A chapa de metal gritou, um som agudo que rasgou o ar calmo da tarde. O nosso carro capotou duas vezes antes de aterrar de lado contra uma barreira de betão, o meu mundo virou ao contrário, e o cinto de segurança enterrou-se na minha barriga de oito meses.
O meu irmão, Leo, que estava a conduzir, ficou inconsciente ao meu lado, com sangue a escorrer-lhe pela testa.
O pânico gelou-me. Tentei alcançar o meu telemóvel, as minhas mãos tremiam tanto que o deixei cair duas vezes. Finalmente, agarrei-o e disquei o número do meu marido, Miguel.
Ele atendeu ao terceiro toque, a sua voz soava distante e irritada.
"Clara? O que foi? Estou ocupado."
"Miguel," a minha voz saiu como um sussurro rouco, "Tivemos um acidente. Na A5. O Leo não acorda."
Fez-se silêncio do outro lado, apenas o som de uma voz feminina a queixar-se ao fundo. A voz de Sofia, a sua amiga de infância.
"Um acidente? Estás bem? O bebé?"
"Não sei, Miguel, dói-me muito a barriga. Preciso de ti. Por favor, vem."
Ouvi-o a suspirar, um som pesado de impaciência. "Ouve, Clara, não posso ir agora. A Sofia torceu o tornozelo a descer as escadas, está a chorar de dores. Tenho de a levar ao hospital."
A voz dela soou mais perto do telefone, chorosa e mimada. "Miguel, dói tanto... Acho que o parti."
O meu coração parou por um segundo. Um tornozelo torcido. O meu irmão estava inconsciente e eu podia estar a perder o nosso filho, mas ele estava preocupado com um tornozelo torcido.
"Miguel, isto é sério," implorei, o desespero a subir-me pela garganta. "Chama uma ambulância para nós, pelo menos."
"Claro, claro, chama tu uma ambulância. É mais rápido. Tenho mesmo de ir agora, a Sofia não para de chorar. Vemo-nos no hospital, está bem?"
Antes que eu pudesse responder, ele desligou.
O som do tom de chamada cortado foi mais violento do que o próprio acidente.
Olhei para o meu irmão, para a minha barriga, para o vidro estilhaçado à minha volta. Estava sozinha. Completamente sozinha.
Com a mão que ainda me obedecia, marquei o 112.