Clara, Sofia e Helena voltaram-se para Ricardo, paparicando-o, oferecendo-lhe água, perguntando se ele precisava de algo.
João Miguel era, mais uma vez, uma sombra.
Isabella olhou para João Miguel, a preocupação em seu rosto rapidamente se transformando em frieza.
"Se você está realmente mal, João Miguel, espere um pouco. Não estrague a festa do Ricardo. Depois nós o levamos ao hospital."
A prioridade dela era clara.
Ele não queria a compaixão superficial delas, não queria mais nada.
"Não se preocupem", ele disse, a voz firme.
Deu as costas e saiu.
Mais tarde, em seu apartamento vazio, o celular vibrou com mensagens delas.
"João, você está melhor?"
"Ficamos preocupadas."
"Nos ligue quando puder."
Hipócritas.
Ele ignorou as mensagens, a dor em seu pulso latejando, ecoando uma dor muito maior.
A lembrança de três meses atrás o assaltou, vívida e cruel.
O sequestro.
Os criminosos, ligados a uma antiga disputa da família de Isabella, tinham sido claros.
"Podemos ajudar apenas um."
Eles escolheram Ricardo.
Deixaram João Miguel para trás, à mercê dos agressores.
As mãos. Eles sabiam que suas mãos eram sua vida.
Foram metódicos, cruéis.
Quando finalmente o encontraram, horas depois, ele era um farrapo humano.
Eles? Estavam celebrando o retorno ileso de Ricardo.
Champanhe, risos, alívio.
Ninguém notou seu estado, suas mãos ensanguentadas, sua alma em pedaços.
Ele perdeu ali, naquelas horas de tortura e abandono, mais do que a sensibilidade nos dedos.
Perdeu a capacidade de tocar seu violão como antes, sua paixão, sua identidade.
E ninguém se importou.
Lágrimas silenciosas escorreram pelo seu rosto.
Não apenas pela dor física, mas pela profundidade do abandono, da indiferença.
Ele se lembrou de uma noite, pouco antes do inferno começar.
Isabella em seus braços, jurando amor.
"Diga que me ama", ele pedira, quase como uma prece.
"Eu te amo, João Miguel, mais que tudo", ela respondera, os olhos brilhando.
Ele acreditara. Queria acreditar.
Logo depois, ela o traíra, friamente.
Mas ele ainda buscava uma razão, uma desculpa para as ações dela.
Então, a notícia. Isabella estava grávida.
Ele acreditou que o filho era dele. Uma noite, ela fora drogada por um rival de negócios. Ele a socorrera, a levara para casa, cuidara dela.
Uma noite confusa, mas ele tinha certeza.
Aquela criança era a chance de reconciliação, um farol de esperança.
Tentou ligar para ela, compartilhar a notícia, a alegria.
Ela não atendeu.
E então, o sequestro.
Quando voltou, mutilado e destruído, soube.
O filho fora abortado.
Ricardo, claro, manipulara tudo.
Apresentou-se como o salvador daquela noite, insinuou que o filho era dele.
A dor da perda do filho se misturou à dor da traição, do abandono, das mãos feridas.
Um nó em sua garganta, um peso em seu peito que parecia esmagá-lo.