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Romeu Pov
"Que forma mais babaca você escolheu para conquistá-la, hein?" Soren, meu lobo, resmunga dentro de mim.
Abro um sorriso com o seu tom e desço as escadas até o bar. Logo mais vamos estar abertos e preciso supervisionar como Vanessa vai se sair no meio de tanta gente. Ela ainda é um enigma para mim. Ainda estou tentando aceitar o fato de que ela é mesmo uma sereia e eu tenho sua cauda.
"Relaxa, Soren. A gente conseguiu a sereia, era o que a gente precisava, certo?" Respondo com humor, tentando minimizar a voz dele dentro de mim. "Além do mais, eu não quero conquistá-la. Apenas quero que essa merda de maldição acabe."
"Ah, claro, tem razão..." Soren responde com sarcasmo carregado na voz. "Estamos vivos há mais de duzentos anos e eu, tolo que sou, esqueci que para alguém se apaixonar por nós, só precisamos mandar que eles façam isso! Que estratégia infalível, hein? De gênio, mesmo!" A acidez dele arranha meus pensamentos.
Reviro os olhos e vou para trás do balcão.
"Cadê a Vanessa? Ela está bem?" Violet pergunta ao me ver, a voz dela vindo com um tom de preocupação que não combina com seu rosto sempre carregado de confiança. Os olhos dela buscam os meus, como se esperassem que eu escondesse alguma tragédia.
"Já, já ela desce. Está apenas se acostumando com algumas coisas," responde com simpatia.
Beta Rael se aproxima junto com o meu ômega Vincent, um filhote de dezoito anos que ainda está aprendendo a controlar suas transformações e a seguir ordens. Rael está com os dreads presos para frente, deixando-o com a aparência bem mais séria e temida. E do lado dele, Vincent parece ainda menor.
"E onde você está hoje mais cedo, Vincent?" Questiono sério. "Flagrei a Violet tendo que colocar o lixo para fora sozinha! Isso é trabalho seu!"
Vincent baixa o olhar imediatamente. Seus ombros murcham, e a submissão escorre dele como suor frio. Ele é mirrado, magro demais e ainda precisa de tempo e treino para virar algo que se pareça com um lobo de verdade. Mas ali, naquela cabecinha cheia de números e algoritmos, mora um gênio. O garoto pode hackear um sistema bancário inteiro com uma torradeira se eu pedir, mas não consegue lembrar que o lixo sai toda segunda e quinta-feira.
"Foi mal, alfa Romeu, eu perdi a hora de chegar..." Vicent murmura, e sua voz carrega arrependimento, mas também aquele medo sutil que só a minha presença consegue provocar. Seus olhos permanecem no chão, como se encarar meu olhar fosse o mesmo que desafiar uma sentença.
"Já é a segunda vez essa semana, Vicent," digo com tom de advertência. "Mais um atraso e eu corto metade do seu salário."
"Sim, alfa Romeu. Não vai se repetir," ele responde num sussurro quase inaudível.
"Hoje você fica encarregado de lavar as louças," ordeno com firmeza. "Vá, antes que eu mude de ideia."
Vicent abre um sorriso aliviado, pequeno e tímido, e some pela porta da cozinha como uma sombra. Rael se apoia no balcão do bar e me encara com curiosidade.
"Então, alfa Romeu... o que ela é exatamente?" Rael questiona curioso e eu sei do que ele está falando. Vanessa.
Abro um sorriso convencido e pego dois copos e sirvo para nós uma dose de uísque.
"Ela é o melhor peixinho dourado que eu poderia ganhar de presente," respondo orgulhoso e viro o copo, o liquido passa rasgando pela minha garganta, mas o sabor é divino. "Mais tarde, eu explico melhor."
Rael ergue uma sobrancelha, mas não questiona. Ele toma sua dose e concorda com a cabeça.
"Você sabe que precisa manter Vanessa em segredo, não sabe?" Soren anuncia na minha mente com aquele tom meio paternal, meio irritado, que me acompanha há mais de dois séculos.
"Não, não. Eu vou anunciar para toda a Miravento que eu tenho uma sereia em meu bar e quem quiser vê-la precisa pagar seiscentas pratas!" retruco com sarcasmo. "Estamos vivos a duzentos e cinquenta anos, me dê um pouco de créditos, porra!"
