Quando o Fogo Consome o Amor e a Vida
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Capítulo 4

A advogada, Dra. Alves, era uma mulher de cinquenta e poucos anos, com um olhar prático e sem rodeios.

Ela ouviu a minha história sem interrupções. Apenas acenava com a cabeça de vez em quando, a tomar notas num bloco amarelo.

Quando terminei, ela encostou-se na cadeira.

"Ok, Sofia. A situação é clara. Abandono emocional e negligência. O facto de ele ter ignorado as tuas chamadas durante um incêndio que resultou na morte do vosso filho é... extremo."

Senti um alívio estranho ao ouvir alguém validar os meus sentimentos.

"Ele diz que não sabia do incêndio."

"Vamos descobrir," disse ela. "Vou pedir os registos telefónicos dele. Vamos ver exatamente quando as tuas chamadas entraram e quando ele fez outras chamadas ou usou dados. A mentira tem perna curta, especialmente na era digital."

Ela explicou-me os passos. A petição de divórcio. A divisão de bens.

"Vocês tinham uma casa," disse ela. "Está em nome de quem?"

"Dos dois," respondi. "Comprámo-la com um empréstimo."

"E o seguro?"

O seguro. Eu nem tinha pensado nisso.

"Sim, tínhamos seguro."

"Ótimo. O pagamento do seguro será um bem conjugal. Metade para cada um."

A ideia de o Miguel receber dinheiro pela casa onde o nosso filho morreu fez-me sentir doente.

"Ele não merece," disse eu, a minha voz a tremer de raiva.

"Legalmente, ele tem direito," disse a Dra. Alves, gentilmente. "Mas podemos usar isso como moeda de troca. Talvez ele aceite um acordo de divórcio mais rápido se lhe acenarmos com o dinheiro do seguro."

Assenti, sentindo-me impotente.

"Onde estás a ficar agora?" perguntou ela.

"No apartamento da minha sogra. Mas ela já me disse para procurar outro sítio."

A Dra. Alves suspirou.

"Certo. Primeiro passo: encontrar um sítio para ti. Tens algum dinheiro teu?"

Eu tinha algumas poupanças. Não muito, mas o suficiente para a caução e o primeiro mês de renda de um apartamento pequeno.

"Sim."

"Bom. Começa a procurar hoje. Precisas de estar num espaço seguro e teu. Longe deles."

A palavra "deles" soou bem. Miguel, Isabel, Cláudia. Eles eram uma unidade. Eu era a outra.

Quando saí do escritório da advogada, senti-me um pouco mais leve.

Pela primeira vez em dias, eu tinha um plano. Não era um plano feliz, mas era um caminho.

Passei a tarde a ver anúncios de apartamentos online. Encontrei um pequeno T0 no centro da cidade, perto de uma paragem de autocarro e de um supermercado. Parecia... possível.

À noite, quando voltei ao apartamento da minha sogra, ela estava a ver a sua novela.

"Encontraste alguma coisa?" perguntou ela, sem tirar os olhos da televisão.

"Sim. Vou ver um apartamento amanhã."

"Bom," disse ela.

Foi só isso. Nenhuma pergunta sobre onde era, se eu precisava de ajuda. Nada.

Naquela noite, não sonhei com o incêndio.

Sonhei com uma porta branca, com uma chave na minha mão. E a única coisa que eu tinha de fazer era abri-la.

                         

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