O funcionário do registo civil olhou para os papéis, depois para mim.
"Tem a certeza, senhor?"
"Absoluta," respondi, a voz firme. A minha determinação era inabalável.
Voltei para casa. Estava vazia. Silenciosa.
Isabela e Tiago tinham saído com Ricardo, como sempre.
Fui para a cozinha. O meu santuário.
Preparei um bife com batatas fritas, simples, mas feito com o cuidado que a minha nova paixão exigia.
Comi sozinho, à mesa da cozinha.
A porta abriu-se. Isabela e Tiago entraram, ruidosos.
"Que cheiro bom," disse Isabela, surpreendida. "Fizeste o jantar?"
"Fiz para mim," respondi, calmo.
Ela olhou para o fogão, para as panelas limpas. "E para nós?"
Tiago interrompeu. "Não faz mal, mãe. Comemos um hambúrguer ótimo com o Ricardo. Ele cozinha super bem!"
Olhei para as mãos de Tiago. Um pouco de ketchup seco no canto da boca.
Isabela viu o meu olhar. "Estávamos com fome, não podíamos esperar."
Senti um cansaço profundo, uma exaustão emocional de anos de desvalorização.
Isabela sentou-se à mesa, suspirando. "João, tenho de te dizer uma coisa."
Esperei.
"Decidi que o Ricardo e o Tiago vêm comigo na digressão de campanha. É melhor assim. O Ricardo organiza tudo e o Tiago adora-o."
Ela não me consultou. Não perguntou a minha opinião.
Era uma decisão tomada. Eu estava, mais uma vez, excluído.
Na minha vida passada, teria protestado, teria implorado por um lugar.
Desta vez, não.
"Ok," disse, apenas.
Isabela pareceu surpreendida com a minha aceitação fácil. "A sério? Só isso?"
"Sim."
"Bem... ainda bem que compreendes. Serão apenas algumas semanas. Depois voltamos à normalidade."
Promessas vazias.
Não respondi. Fechei os olhos, fingindo cansaço.
Ela levantou-se, desconfortável com o meu silêncio. "Vou deitar o Tiago."
Ouvi os passos dela a afastarem-se.
Abri os olhos. A "normalidade" dela já não era a minha.