A chuva caía sem parar, um barulho surdo e constante no teto do carro.
Eu estava presa num túnel, a água subindo rápido demais.
O rádio do carro anunciava o caos, a cidade de Lisboa estava debaixo de água, um dilúvio repentino que ninguém esperava.
A minha barriga de nove meses estava dura, o bebé mexia-se, inquieto.
O meu coração batia descontrolado.
Peguei no telemóvel com as mãos a tremer, disquei o número do meu marido, Marcos.
A chamada demorou a ser atendida, cada toque era uma eternidade.
Finalmente, a voz dele soou, irritada.
"Lia? O que foi? Estou no meio de uma coisa importante."
A voz dele estava distante, abafada por outros sons.
"Marcos, estou presa," a minha voz falhou, "no túnel da Avenida da Liberdade, a água está a subir muito rápido."
Houve um silêncio do outro lado.
"Chama os bombeiros," ele disse, com uma frieza que me gelou. "Não posso sair agora."
"Não posso sair? O que é mais importante do que eu? Do que o nosso filho?"
Eu conseguia ouvir uma voz feminina ao fundo, uma voz que eu conhecia demasiado bem. Sofia. A amiga de infância dele.
"A Sofia está a ter um ataque de pânico por causa da tempestade, não a posso deixar sozinha," ele disse, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
Um ataque de pânico.
Eu estava a afogar-me com o filho dele na barriga, e ele estava a consolar a amiga por um ataque de pânico.
"Marcos, por favor," eu implorei, as lágrimas a misturarem-se com o suor frio na minha testa.
"Lia, para de ser dramática. Liga para o 112, eles resolvem. Tenho de desligar."
E ele desligou.
O som do "tu-tu-tu" foi mais assustador do que o barulho da água a bater contra os vidros do carro.
Olhei para a água barrenta que já cobria metade da porta.
Eu e o meu filho, estávamos sozinhos.