Tentei ligar para os serviços de emergência, mas a rede estava em baixo.
Todas as minhas chamadas falhavam. O pânico instalou-se de vez.
A água continuava a subir, implacável. Já sentia a humidade fria nos meus pés.
O bebé mexia-se violentamente, como se sentisse o meu medo.
Eu batia no vidro, gritava, mas ninguém me podia ouvir. O túnel era uma armadilha de betão e água.
Fechei os olhos, a minha mão a proteger a minha barriga.
Pensei em todas as vezes que o Marcos pôs a Sofia em primeiro lugar.
As festas de família que perdemos porque a Sofia "precisava dele".
As férias canceladas porque o gato da Sofia ficou doente.
Eu sempre aceitei, sempre achei que era eu a ser ciumenta, insegura.
A minha sogra, Dona Helena, sempre dizia: "Oh, querida, eles são como irmãos. Tens de compreender."
Compreender.
Agora, a compreensão parecia uma estupidez sem tamanho.
Uma dor aguda atravessou a minha barriga, diferente de tudo o que já tinha sentido.
Não era o bebé a mexer-se, era uma cãibra, forte, paralisante.
Gritei, não de medo, mas de dor.
Foi nesse momento que o vidro da janela traseira se estilhaçou.
Um bombeiro, com a cara séria e molhada, olhou para mim.
"Senhora, temos de a tirar daqui, agora!"
Ele não esperou por uma resposta, abriu a porta por dentro e a água entrou de rompante.
A corrente era forte, mas os braços dele eram mais.
Ele puxou-me para fora, para um pequeno barco insuflável.
A última coisa que vi antes de desmaiar de dor foi o meu carro a ser engolido pela água escura.