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Vanessa Pov
Perdi minha cauda.
Em menos de vinte e quatro horas, vinte e quatro míseras horas, eu já consegui perder a porra da minha cauda de sereia. Aquilo que me conecta ao mar, à minha origem, à minha alma. Agora estou aqui, sentada numa cadeira dura demais, num canto mal iluminado de um bar fedendo a álcool e testosterona, sentindo o vazio onde antes havia escamas reluzentes e liberdade.
A frustração pulsa em mim como maré alta em dia de tempestade. É quente, densa, sufocante. A raiva dança junto, borbulhando como os vulcões subaquáticos que conheci desde pequena, perigosos, caóticos, intensos. Ela sobe pela minha garganta, esbarra na minha língua, querendo sair em forma de grito, de fúria, de qualquer coisa que quebre esse nó no meu estômago.
Fugi de casa para não ter que ficar presa em um casamento diplomático com um homem possessivo, que me via como uma conquista diplomática. Mas agora estou presa a um lobisomem que quer a coisa mais absurda do planeta. Amor.
Encaro Romeu, que está no balcão do bar, conversando com várias jovens caidinhas por ele. Observo isso com incredulidade. Sério, por que ele quer que eu o ame se tem um harém inteiro se oferecendo de bandeja? O mundo dos terras-firmes é tão estranho, com costumes esquisitos demais.
Observo a movimentação no bar começar a aumentar. A música fica mais alta e Rael, Violet e Romeu começam a ficar ocupados com os pedidos no balcão. A dinâmica entre os três me impressiona, é uma sintonia perfeita. Uma amizade misturada com o profissionalismo que nunca vi antes.
Fico tão absorta na observação que nem percebo a aproximação de um macho. Ele se aproxima sorrateiro, mas não com má intenção.
"Olá, nunca te vi aqui antes. É turista?" Ele pergunta, a voz suave, quase melódica. Logo se senta à cadeira vazia à minha frente, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo.
"Sim, sou," minto. Abro um sorriso educado e me inclino para trás.
O macho tem uma aparência agradável, diferente totalmente da beleza irritante de Romeu. Lanço um olhar em direção ao balcão. Romeu está com os olhos cravados em nós. Seu maxilar se move lentamente, tenso, e seu cenho se franze como se estivesse tentando decifrar se estou flertando ou apenas sendo educada. Dou de ombros. Que se dane.
"Você é lindíssima, posso te pagar uma bebida?" o macho oferece com um sorriso malicioso no canto dos lábios.
Aceno com a cabeça ainda curiosa com as interações dos terras-firmes. O rapaz se levanta e caminha até o balcão. Mas não volta.
Romeu é quem o atende. Os dois trocam algumas palavras. Não ouço o que é dito, mas vejo a expressão do cara mudar. Ele engole seco, faz um aceno breve, e se afasta sem nem olhar pra mim.
Não entendo. Mas deixo passar. Até acontecer de novo. E de novo. E de novo.
Cada vez que algum macho se aproxima, me oferece bebida, tenta puxar conversa, tudo segue o mesmo padrão. Eles vão até o balcão e simplesmente desaparecem depois. Nem um tchau, nem um aceno. Sumidos. Como se tivessem sido afugentados por alguma sombra ameaçadora.
Minha paciência escorre pelo ralo da lógica. Levanto com um impulso brusco e caminho até o balcão com os olhos semicerrados e o sangue fervendo. Atravesso o bar me esquivando de corpos dançantes, de risadas altas, de perfumes invasivos. Me planto diante de Romeu, que finge inocência.
"O que você está fazendo?" indago impaciente para Romeu.
O macho alfa abre um sorriso que me causa uma vontade de socar a cara.
"Do que você está falando, meu peixinho dourado?" ele pergunta, teatralmente confuso, com um brilho debochado nos olhos que me faz querer gritar.
"Por que todos os machos que me oferecem algo para beber, nunca mais voltam para a minha mesa?"
Romeu enche um copo com chope e entrega para um cliente que está ao meu lado.
"Ah isso. Pois é... Eu apenas digo que se eles voltarem para aquela mesa eu irei arrancar o pau deles com uma garrafa e dar aos tubarões." Romeu responde com orgulho na voz.
Eu arregalo os olhos ao ouvir suas palavras ameaçadoras contra os machos. Até mesmo o cliente ao lado, que mal parece prestar atenção, engasga com a bebida, tossindo de surpresa com a violência embutida nas palavras.
"Você não pode fazer isso!" rebato irritada. "Eu não sou sua!"
