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O Indomável - Capítulo 4: Máscaras do Presente
Vila Nova, 2025
Vila Nova havia mudado em 23 anos, mas sua essência permanecia a mesma: uma cidade de contrastes, onde o brilho dos arranha-céus convivia com as sombras das vielas. No coração do bairro nobre de Jardim das Torres, a mansão de Miguel e Sônia Almeida erguia-se como um símbolo de poder. Jardins impecáveis, muros altos com seguranças armados e uma aura de segredos que poucos ousavam questionar. Dentro daquelas paredes, Alaz, agora com 24 anos, cresceu como o herdeiro de um império que ele nunca entendeu completamente.
Alaz era alto, com traços marcantes que misturavam força e vulnerabilidade: olhos castanhos intensos, cabelo preto bagunçado e um sorriso que escondia uma inquietação que nem ele mesmo explicava. Criado como filho de Miguel e Sônia, ele acreditava que sua vida sempre fora ali, entre luxo e privilégios. Sônia o mimava com presentes caros, enquanto Miguel, com sua presença intimidadora, o moldava para ser forte, implacável, "um verdadeiro Almeida". Mas havia algo em Alaz que resistia, uma chama indomável que o fazia questionar, mesmo sem saber por quê. Ele sentia um vazio, como se uma parte de si estivesse perdida, e os pesadelos com tiros e uma mulher chorando - sempre sem rosto - o perseguiam nas noites mais escuras.
Naquela manhã de maio, Alaz estava no terraço da mansão, olhando para Vila Nova enquanto tomava um café forte. Sônia se aproximou, elegante como sempre, aos 61 anos, mas com a mesma frieza nos olhos verdes. Ela tocou o ombro dele, um gesto que parecia afetuoso, mas que sempre carregava um peso.
- Você parece distante, meu filho - disse ela, a voz melíflua. - Alguma coisa te preocupa?
Alaz balançou a cabeça, forçando um sorriso. - Nada, mãe. Só pensando no futuro. No que o pai espera de mim.
Sônia sorriu, mas havia algo calculado em seu olhar. - Seu pai só quer que você seja forte, Alaz. Como ele. Como nós. Essa cidade não perdoa os fracos.
Alaz assentiu, mas não respondeu. Ele não sabia por que as palavras de Sônia sempre soavam como uma ameaça disfarçada de conselho. Ele não sabia que, escondidas sob o assoalho de um quarto esquecido na mansão, havia cartas que contavam uma verdade que mudaria tudo.
...
A poucos quilômetros dali, no bairro operário de São Lázaro, a vida era bem diferente. Ruya, 23 anos, caminhava pelas ruas de terra batida, o sol de Vila Nova refletindo em seus cabelos castanhos ondulados e nos olhos cor de mel que pareciam carregar uma mistura de determinação e cansaço. Ela era linda, com uma beleza natural que atraía olhares, mas também problemas. Filha única de Lúcia e Antônio, uma família humilde que vivia de pequenos trabalhos - Lúcia como costureira, Antônio como mecânico -, Ruya cresceu sonhando com uma vida maior, mas presa às expectativas de um bairro que parecia querer mantê-la no chão.
Naquela tarde, enquanto voltava do mercado com uma sacola de compras, Ruya sentiu um arrepio. Um carro preto, reluzente e fora de lugar naquelas ruas, estacionou ao seu lado. Roberto Mendes, 30 anos, desceu com um sorriso arrogante. Rico, herdeiro de uma das famílias mais poderosas de Vila Nova, Roberto tinha uma obsessão por Ruya que beirava o perigoso. Alto, com cabelos loiros penteados para trás e um olhar que misturava charme e ameaça, ele se aproximava como se a jovem já lhe pertencesse.
- Ruya, minha princesa - disse ele, bloqueando o caminho dela. - Quando você vai parar de brincar comigo? Sabe que ainda vai ser minha esposa.
Ruya parou, os punhos cerrados, a sacola pendurada no braço. - Eu já disse, Roberto. Não vou casar com você. Nunca. Me deixa em paz.
Ele riu, dando um passo mais perto. - Você é teimosa, mas isso só me faz querer você mais. Sua família precisa de mim, Ruya. Pensa bem. Um futuro com estabilidade, dinheiro, conforto... ou essa vida de miséria?