"É, mas as vezes acho que você continua sendo aquele menino imprudente de vinte anos que nos meteu nessa situação!" Soren retruca com rapidez, como se estivesse esperando o momento exato pra espetar essa farpa em mim.
"Eu estava apaixonado, pessoas são imprudentes quando amam," respondo com divertimento. "Desde então, eu tenho sido bastante prudente."
"Isso eu te dou os parabéns!" Soren responde, mas consigo sentir em sua voz a falsidade escorrendo.
Antes que eu possa pensar em algo para retruca-lo, o cheiro dela vem ao meu encontro. Cheiro delicioso de mar. É um aroma úmido, limpo, com um fundo doce e levemente selvagem, como se o oceano tivesse resolvido criar uma fragrância exclusiva para embriagar a minha sanidade. Em seguida o som dos seus passos descendo as escadas me alcançam. Me viro para poder encara-la. Ela desce as escadas como quem caminha entre dois mundos. Ela ainda não pertence a esse mundo, e cada passo que dá deixa isso evidente.
Vanessa tem uma beleza que incomoda, que provoca, que chama atenção mesmo quando tenta se esconder. Uma beleza etérea, quase cruel, porque parece que não pertence a essa realidade suja, imperfeita, gasta. Ela parece deslocada aqui, mas não de forma ridícula. É o tipo de deslocamento que torna tudo ao redor um pouco menos bonito, um pouco menos interessante. Ainda consigo vê-la como estava hoje de manhã, completamente nua, recém-transformada, molhada, vulnerável e linda de um jeito que poucos seres nesse mundo ousariam ser. Os olhos escuros como o oceano a noite, traiçoeiro e silencioso. Até mesmo agora, usando roupas mundanas e sem graças, Vanessa continua sendo extremamente linda.
Observo ela descer as escadas e ela quase cai nos últimos degraus, ela se segura na parede e seus olhos se arregalam de susto. A imagem é quase cômica.
"Oh querida, você está bem? Se machucou?" Violet pergunta preocupada, indo logo de encontro a Vanessa.
"Seu peixinho dourado é um pouco desastrado e bem esquisito, devo dizer," Rael sussurra ao meu lado, com aquele humor que só ele sabe usar, debochado, mas nunca cruel.
Solto uma risada com o comentário. É verdade. Vanessa é desajeitada como um cervo recém-nascido tentando correr. Mas é isso que a torna ainda mais fascinante. Imagino que essa seja a primeira vez dela na superfície, e isso me faz pensar em quantas outras primeiras vezes ela ainda vai ter que enfrentar.
"Como foi que ela nos chamou?" indago, tentando puxar da memória aquela palavra esquisita que ela usou.
"Terras-firmes," Soren responde.
"Isso! Que nomezinho engraçado para nós dar, não acha?" digo com humor.
O meu olhar se cruza com o dela por um instante, mas ela logo fecha a expressão e desvia os olhos com uma rapidez quase agressiva. Está chateada comigo. É de se imaginar. Ela agora me pertence, pelo menos por enquanto, e essa realidade a devora por dentro. Sei disso. Consigo sentir. E não a culpo. Eu também odiaria depender de alguém como eu.
"Eu vivo com você a duzentos e trinta dois anos e não te suporto as vezes," Soren diz com humor.
"Posso dizer o mesmo para você, meu caro."
Observo Vanessa ficar sentada no canto mais afastado do bar, ela cruza os braços e apenas olha para todos os lugares do estabelecimento, menos para mim, , como quem se recusa a admitir a própria prisão.
"Meu peixinho dourado vai começar a partir de amanhã a trabalhar aqui," declaro para Rael.
Meu beta olha surpreso e enfia um palito de dente na boca antes de se afastar do balcão.
"Porque será que eu sinto que isso é algo extremamente perigoso não só para o nosso bar, mas também para nossa alcateia?" Rael indaga com desconfiança.
Eu apenas abro um sorriso irônico em resposta.
"Vamos apenas trabalhar. Temos muitos lobisomens para embebedar essa noite!"