Capítulo 4 Cap. 4

Vanessa Pov

O escritório do Romeu fica no andar de cima do bar. É um local bagunçado e com cheiro forte que não consigo identificar o que é.

Romeu fecha a porta atrás de mim com um baque que me faz sobressaltar de susto. Viro para encará-lo e o seu rosto está tão enigmático que me causa nervoso.

"Eu não entendi o porquê de você ter dito aquilo," declaro com nervosismo.

Ele dá a volta por mim e solta uma risada curta e sem nenhum pingo de humor.

"Sua ingenuidade só te leva até certo ponto, Vanessa." Romeu responde com acidez na voz. "Além do mais, o seu cheiro..."

Romeu se aproxima de mim e eu prendo minha respiração com tamanha proximidade. Ele chega tão perto que quase consigo sentir o calor que emana do seu corpo. Sinto ele respirar fundo bem perto do meu pescoço, isso me causa um arrepio por todo o meu corpo. Seu rosto se vira para mim e seus lábios estão bem perto da minha pele.

"É delicioso demais para ser de humana ou de qualquer outra espécie que já conheci." Romeu sussurra perto da minha orelha.

Dou uns passos para trás com tamanha declaração. Encaro Romeu com incredulidade. Meu corpo inteiro grita que fuja, mas meus pés permanecem presos ao chão como âncoras. O que ele sabe?

"Você é uma sereia, não é?" Romeu pergunta com um sorriso lascivo no rosto. Ele não espera de fato uma resposta, é mais uma confirmação do que uma pergunta. Só está se divertindo com minha reação. "Eu estava procurando por você."

Franzo o cenho, sem entender o que ele quis dizer com isso. Romeu se afasta e se apoia na beirada da sua mesa, sentando e esticando as pernas. Suas mãos pousam na borda da mesa de ferro.

"Sereias não são vistas há milhares e milhares de anos. Vocês se tornaram uma lenda, igual uma fez nós, lobisomens e feiticeiros, fomos para os humanos." Romeu declara, sua voz está mais suave, tranquila. "As histórias se mesclam com a verdade e a mentira muitas vezes. E eu estava quase perdendo a esperança de encontrar uma... até que você gritou naquela gruta."

Na minha transformação. Ele havia comentado que tinha me ouvido.

"Não foi fácil voltar para lá, a maré começou a subir," Romeu continua falar e seus olhos lupinos se iluminam de repente. Ele se inclina levemente para frente. "Mas eu sempre consigo o que eu quero. E pelo jeito uma das histórias possuía uma verdade sobre vocês, sereias. A cauda de vocês..."

Sinto a minha cabeça girar com suas palavras. Não, não, não! Minha cauda, ele pegou minha cauda! A sensação de algo ser arrancado de mim hoje mais cedo, era isso. Romeu está em pose da minha cauda.

Olho para Romeu e seu rosto carrega uma expressão de contentamento e realização. É uma expressão perversa, cruel. Ele não me ajudou porque era um ser humano amigável, simpático. Romeu apenas queria minha cauda e eu ingênua, permiti isso.

"O que você quer de mim?" questiono preocupada.

"Me ame." Romeu responde com a tranquilidade de quem sabe exatamente o peso das palavras que está usando. "Faça isso e a cauda é sua de novo."

O mundo ao meu redor parece vacilar. Meu corpo congela. Piscar se torna um esforço, respirar parece errado. Eu fico encarando ele, sem entender. A palavra "ame" fica reverberando na minha cabeça como um eco que não se cala.

Pisco para ele, confusa, em choque, tentando absorver aquilo, tentando organizar meu raciocínio, mas não consigo. É como se minhas sinapses estivessem dançando em círculos sem tocar o chão. Meus pensamentos se embaralham como algas ao sabor de uma correnteza forte, e eu só consigo repetir, atordoada, o absurdo daquilo que acabei de ouvir.

"Você quer quê eu faço o quê?" eu indago incrédula.

Ele abre um sorriso de canto. Aquele maldito sorriso de quem sabe exatamente o que está fazendo. Como se tivesse colocado a isca no anzol e agora só assistisse a presa se debatendo. Seus olhos lupinos me fuzilam com um brilho que mistura desejo, jogo e crueldade.

"Se apaixone por mim e eu te liberto, peixinho" ele repete a condição como se fosse uma melodia suave.

Nego com a cabeça, devagar no começo, depois mais veemente. Meus lábios se apertam, minha mandíbula trava, meus olhos queimam com a força da revolta. Não pode ser isso. Não pode ser tão ridículo assim. Meu corpo inteiro vibra com indignação.

"É impossível. Nós sereias não nos apaixonamos por terra-firmes como você. É impossível." Respondo com nervosismo na voz. "Deseje outra coisa."

Por um segundo, só por um segundo, eu acho que ele vai recuar. Mas não. Ele cruza os braços na frente do corpo e sua expressão sugere humor.

"Se apaixone por mim ou então trabalhe para mim. Cante em meu bar, todas as músicas já criadas por nós... como você nos chamou?" ele arqueia uma sobrancelha com cinismo, fazendo questão de repetir, como se fosse uma piada interna entre nós. "Terra-firmes? Pois então. Quando você cantar a última música criada, eu lhe entrego sua cauda de sereia de volta."

É como se ele tivesse me dado uma sentença de prisão. Meu coração se contrai de ódio e frustração. Tenho vontade de gritar. De esmurrar as paredes, de arrancar o chão com as unhas. Uma fúria incandescente toma conta de mim, subindo como uma onda brutal que ameaça transbordar. Meu peito arde. Meus olhos queimam. Meus punhos se fecham com tanta força que minhas unhas cavam a palma da mão.

Como pude ser tão burra? Tão tola? Tão miseravelmente ingênua? Eu, uma princesa do oceano, me deixei enredar pelas palavras doces de um lobo vestido de homem. Como fui cair nesse feitiço barato de gentileza disfarçada? O desespero de fugir de um destino arranjado me cegou ao ponto de cair direto nas garras de outro predador.

E pior, um predador bonito. Maldito seja esse rosto bem esculpido. Maldito seja o jeito como ele se move, como fala, como me olha. Como pude permitir que esse macho, esse ser de olhos hipnotizantes e corpo desenhado por alguma entidade sarcástica, me acorrentasse desse jeito?

"Eu preciso da minha cauda de volta. Você não pode me prender aqui!" respondo contrariada.

Avanço na direção de Romeu e tudo o que eu quero fazer é gritar e socar sua cara bonita e bem esculpida. Só que não consigo. Algo me repele... a minha maldita cauda que ele possuiu. Romeu percebe tudo isso, ele nota o quão presa eu estou nele.

"Você é minha agora, peixinho," Romeu sussurra a frase com malicia e solta uma piscadela para mim. "E eu posso te soltar no momento em que você se apaixonar por mim. É tão simples," Romeu responde de forma debochada.

"É impossível!" eu repito minha resposta com raiva.

Isso só faz Romeu sorrir ainda mais para mim e ele dá de ombros.

"Você então começa a cantar amanhã a noite aqui no bar, tudo bem?" Romeu declara com humor. "Por hoje, você está livre para ver como as coisas funcionam, meu peixinho."

Romeu se levanta e se aproxima de mim. Sua mão vem na direção do meu rosto e eu me esquivo por reflexo, isso faz com que a mão do Romeu pare no ar, a centímetros da minha pele. Ele abre a boca para dizer algo, mas parece se arrepender no caminho e logo a fecha. Minha respiração está acelerada e meu coração parece querer sair do meu peito. Romeu se afasta e me deixa sozinha em seu escritório.

            
            

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