Passei a semana seguinte na casa da minha mãe.
Empacotei a minha vida em caixas. Fotos, roupas, as pequenas coisas que transformam uma casa num lar.
Cada objeto trazia uma memória, a maioria delas dolorosa agora.
O Pedro tentou ligar algumas vezes. Eu não atendi.
Ele deixou mensagens de voz. Primeiro zangadas, depois suplicantes.
"Lia, onde estás? Volta para casa. Precisamos de conversar."
"Lia, por favor. Eu estava chateado. Eu não queria dizer aquilo. A Inês precisa de nós."
"Lia, estás a ser infantil. Para com este drama e volta para casa. Temos um casamento para salvar."
Um casamento para salvar.
Que piada. O nosso casamento já estava morto há muito tempo. Eu é que me recusava a ver.
A minha mãe sentou-se comigo no chão, rodeada de caixas.
"Tens a certeza disto, filha?"
Olhei para ela. Vi a preocupação nos seus olhos, mas também vi o alívio.
"Tenho, mãe. Mais do que nunca."
Ela abraçou-me.
"Então eu estou contigo. Sempre."
Na sexta-feira, fui ao apartamento para ir buscar o resto das minhas coisas. Esperava que o Pedro estivesse no trabalho.
Mas ele estava lá.
Sentado no sofá, a olhar para a televisão desligada. A casa estava uma confusão. Pratos sujos na mesa de café, roupa espalhada.
Ele levantou-se quando me viu.
"Lia. Tu voltaste."
Havia esperança na sua voz.
"Vim buscar o resto das minhas coisas."
A esperança no seu rosto desapareceu, substituída pela raiva.
"Tu não podes estar a falar a sério. Vais deitar fora o nosso casamento por causa de uma discussão?"
"Não foi uma discussão, Pedro. Foi a gota de água. Eu cansei-me."
"Cansaste-te de quê? De ter uma família que te ama?"
Ri-me, um som amargo.
"Amar-me? A tua família só me tolera. A tua mãe acha que eu sou vossa empregada. A tua irmã manipula-te. E tu... tu deixas que isso aconteça. Tu escolheste-os sempre a eles em vez de mim."
"Isso não é verdade!"
"Não é? Onde estavas quando eu perdi o nosso bebé, Pedro? Estavas a consolar a Inês porque ela tinha uma dor de cabeça. Onde estavas quando o meu avô estava a morrer? Estavas no hospital a gritar comigo porque a Inês perdeu o bebé dela."
Ele ficou sem palavras. Porque era a verdade.
"Lia, eu cometi um erro. Eu amo-te."
"Não, não amas. Tu amas a ideia de me teres. A esposa obediente que cuida de tudo para que te possas concentrar na tua família perfeita. Mas eu já não sou essa pessoa."
Fui para o quarto. Ele seguiu-me.
"Então é isso? Vais desistir de nós?"
Peguei na minha última mala.
"Não há 'nós' para desistir. Eu quero o divórcio."
Virei-me para sair. Ele agarrou o meu braço.
"Tu não vais a lado nenhum."
A sua força assustou-me.
"Larga-me, Pedro."
"Não. Tu és minha esposa."
"Não por muito mais tempo."
Puxei o meu braço com força e saí porta fora, batendo-a atrás de mim.
Não olhei para trás.