Ele se inclina sobre o balcão, como se se aproximar de mim fosse o movimento mais natural do mundo e seus olhos ficam fixos nos meus.
"Eu tenho algo muito precioso que me diz ao contrário, meu peixinho," Romeu retruca com humor.
Sem pensar duas vezes, eu pego o copo do cliente ao lado, sinto o líquido gelado balançar contra o vidro e, sem hesitar, jogo o chope no rosto do Romeu. Romeu fica encharcado. O chope escorre pelo rosto dele, molha seus cabelos loiros, desliza pela linha do maxilar, pinga pelo queixo. E eu... me sinto um pouco mais satisfeita. Uma faísca mínima de vingança em meio ao caos interno.
Romeu limpa o rosto com a mão e noto seu maxilar ficar mais tensionado. Ele me encara com seus dois olhos azuis oceano e sinto que há uma tempestade se formando neles. Não espero muito para testemunhar sua reação, seja lá qual formo. Me afasto do balcão e vou caminhando em direção a saída do bar, percebo alguns olhares que testemunharam a minha atitude, sinto meu rosto ficar vermelho de vergonha, mas ignoro tudo isso.
Assim que atravesso a porta, sou recebida com um vento frio da noite e percebo que eu estava segurando a minha respiração até agora.
Que inferno! Não posso ficar mais nenhum segundo nesse lugar! Não posso ficar perto do Romeu! Sem ter muitas opções para onde ir, eu apenas caminho em direção a praia.
As ruas estão vivas. Gente indo e vindo, risos altos, cheiros misturados de bebida, suor e fritura. Cada bar que passo tem sua própria música, sua própria festa. Mas nenhum parece tão... magnético quanto o de Romeu. Como se todos os caminhos levassem de volta pra lá.
Ando até chegar no local onde Romeu me encontrou hoje. Encaro o oceano vasto e escuro e não consigo sentir mais a minha conexão com a água. Há um vazio em meu peito e isso me entristece. Me sento na areia e apenas começo a chorar.
Eu fui tão estupida! Não devia ter me transformado. Devia ter apernas fugido para o mais longe do Maik, ido para uma ilha deserta, mas nunca para a costa, nunca para perto dos terras-firmes.
"Ei, você está bem?" uma voz masculina surge atrás de mim.
Olho em direção ao macho que se aproxima. Ele está ali, parado a poucos metros de distância, uma sombra recortada pela luz dos postes e pelo brilho tímido da lua, que se reflete nas ondas calma. A luz revela apenas o suficiente para que eu veja o contorno do rosto, o esboço de um sorriso que não combina com o tom da noite.
Levo uma das minhas mãos ao rosto e seco rapidamente as lágrimas que mancham minha pele. Endireito a coluna. Fico de pé.
"Sim, estou."
"Aconteceu algo com você?" ele questiona e seu tom parece ser mais de curiosidade do que de preocupação.
"Não, estou bem." Respondo e começo a andar, criando uma distancia maior entre nós dois.
"Está tarde, você não devia ficar sozinha assim na rua. É perigoso..." o macho declara e começa a andar atrás de mim.
A cada passo que dou, ele me acompanha, como se estivesse brincando de espelhar meus movimentos. O som dos seus pés na areia se mistura ao meu próprio ritmo acelerado.
"Tem razão, eu já vou voltar para casa," digo nervosa e apresso mais os meus passos.
Meus pés afundam um pouco mais na areia fofa, dificultando minha movimentação. O coração bate rápido demais. As batidas ecoam nos meus ouvidos como um tambor de guerra. Uma tentativa de controlar o pânico que ameaça se espalhar pelo meu corpo como correnteza.
Ouço o macho fungar o nariz como se estivesse farejando o ar. Meus ombros se enrijecem.
"Você é uma criatura tão..." ele deixa a frase morrer e volta a respirar fundo. Olho para ele e noto a mudança dos seus olhos ocorrerem, ficando incandescentes. Ele é um lobisomem.
E ele me fareja como se eu fosse um jantar servido na areia. Como se estivesse saboreando o cheiro antes da mordida. E eu... eu sinto. Sinto meu corpo entrar em alerta. Um alarme primitivo explode dentro de mim.
Sem pensar, eu me viro e começo a correr.
O som da respiração dele me persegue. O homem não parece ter presa, ele acelera os passos e uma risada escapa dos seus lábios.
"Não precisa ter medo, querida. Vamos apenas brincar um pouco, você e eu. Tenho certeza que será divertido!"