O macho me encara e observo ele respirar fundo na minha direção. Ele arqueia a sobrancelha e cruza os braços na frente do corpo.
"O teu cheiro é diferente, tão diferente," o macho declara e me encara. "O que você é?" Ele questiona curioso e seus olhos se estreitam na minha direção.
Sinto o meu coração gelar com a pergunta. Nós sereias nos mantivemos longe da superfície por milhares de anos, ao ponto de que os terras-firmes não consigam mais reconhecer nossos cheiros.
Ele se aproxima de mim e eu fico parada no lugar, tensa e tentando encontrar uma resposta.
"Com certeza, você não é uma loba igual a mim," o macho declara pensativo e continua cheirando o ar, procurando identificar. "Feiticeira igual à minha ex-companheira, com certeza não é. Humana?"
"Isso!" respondo apressada. "Eu sou uma humana!"
Era esse o nome que eles davam para os terra-firmes, humanos. Lobisomens e feiticeiros também existiam, mas não sabia que estavam expostos assim.
Mais uma vez, ele me encara, desconfiado.
"E qual seria o nome da humana?" O macho pergunta com humor.
Jogo o peso do meu corpo de uma perna para outra, pensando se devo contar o meu verdadeiro nome para ele. O macho tem sido gentil comigo até agora, tem me ajudado. Minha família está do outro lado do continente, de baixo do oceano. Não há necessidade de mentir meu nome aqui, certo?
"Vanessa," digo com um sussurro, com medo de que meu nome chegue até a minha família e ela me encontre.
"Prazer, Vanessa. Sou Romeu Duskbane," ele declara e estende a mão para mim. Olho para o seu gesto sem entender o que significa aquilo.
Romeu deixa o braço cair ao lado do corpo e volta a rir na minha direção.
"Obrigada pela a ajuda, acho que agora eu posso ir..." digo por fim. Preciso ficar o mais longe possível da praia agora.
Não sei para onde devo ir ou o que fazer. Será que as coisas aqui são iguais no oceano?
Preciso encontrar um lugar para eu ficar, é isso.
Começo a andar para longe do macho que me ajudou. Entretanto, ele intercepta o meu caminho, me fazendo trombar com ele sem querer.
"Opa, desculpa," ele diz e solta uma risada. "Você disse que estava perdida, certo?"
"Disse?" indago confusa.
"Sim, na caverna," Romeu confirma, franzindo o cenho. "Você sabe para onde deve ir?"
Nego com a cabeça e Romeu abre um sorriso que me causa curiosidade.
"Então vem comigo, sei o lugar perfeito para você," ele declara animado.
Olho para ele com desconfiança. Por que ele está me ajudando tanto? Será que as histórias sobre os terras-firmes eram exageros da minha bisavó? Se bem que ele é lobisomem, minha bisa nunca me contou histórias ruins de lobisomens. Assim como nós sereias, feiticeiros e lobisomens viviam em perigo por causa dos humanos.
Se ele está disposto a me ajuda, achando que sou humana, significa que eles agora vivem em paz. De qualquer maneira, preciso de ajuda.
"Então?" Romeu indaga, me trazendo de volta para o presente e não para meus devaneios.
Concordou com a cabeça, não tenho outra alternativa.
Romeu me conduz pela praia vazia, o sol já ilumina no céu, mas a brisa ainda faz meu corpo estremecer de frio. Olho uma última vez para o oceano, para o meu antigo lar, meu coração se aperta com a decisão que tomei.
Não posso me casar com Maik, é melhor assim.
Meus pés descalços sente a aspereza do chão e isso me incomoda. A areia da praia é melhor.
"Você é de onde?" Romeu questiona curioso. Seu olhar pousa em mim de uma maneira que me faz me sentir exposta.
Tento pensar em uma resposta. Em uma mentira convincente.
"De longe," respondo e mordo meu lábio. Eu podia ter dado uma resposta mais elaborada. Que burrice.
Romeu sorri de canto, como se a minha resposta estivesse sido divertida.
"Imagino que longe o suficiente para tentar fugir de lá?" ele indaga.
Arregalo meus olhos com a sua dedução. Todos os lobisomens são astutos assim ou eu sou péssima em esconder as coisas?
"Eu não estou fugindo, é só que..." eu gaguejo minha resposta.
