Havia fotos discretas deles dois: do casamento, de uma viagem rara que fizeram a contragosto dela, mas onde ele parecia genuinamente feliz em alguns momentos roubados.
E, no vaso da sala, lírios brancos. Os favoritos dela.
Mesmo na vida anterior, com toda a dor, ele se lembrava.
A culpa a atingiu novamente, mas desta vez, misturada com uma ternura inesperada.
Ela resolveu compensá-lo.
Começaria pelas pequenas coisas. Cuidaria da casa. Cozinharia para ele.
Coisas impensáveis para a Sofia arrogante de antes.
Ela foi para a cozinha, determinada.
Abriu a geladeira, bem abastecida. Rafael sempre fora organizado.
Decidiu fazer o prato favorito dele: bacalhau à Gomes de Sá.
Uma receita que ela viu a cozinheira da família fazer inúmeras vezes, mas nunca se interessou em aprender.
Agora, ela se lembrava vagamente dos passos.
O resultado foi... caótico.
A cozinha, antes impecável, parecia ter sido atingida por um furacão.
Havia farinha no chão, cascas de batata na pia, e um cheiro forte de algo queimado no ar.
O bacalhau estava salgado demais, as batatas meio cruas, as cebolas carbonizadas.
O chef particular da família, que o Sr. Pereira insistiu que viesse ajudá-la a se "instalar", entrou na cozinha e quase teve um colapso.
Ele olhou para a bancada, para o fogão, para Sofia coberta de farinha, e suspirou.
"Senhorita Sofia," ele disse, com a paciência de um santo, "talvez seja melhor começar com algo mais... simples? Uma salada, talvez?"
Sofia riu, um som genuíno que surpreendeu até a si mesma.
"Você tem razão, Jean Pierre. Acho que subestimei o bacalhau."
Apesar do desastre culinário, ela se sentiu bem.
Pela primeira vez em muito tempo, ela estava fazendo algo por outra pessoa, algo com as próprias mãos.
Mesmo que fosse um bacalhau intragável.
Ela limpou a cozinha com a ajuda relutante de Jean Pierre, que refez o prato de Rafael com perfeição.
O dia passou lentamente. Sofia tentou ligar para Rafael várias vezes.
Caixa postal.
Mensagens não visualizadas.
A frustração e a preocupação começaram a crescer.
Onde ele estaria?
Teria ido para um hotel? Para a casa de um amigo?
A ideia de ele não voltar para casa a apavorava.
No final da tarde, o telefone dela tocou. Era o segurança particular do pai dela.
"Senhorita Sofia, tenho notícias do Sr. Rafael."
O coração dela pulou.
"Ele está bem? Onde ele está?"
"Ele está no Hospital Santa Clara, senhorita. Parece que se envolveu em uma briga em um bar na Lapa."
Rafael? Brigando em um bar? Na Lapa?
Isso não fazia o menor sentido. Rafael era o homem mais pacífico e controlado que ela conhecia.
A Lapa era um bairro boêmio, conhecido pela vida noturna agitada, mas também por ser um tanto perigoso.
O que ele estaria fazendo lá?
Sofia sentiu uma dor aguda no peito, uma mistura de preocupação e um mau pressentimento.
Ela não pensou duas vezes.
"Estou indo para lá."
Jean Pierre tentou impedi-la, disse que mandaria um motorista.
Mas Sofia já estava saindo, pegando as chaves do carro.
A dor física de um corte antigo em sua mão, uma lembrança de uma briga feia com Tiago na vida passada, latejou.
Mas a dor emocional era muito maior.
Ela dirigiu como uma louca até o hospital, o coração na boca.
Chegou à recepção, ofegante.
"Rafael Costa. Ele deu entrada aqui."
A recepcionista a olhou com uma expressão entediada.
"Quarto 302. Mas o horário de visitas..."
Sofia não esperou. Correu pelos corredores, ignorando os chamados.
Parou em frente ao quarto 302. Respirou fundo.
Abriu a porta.
E congelou.
Rafael estava sentado na cama, com um pequeno curativo na testa.
Ao lado dele, segurando sua mão e falando com uma voz doce e preocupada, estava uma mulher.
Uma mulher que era assustadoramente parecida com ela.
A mesma altura, o mesmo cabelo escuro, os mesmos traços finos.
Só os olhos eram diferentes, mais submissos, talvez.
Rafael levantou a cabeça ao ouvir a porta abrir.
Ao ver Sofia, seus olhos se estreitaram, mas não houve surpresa. Apenas uma frieza cortante.
Ele não disse nada. Continuou a deixar a outra mulher acariciar sua mão.
A indiferença dele à presença dela foi como um tapa na cara.
"O que significa isso, Rafael?" A voz de Sofia saiu trêmula, cheia de uma raiva que ela não conseguiu conter.
Rafael finalmente falou, a voz calma, quase entediada.
"Sofia, esta é Isabella. Isa, esta é Sofia, minha... esposa." A palavra "esposa" foi dita com um tom de escárnio.
"Isa vai ficar aqui comigo. Na nossa casa. Ela precisa de um lugar para ficar, e eu preciso de companhia."
Ele estava trazendo uma sósia dela para dentro da casa deles?
Aquilo era um teste? Uma provocação? Uma vingança?
Isabella se levantou, um sorriso tímido nos lábios.
"Prazer em conhecê-la, Sofia. Rafael fala muito de você."
Sofia sentiu o sangue ferver.
"Sair da nossa casa? Você está louco?" ela sibilou para Rafael, ignorando Isabella.
"Eu não vou aceitar isso. Essa mulher não vai pisar na minha casa!"
O orgulho ferido dela falou mais alto.
Rafael suspirou, como se estivesse lidando com uma criança mimada.
"Sofia, a casa também é minha. E eu decido quem entra nela. Se você não gosta, a porta da rua é serventia da casa."
A ameaça velada a atingiu.
Ele estava disposto a sair, a abandoná-la, se ela não aceitasse a presença de Isa.
Ele sabia que ela não o deixaria ir. Não agora.
Sofia olhou de Rafael para Isabella.
A sósia a encarava com uma expressão de falsa inocência.
Ela engoliu a raiva, o orgulho, a humilhação.
Se essa era a única maneira de manter Rafael por perto, ela aceitaria. Por enquanto.
"Tudo bem," ela disse, a voz baixa, mas firme. "Ela pode ficar."
Um sorriso vitorioso passou rapidamente pelos lábios de Rafael.
Sofia forçou um sorriso.
"Já que estamos todos aqui, por que não vamos para casa? Jean Pierre preparou o jantar. Bacalhau à Gomes de Sá. Seu favorito, não é, Rafael?"
A ironia em sua voz era palpável, mas ela manteve a compostura.
Ela jogaria o jogo dele. E venceria.