Dona Helena deu um passo à frente, a sua expressão mudou de pena para irritação.
"Lia, não fales assim com o meu filho! Ele também está a sofrer!"
"A sofrer? Ele não estava lá! Eu estava lá! O nosso filho estava lá!"
A minha voz subiu de tom, a calma a quebrar-se como vidro.
"Ele não podia adivinhar que ia ser tão grave," ela defendeu-o. "Ele fez o que achou certo no momento. A Sofia estava descontrolada, podia ter feito uma asneira!"
Olhei para o Marcos, à espera que ele dissesse alguma coisa. Que ele a mandasse calar. Que ele me defendesse.
Ele continuou em silêncio, a olhar para o chão, como uma criança apanhada em falta.
"Uma asneira," repeti, incrédula. "E eu, a afogar-me com o vosso neto, não era uma situação grave o suficiente?"
"Não sejas injusta," disse a Helena, a sua voz a tornar-se mais dura. "O Marcos está destroçado. Em vez de o apoiares, estás a atacá-lo. Uma esposa devia estar ao lado do marido nestes momentos."
O absurdo da situação atingiu-me em cheio.
Eu era a vítima. O meu filho estava morto por causa da negligência dele. E eu é que tinha de o apoiar.
Virei a minha cabeça para a janela. Não queria mais olhar para eles.
"Saiam," disse eu, baixinho.
"O quê?" perguntou o Marcos, finalmente a falar.
"Eu disse para saírem. Os dois. Quero ficar sozinha."
"Lia, não vamos resolver nada assim," ele tentou argumentar.
"Não há nada para resolver, Marcos."
Olhei para ele, e pela primeira vez, não vi o homem que amava. Vi um estranho. Um estranho fraco e egoísta.
"Acabou. Eu quero o divórcio."
O choque no rosto dele foi quase cómico. A Helena ofegou, a mão no peito.
"Divórcio? Estás louca?" gritou ela. "Depois de tudo o que passámos? Vais deitar o teu casamento fora por causa de um... de um acidente?"
Um acidente.
Ela chamou à morte do meu filho um acidente.
"Saiam," repeti, a minha voz gelada. "Agora. Ou eu chamo a segurança."
O Marcos olhou para a mãe, depois para mim. Havia fúria nos seus olhos agora.
"Está bem. Se é isso que queres. Mas vais arrepender-te disto, Lia. Quando a tua cabeça arrefecer, vais ver o erro que estás a cometer."
Ele virou-se e saiu, batendo a porta. A Helena lançou-me um último olhar cheio de desprezo antes de o seguir.
Sozinha no quarto silencioso, o vazio no meu peito tornou-se pesado, uma âncora a puxar-me para o fundo.
Mas no meio da dor, uma pequena chama acendeu-se.
A chama da raiva. E da decisão.