Capítulo 4 Onde Tudo Começou

Naquela noite, sozinha no apartamento vazio, cercada pelos rastros de uma vida que já não existia, encontrei consolo apenas nas lembranças. Fechei os olhos, e ele voltou. Não o Hikaru que me abandonou... mas o homem que conheci anos atrás. O homem por quem me apaixonei.

Foi no hospital universitário. Eu estava no meu quinto ano de Medicina, perdida em meio a livros, plantões e inseguranças. Ainda era uma garota tentando se encontrar no caos daquela profissão que exige mais da alma do que da mente.

Lembro exatamente do dia.

Havíamos acabado de sair de uma aula prática exaustiva quando o professor chamou atenção de todos: um novo médico começaria a supervisionar os casos da ala cardíaca. Um especialista vindo do Japão, com publicações respeitadas e uma trajetória admirável para alguém tão jovem.

E então ele entrou.

Hikaru Minato.

Postura impecável, jaleco branco como neve, olhos firmes e atentos. Ele exalava calma, segurança... e distância. Tinha aquele tipo de presença que fazia o tempo desacelerar. Eu tentei parecer natural, mas ele notou meu nervosismo - e sorriu.

Aquele sorriso. Calmo, quase tímido. Foi ali que tudo começou.

Ele passou a acompanhar nossa turma em algumas atividades. Sempre gentil, sempre justo. Não demorou para que nos aproximássemos. Primeiro foram conversas rápidas nos corredores, depois trocas de livros, depois cafés no fim de plantões - e, quando dei por mim, estávamos trocando confidências como velhos amigos.

Demoramos para assumir o que sentíamos. Talvez pela diferença de idade, talvez pelas regras não ditas entre professores e alunos. Mas o amor... foi inevitável. Cresceu silencioso, com respeito, com paciência. E quando finalmente ficamos juntos, foi como se o mundo fizesse sentido.

Hikaru era meu porto seguro. Me ensinava com carinho, me ouvia com atenção. Quando me formei, ele estava lá, orgulhoso, com flores nas mãos e lágrimas contidas nos olhos.

Foram sete anos construindo uma vida a dois. Dividindo sonhos, medos, vitórias. Sete anos em que ele se tornou parte de mim. Eu o amava mais do que imaginava ser possível amar alguém.

E agora... era como se tudo tivesse sido apenas um capítulo isolado da vida dele. Um parêntese. Uma pausa.

Mas para mim, Hikaru era a história inteira.

Talvez por isso doesse tanto.

Reviver nosso começo agora, depois da forma cruel como ele se foi, era como assistir a um filme com final roubado. E o pior: ele partiu sem saber que nosso amor tinha dado frutos. Sem saber que, mesmo ausente, ele deixou uma parte dele dentro de mim.

No silêncio daquela madrugada,comecei reviver cada momento que passamos juntos.