A calma inesperada de João Miguel desconcertou as primas e Isabella.
Elas esperavam raiva, ressentimento, talvez até um escândalo.
Mas ele estava sereno, distante.
Perceberam que algo havia mudado nele, algo irreversível.
Ricardo aproximou-se de Isabella, passando o braço pela cintura dela de forma possessiva.
Ela inclinou a cabeça no ombro dele, um gesto de afeto que cortou o ar.
A nova dinâmica estava clara para todos.
João Miguel observava a celebração.
Os discursos, os presentes, os brindes.
Tudo era uma repetição do que antes era para ele.
O mesmo uísque caro que ele gostava, agora servido a Ricardo.
A mesma música que Isabella dizia ser "a nossa música", agora tocada para o novo casal.
Então, Clara se aproximou de Ricardo com uma pequena caixa de veludo.
"Ricardo, querido, isto é para você. Era do nosso avô, um símbolo da nossa família."
Ela abriu a caixa, revelando um relógio de ouro antigo.
O relógio que João Miguel sempre admirara, o relógio que as primas prometeram que seria dele um dia.
João Miguel sentiu as mãos se fecharem em punhos, as unhas cravando na palma.
Uma dor aguda, física e emocional, o atravessou.
O relógio no pulso de Ricardo era uma afronta, uma profanação.
Ricardo, percebendo o olhar de João Miguel, sorriu com malícia.
"Ah, primo, que belo presente, não? Mas sabe, para combinar, eu precisaria daquela corrente de ouro que você sempre usa. Aquela que o vovô também usava. Você não se importaria de me dar, não é? Afinal, parece que você tem roubado o que era meu por direito a vida toda."
A provocação era clara, a insinuação venenosa.
Isabella interveio, a voz fria e ameaçadora.
"João Miguel, dê a corrente a ele. É o mínimo que você pode fazer."
A corrente.
Um presente de Isabella, no início do namoro.
"Para selar nosso amor", ela dissera.
Ele a tirou do pescoço, o metal frio em seus dedos.
Entregou a Ricardo sem uma palavra.
Um ato de desapego final, a última gota de sentimento escorrendo por entre seus dedos.
"Preciso ir", ele anunciou, a voz neutra. "Não estou me sentindo bem."
Era uma desculpa, claro. Ele só queria fugir daquele circo de horrores.
As primas e Isabella, de repente, demonstraram uma preocupação superficial.
"Oh, João, o que você tem?" perguntou Sofia, tentando tocá-lo.
"Quer que chamemos um médico?" ofereceu Helena.
Isabella o olhou com uma falsa compaixão.
"Não vá assim, podemos cuidar de você."
Hipocrisia.
Ele recuou do toque delas.
"Não preciso da ajuda de vocês. Vocês já fizeram o suficiente."
A amargura em sua voz era palpável.
Ricardo, mais uma vez, se fez de vítima.
"Oh, céus, será que foi algo que eu disse? Eu não queria chateá-lo, primo. Por favor, não fique doente por minha causa."
Ele monopolizou a atenção delas novamente, afastando-as de João Miguel.