"Não se preocupe. Aqui na cidade Miravento, você pode recomeçar e fugir de qualquer coisa," Romeu responde com tranquilidade.
Olho ao redor, a cidade está despertando. Alguns terras-firmes saem de suas moradias e caminham pelas ruas e entram em coisas pequenas que se movem. Como era que a minha bisavó chamava mesmo?
"Desculpa, mas o que é isso aqui?" eu pergunto para Romeu.
Meu dedo aponta na direção de uma fêmea que se enfia dentro de algo que se move instantes depois. Romeu arqueia a sobrancelha e me encara confuso.
"Um carro?" ele responde incerto, como se estivesse na dúvida se eu estava mesmo apontando para aquilo.
"Ah sim, carro!" digo entusiasmada. Era esse o nome! "É um veículo, não é?"
"Sim..." Romeu responde devagar. "Não existem carros ou motos da onde você vem?"
Usamos animais, como golfinhos, raias ou tubarões para navegar mais longe. Minha família prefere usar correntezas magicas para viajar, mas não são todos do oceano que possuem poderes mágicos para isso.
"Não. A gente usa outro tipo de veículos," respondo de forma neutra.
"Agora entendo porque você quis fugir de casa," Romeu dispara e solta uma risada.
Fico com o corpo tenso ao ouvir suas palavras. Como ele pode saber tanto assim? Olho para ele chocada e tento encontrar uma maneira de descobrir o que ele quer comigo.
"Bem, chegamos..." Romeu declara e para de repente.
Olho para o local a minha frente e fico curiosa. Que lugar é esse? Inclino minha cabeça para o lado e tento decifrar os sinais vermelhos que estão em cima do local.
"É o meu bar, se chama Erethar igual minha alcateia." Romeu anuncia com orgulho.
Ele coloca a mão nas minhas costas e eu dou um pulo para frente, assustada.
"Perdão, não quis te assustar!" Romeu diz rapidamente e levanta as mãos. "Apenas queria te conduzir para dentro."
Antes que eu pudesse dizer algo, uma fêmea sai de dentro do bar. Ela está segurando dois sacos pretos pesados e quase esbarra comigo. Seus cabelos loiros curtos, estão bagunçados para todos os lados e ela é quase da minha altura. Tem mais carne do que eu no corpo, percebo que sou muito magricela e provavelmente não iria conseguir carregar esses sacos pretos que ela carrega com tanta facilidade.
"Opa, desculpa!" ela diz animada e quando vê a presença de Romeu para no lugar. "Ei, oi chefe!"
"Por que você está colocando o lixo para fora, Violet?" Romeu indaga sério e logo retira os sacos cheios da mão da fêmea. "Isso é função do ômega ou de qualquer homem dentro do bar. Cadê o Rael?"
Observo ele coloca os sacos em frente a uma grande lata onde há outros sacos pesados.
"Conversando com os fornecedores de bebidas e o ômega, nem sei." Violet responde e dá de ombros. Ela se vira para mim e inclina a cabeça para o lado. "E quem é você?"
"Essa é a Vanessa, ela está perdida e fugindo." Ele declara com humor e solta uma piscadela em minha direção. "Preciso que você cuide dela para mim por algumas horinhas," Romeu explica.
Olho impressionada para sua atitude e me sinto acanhada com os comandos diretos que ele dá para a fêmea. Violet não parece se importar e logo abre um sorriso amigável. Seus olhos castanhos claros são doceis e eu me sinto contente em olhar para eles.
"Oh, pobrezinha... vêm, vamos te arrumar algo melhor para vestir e comer alguma coisa," Violet declara com uma voz meiga e suave. Ela se aproxima de mim e passa o braço pelos meus ombros.
"Ela não gosta disso," Romeu diz no exato momento em que me encolho ao sentir o toque dela em mim.
Violet logo se afasta e eu olho para Romeu, ele me lança um sorriso e eu aceno agradecida.
"Tudo bem, desculpa. Vem, é por aqui," Violet diz com a voz mais dócil ainda e me conduz para dentro do bar.
"Você não vem?" questiono em direção ao Romeu.
Ele nega com a cabeça e abre um sorriso.
"Não, tenho outras coisas que preciso fazer. Mas venho te ver, prometo. Violet vai cuidar bem de você, pode confiar," ele responde.
Eu acredito em suas palavras e acabo entrando no bar Erethar com Violet.