Na semana seguinte, houve uma feira de ciências na escola de Tiago.
Cheguei e vi-o ao lado do seu projeto, um vulcão em miniatura.
Ricardo estava com ele, ajeitando-lhe o cabelo, rindo com os professores.
Um colega de Tiago aproximou-se. "Este é o teu pai?"
Tiago sorriu, orgulhoso. "Não, este é o Ricardo. Ele é quase como um pai para mim."
Observei de longe. A mágoa era um nó na garganta.
Isabela chegou, beijou Tiago na testa e cumprimentou Ricardo com um sorriso cúmplice.
Ela nem notou a minha presença.
À noite, Tiago começou com febre. Uma febre alta, preocupante.
Liguei a Isabela.
"Estou num comício importantíssimo, João. Não posso sair agora. O Ricardo está aí perto, pede-lhe ajuda."
Desliguei. Ricardo. Sempre Ricardo.
Liguei a Ricardo. Ele demorou a atender.
"Sim?" A voz dele soava distante, com música de fundo.
"O Tiago está com muita febre. A Isabela disse para te ligar."
"Ah, sim. Estou a caminho de um jantar de angariação de fundos. Vê se lhe dás um banho frio ou qualquer coisa. Tenho de ir."
Desligou.
Fui ao quarto de Tiago. Ele tremia.
"Pai," murmurou ele, semiconsciente.
Cuidei dele. Dei-lhe banho, mediquei-o, medi a febre de hora a hora.
Ele agarrou a minha mão com força. "Não vás."
"Não vou, filho."
Pela manhã, a febre tinha baixado.
Tiago acordou, olhou para mim.
"Onde está o Ricardo?" perguntou, a voz ainda fraca.
"Ele estava ocupado," respondi, tentando esconder a amargura.
"Ele é que sabe cuidar de mim quando estou doente," disse Tiago, virando-me as costas.
As palavras dele, mesmo ditas por uma criança doente, doeram.
Isabela chegou a meio da manhã, com ar cansado mas triunfante.
"O comício foi um sucesso! O Ricardo foi brilhante."
Depois, olhou para Tiago. "Como estás, meu amor?"
"O pai cuidou de mim," disse Tiago, sem entusiasmo.
Isabela olhou para mim, surpreendida. "Ah. Obrigada, João."
Era a primeira vez em muito tempo que ela me agradecia por algo.
Mas soou vazio.
"Ele queria o Ricardo," continuei.
Isabela minimizou. "Oh, João, não sejas mesquinho. É normal as crianças afeiçoarem-se a quem lhes dá atenção. O Ricardo é muito presente."
"Presente?" questionei, a raiva a subir. "Ele nem quis saber do Tiago doente."
Ricardo entrou nesse momento, com um saco de pasteis de nata.
"Bom dia, família! Soube que o nosso campeão não esteve bem. Trouxe o pequeno-almoço."
Tiago sorriu. "Ricardo!"
Isabela sorriu para Ricardo. "És um anjo, Ricardo."
Ricardo piscou-me o olho, um sorriso de superioridade nos lábios.
Tiago saltou da cama, já melhor, e abraçou Ricardo. "Tu és o melhor, Ricardo! Quando crescer, quero ser como tu!"
Isabela e Tiago uniram-se, como se fossem um coro.
"O João nunca tem tempo para nada," disse Isabela.
"O pai está sempre ocupado com as coisas dele," acrescentou Tiago.
Eles não sabiam das minhas aulas de culinária secretas, do meu sonho renascido.
Para eles, eu continuava a ser o falhado de sempre.
Cansei-me. Não ia discutir.
"Têm razão," disse, simplesmente.
Ricardo interveio, com falsa modéstia. "Não digam isso. O João faz o que pode."
Isabela suavizou a atitude para com Ricardo. "És tão compreensivo, Ricardo."
Tiago agarrou-se à perna de Ricardo. "Podemos ir passear hoje, Ricardo?"
"Claro, campeão," disse Ricardo, afagando-lhe os cabelos.
Isabela observava a cena com um sorriso aprovador.
Os três saíram do quarto, rindo, deixando-me para trás.
A imagem deles, uma família feliz. E eu, o intruso.
Peguei no telefone. Liguei ao meu advogado.
"Podemos avançar com o divórcio. Ela já assinou."