Ruya sentiu a raiva subir, mas também o peso da realidade. Seus pais, Lúcia e Antônio, viam Roberto como a salvação para as dívidas que se acumulavam. Toda noite, ao jantar, Lúcia falava do "bom partido" que Roberto era, enquanto Antônio, mais reservado, murmurava que "era o melhor para todos". Ruya se sentia sufocada, como se seu destino estivesse sendo decidido sem sua voz. Ela olhou nos olhos de Roberto, firme.
- Eu prefiro a miséria a ser sua prisioneira - disse ela, e passou por ele, ignorando o riso que ecoou atrás dela.
Mas a pressão não vinha só de Roberto. Em casa, naquela noite, Lúcia trouxe o assunto à tona outra vez, enquanto servia o jantar: um prato simples de arroz, feijão e batata. - Ruya, filha, você precisa pensar no futuro. O Roberto pode mudar nossa vida. Não é só por você, é por nós.
Ruya baixou os olhos, o garfo parado na mão. - Mãe, eu não amo ele. Não vou me vender por dinheiro.
Antônio, sentado à cabeceira, suspirou. - Não é se vender, Ruya. É sobreviver. Você sabe como tá difícil.
Ruya engoliu as lágrimas, o peito apertado. Ela queria gritar, mas apenas assentiu, prometendo a si mesma que encontraria uma saída. Ela não seria de Roberto. Não seria de ninguém.
...
Enquanto isso, na outra ponta de Vila Nova, a mansão Mendes era um espetáculo de ostentação. Localizada no bairro de Alto da Colina, a propriedade era cercada por palmeiras, piscinas reluzentes e seguranças que patrulhavam como sombras. A família Mendes - os pais, Carlos e Helena, e os três irmãos homens, Bruno, Diego e Rafael - aguardava ansiosamente a chegada de Zeynep, a caçula de 21 anos, que voltava após nove anos estudando no exterior.
Carlos, um homem de 60 anos com cabelo grisalho e um olhar autoritário, comandava a família com punho de ferro. Helena, 55 anos, era vaidosa e manipuladora, sempre planejando o próximo passo para manter o prestígio dos Mendes. Bruno, 35 anos, era o primogênito, um homem arrogante que gerenciava os negócios da família com métodos questionáveis. Diego, 32 anos, era impulsivo e violento, sempre buscando provar sua força. Rafael, 28 anos, o mais jovem dos irmãos, era astuto, com um charme perigoso que escondia segundas intenções. Juntos, eles formavam uma família temida, unida pelo poder, mas dividida por ambições e segredos.
A chegada de Zeynep era o assunto do momento. A jovem, que partira aos 12 anos para estudar em Londres, era a única filha mulher e, ao contrário dos irmãos, tinha uma reputação diferente. Educada, refinada e dona de uma beleza cativante - com longos cabelos negros e olhos que pareciam enxergar além -, Zeynep era vista como a joia da família, mas também como uma incógnita. Nove anos longe a tornaram uma estranha para os irmãos, e todos se perguntavam como ela se encaixaria no jogo de poder dos Mendes.
Na sala de jantar da mansão, decorada com lustres de cristal e paredes forradas de quadros caros, a família se reunia para discutir a chegada de Zeynep. Carlos bateu na mesa, silenciando os filhos.
- Zeynep chega amanhã - anunciou ele. - E quero todos na linha. Ela não é mais uma criança. É uma Mendes, e vai ter um papel importante nos nossos planos.
Bruno ergueu uma sobrancelha. - Planos? Ela passou anos fora, pai. Não sabe como as coisas funcionam aqui.
Helena sorriu, girando o vinho na taça. - Ela vai aprender. Zeynep é inteligente. Mais do que vocês três juntos, aliás.
Diego bufou, cruzando os braços. - Se ela acha que vai chegar dando ordens, tá muito enganada.
Rafael, sempre o mais calmo, apenas observou, um brilho calculista nos olhos. - Vamos ver do que ela é capaz. Vila Nova não é Londres. Aqui, quem não joga, perde.
Enquanto a família discutia, ninguém notou que Roberto, o segundo filho, estava mais quieto que o usual. Sua mente estava em Ruya, na rejeição dela, na obsessão que crescia a cada dia. Ele sabia que a chegada de Zeynep traria mudanças, mas seu foco era outro. Ruya seria dele, custasse o que custasse. E, em Vila Nova, os Mendes sempre conseguiam o que queriam.