Quando o Fogo Consome o Amor e a Vida
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Capítulo 2

Dois dias depois, recebi alta do hospital.

O Miguel não veio buscar-me. Mandou um táxi.

A nossa casa estava inabitável, uma concha enegrecida. As minhas coisas, as roupas de bebé que eu tinha passado meses a escolher, tudo se fora.

O motorista do táxi levou-me para o apartamento da minha sogra.

Quando entrei, o Miguel estava sentado no sofá, a ver televisão. A Cláudia estava ao lado dele, a cabeça dela apoiada no seu ombro, a dormir.

Ele pôs um dedo nos lábios, a pedir-me silêncio.

"Ela finalmente adormeceu," sussurrou ele. "Teve uns dias terríveis."

Eu fiquei ali, na entrada, com a minha pequena mala do hospital na mão. O meu corpo ainda doía. O meu coração estava oco.

Olhei para eles. Pareciam um casal. Um casal a descansar depois de um dia difícil.

Eu era a intrusa.

"Precisamos de falar," disse eu, a minha voz baixa mas firme.

Ele franziu a testa, irritado por eu ter quebrado o silêncio.

"Agora não, Sofia. Já te disse."

"Agora sim, Miguel."

Ele suspirou, revirou os olhos e, com muito cuidado, tirou a cabeça da Cláudia do seu ombro, pousando-a numa almofada.

Ele seguiu-me para a cozinha. Fechou a porta.

"O que queres?" perguntou ele, cruzando os braços. "Não podemos ter esta conversa noutra altura? A Cláudia está muito sensível."

"Eu quero o divórcio."

Ele riu. Uma risada curta e sem humor.

"Já passámos por isso. Estás a ser dramática por causa das hormonas. É normal depois de... tu sabes."

Ele nem conseguia dizer a palavra. Parto. Filho morto.

"Não são as hormonas. É porque o meu filho morreu enquanto o pai dele estava a consolar outra mulher por causa de um ataque de pânico."

"Eu não sabia que a casa estava a arder!" ele gritou, a sua voz a subir. "Quantas vezes tenho de te dizer isso? Eu estava a cuidar da minha família! A Cláudia é família!"

"E eu não era? O teu filho não nascido não era?"

"Claro que eram! Mas foi uma emergência! Tu estavas em casa, supostamente segura! A Cláudia estava na rua, a hiperventilar! Tive de fazer uma escolha!"

"Tu não fizeste uma escolha, Miguel. Tu ignoraste-me. Desligaste o telemóvel."

"Eu não o desliguei, ficou sem bateria!" mentiu ele, sem sequer olhar para mim.

"Então como é que me ligaste do hospital a gritar comigo?"

Ele ficou em silêncio. Apanhado. A sua cara ficou vermelha de raiva, não de vergonha.

"Isto é ridículo," disse ele por fim. "Não me vou divorciar de ti. Perdemos um filho, devíamos estar a apoiar-nos um ao outro, não a lutar."

"Tu não me estás a apoiar. Estás a apoiar a Cláudia."

"Porque ela precisa mais de mim agora!"

A porta da cozinha abriu-se. A minha sogra, Isabel, entrou.

Ela olhou de mim para ele.

"Parem com os gritos," disse ela, a sua voz cortante. "Vão acordar a Cláudia. E, Sofia, já chega. O meu filho tem um bom coração. Ele tentou ajudar toda a gente. Não o castigues por isso."

Ela pegou num copo de água e saiu.

Fiquei a olhar para o Miguel. Ele não me olhava. Olhava para a porta por onde a sua mãe tinha saído.

"A tua mãe tem razão," disse ele. "Já chega."

Ele saiu da cozinha, deixando-me sozinha no meio dos azulejos frios.

            
            

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