em casamento. - digo, ofegante, como se tivesse corrido uma maratona.

Percebo o choque no rosto das meninas - estão de boca aberta e olhos arregalados.

- Meu Deus, Helena! Casamento? Como assim? - Beatriz volta a falar, agora em total choque. Ela está tão surpresa que acaba falando alto, o que faz várias pessoas virarem a cabeça pra nossa mesa. Vejo Dylan nos observando de vez em quando, mas disfarçando.

- Fala baixo, Bia! - chamo a atenção dela pelo volume da voz. - Agora tá todo mundo olhando pra gente!

- Me desculpa! Mas como assim casamento? - ela repete, agora sussurrando, cobrindo a boca com a mão pra evitar que as pessoas entendam o que estamos falando.

- É. Explica isso pra gente, Helena! - Sofia, que estava calada, fala com um tom sério e duro.

- Ele pediu pra ser um cont... - sou interrompida pela voz do ser sobre o qual estávamos falando. Ele sorri de canto.

- Meninas, podemos sentar aqui com vocês? - ele pergunta, e antes mesmo de uma resposta, puxa uma cadeira e se senta ao meu lado.

É então que percebo Leonardo puxando outra cadeira e se sentando ao lado da Sofia. Tento me recuperar da presença marcante de Dylan ao meu lado. Sinto um cheiro amadeirado, refrescante... Um cheiro tão bom. E aí percebo de onde vem: Dylan.

- Helena, hoje você tá tão quieta. Nem parece aquela respondona com quem falei outro dia - ele quebra o maldito silêncio, claramente se divertindo com a situação.

- Sério? Não tinha notado que você se importava tanto comigo a ponto de reparar se eu tô falante ou não. - respondo seca, grossa. Com vontade de destruir aquele nariz perfeito. Por que, raios, eu tô reparando no nariz dele?

- Engraçadinha! - Dylan ri, jogando a cabeça pra trás. Aquela gargalhada tem um som tão gostoso que dá vontade de me aninhar nela. O quê? Não. Tenho vontade é de arrancá-la. - Amo seu bom humor, Helena!

- Gente, o que é isso? - Sofia nos encara com um semblante fechado e sério demais. Percebo que os outros fazem a mesma cara de confusão e desconfiança.

Diante da pergunta da Sofia, o tempo parece parar por um segundo. A tensão era palpável, como se qualquer palavra pudesse detonar uma bomba. Eu olho para ela, depois para Dylan, e por fim para Beatriz, que claramente queria cavar um buraco e desaparecer. Leonardo, ao lado, mastigava uma barrinha de cereal como se tivesse sido jogado sem querer numa novela mexicana.

- Nada, Sofia. Só o Dylan sendo... ele mesmo - tento disfarçar, mas minha voz falha no final. Ótimo, totalmente convincente.

Dylan, claro, não colabora.

- Que isso, pessoal, a gente só tá brincando! Né, Helena? - ele joga um olhar cheio de segundas, terceiras e quartas intenções pra mim, e eu reviro os olhos tão forte que quase vejo minha alma saindo do corpo.

- Brincadeira tem limite - Sofia responde, fria. Ela cruza os braços e solta aquele olhar de "tô de olho".

Beatriz se aproxima do meu lado e sussurra:

- Se você não contar, eu vou explodir. Literalmente. Tô tremendo! A gente precisa conversar direito.

- Eu sei, Bia. Mas agora não dá - sussurro de volta, olhando rápido pra Dylan, que agora estava casualmente balançando a perna como se tivesse zero noção de que era o centro da tensão.

Leonardo, que até então só assistia ao show, decide dar seu ar da graça:

- Eita... que clima gostoso, né? Tô quase pegando pipoca. Vocês estão bem? - ele solta rindo, e eu vejo Sofia quase lançando um olhar laser na testa dele.

- A gente tá ótima, Leo. Só repensando o sentido da vida e do matrimônio - digo, irônica, e quase mordo a língua.

Dylan vira o rosto na minha direção e ergue uma sobrancelha.

- Vai me expor assim mesmo? Que cruel, Helena - ele diz, fingindo estar ofendido.

- Vai continuar fingindo que isso é normal? - rebato sem paciência.

O silêncio que se segue é pesado. Beatriz está encarando a mesa. Sofia já sacou que tem coisa grande ali. Leonardo mastiga mais devagar. E Dylan me olha como se quisesse dizer mil coisas sem palavras.

Até que, num impulso que nem sei de onde vem, eu levanto da cadeira.

- Preciso de um minuto. Não tô conseguindo respirar com tanto teatro acontecendo - digo e começo a andar, sentindo os olhos deles nas minhas costas.

Eu não faço ideia do que tô sentindo. Raiva? Medo? Confusão? Talvez tudo junto. Mas uma coisa eu sei: eu preciso colocar tudo pra fora. Preciso tomar uma decisão. E urgente.

Me afasto da mesa sem olhar pra trás. O som dos risos distantes das crianças, o burburinho da comunidade, as vozes dos outros voluntários... tudo parece abafado. Meu coração tá fazendo zumba no meu peito, e minha cabeça mais parece um redemoinho.

Me encosto na lateral do galpão onde estão guardando as cestas básicas e respiro fundo. Tento colocar meus pensamentos em ordem. Casamento falso? Um cara que mal conheço, mas que tem olhos perigosos demais pra uma garota com emoções instáveis como eu? E o pior: amigas metidas, curiosas e totalmente fora de controle?

- Helena? - a voz dele vem de trás, calma, como se não tivesse acabado de me virar do avesso. Me viro devagar e lá está ele, encostado na sombra, com os braços cruzados e aquela expressão de quem tá sempre no controle.

- Não sabe o significado de "me dá um minuto", não? - pergunto, tentando manter a pose. Mas é difícil manter qualquer pose quando seu cérebro tá gritando "olha esse homem" em loop.

- Eu sei. Só que... eu também tô meio fora do eixo. E se você for embora agora, acho que não vou conseguir mais falar o que preciso - ele diz, dando um passo à frente. - E é importante. De verdade.

Cruzo os braços, defensiva. Não por orgulho. Por autodefesa mesmo.

- Tá. Fala. Mas se isso for mais uma cena de novela, juro que eu te jogo dentro de um dos sacos de feijão da doação.

Ele ri baixo, mas logo fica sério. É a primeira vez que vejo o Dylan sem charme ou provocação. É só... ele mesmo.

- Eu não tô pedindo pra você ser minha noiva por loucura, nem pra brincar com seus sentimentos. Eu só tô tentando resolver uma bomba que caiu no meu colo. E quando eu te vi... eu soube que você era a única pessoa que podia segurar essa onda comigo.

- Por quê eu? - pergunto, quase sussurrando.

- Porque você não me suporta - ele responde sem hesitar. - E alguém que não me suporta é a única que pode me manter no chão agora.

Fico em silêncio. Aquilo me desmonta. Porque, por mais absurdo que seja... faz sentido.

- Isso é uma ação social da igreja, Dylan. A gente tá cercado de gente que acredita no amor, na fé, na verdade... e você quer que eu invente uma mentira num ambiente como esse?

Ele olha pro chão por um segundo. Quando levanta a cabeça, seus olhos brilham diferente.

- E se não for mentira?

- Como assim?

- E se isso que a gente fingir... virar verdade no processo?

Meu coração perde o ritmo. E antes que eu consiga responder, vejo Beatriz vindo em nossa direção junto com Sofia.

            
            

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