Capítulo 2 O Beijo da Serpente

Capítulo 2 – O Beijo da Serpente

Narrado por Marina

O silêncio da clínica estética era acolhedor, como o interior de uma catedral minimalista. Cheirava a lavanda e promessas de juventude eterna. Meus olhos estavam fechados, enquanto a agulha da dermatologista deslizava pela pele com precisão cirúrgica. Toxina botulínica. Micropreenchimento. Laser fracionado. Tudo sob controle.

Como sempre.

- Pronto, Marina. Está perfeita - disse ela, com aquele sorriso plástico que só se vê nesses lugares onde beleza é mercadoria de luxo.

- Eu sempre estou, doutora - murmurei, me erguendo devagar, observando meu reflexo no espelho. Jovem. Firme. Letal.

Coloquei os óculos escuros Dior, arrumei o cabelo com os dedos e caminhei até o carro com a postura de quem governa sem precisar levantar a voz. Uma assessora de imprensa me aguardava na porta com a agenda impressa.

- O Leonardo ligou três vezes. Quer saber se a senhora já confirmou o jantar de hoje à noite - ela informou, cautelosa.

Sorri. Aquele tipo de sorriso que disfarça veneno em caramelo.

- Diga a ele que mal posso esperar. E agende o horário com o Gio para fazer minha maquiagem às dezoito. Quero parecer... inesquecível.

Porque toda boa mentira começa com uma imagem perfeita.

Leonardo era previsível. Um homem brilhante, sim, mas emocionalmente... frágil. Carente do tipo de atenção que homens poderosos jamais admitem desejar. Era fácil brincar com ele. Era fácil fazer com que acreditasse estar no controle.

O problema era que ele nunca esteve.

Ele pensava que eu o amava. Talvez um dia eu até tenha amado. Ou, ao menos, confundido ambição com paixão. Mas hoje? Hoje eu amava outra coisa. O dinheiro. O poder. O prestígio de ser "a mulher do homem que construiu a NavTech". Eu amava o que ele me dava - mas não a ele.

Nunca a ele.

Deixei a clínica e segui direto para o rooftop do Emiliano. Pedi um espumante rosé, tirei uma selfie impecável para o Instagram com a legenda "Quase tudo que reluz é ouro... mas o que é ouro mesmo, a gente não expõe", e aguardei a chegada de Renato.

Ele não se atrasava. Nunca.

Vestia camisa branca aberta no colarinho, blazer grafite e um sorriso que só se mostrava quando não havia câmeras. Sentou-se à minha frente e tocou minha mão com discrição.

- E então? - ele perguntou. - O magnata está mesmo apaixonado?

- Completamente. Vai me pedir em casamento hoje. - Dei um gole na taça, rindo baixinho. - Achei que ele esperaria pelo nosso aniversário. Mas parece que a insegurança falou mais alto.

- Fraco. Sempre foi.

Assenti. Mas não era só fraqueza. Era necessidade. Leonardo precisava se sentir invencível, e eu fazia isso melhor que qualquer uma. Porque sabia exatamente onde apertar.

- Depois que ele assinar o acordo com os suecos, vai transferir parte das ações para mim. Como "prova de amor". Está nos papéis do contrato pré-nupcial que ele ainda não percebeu que redigi por ele - acrescentei, cruzando as pernas lentamente.

Renato ergueu uma sobrancelha, admirado. Ele adorava minha frieza. Adorava meu veneno disfarçado de cetim.

- E depois?

- Depois? Depois vem o acidente.

Ele sorriu, mas não com os lábios - com os olhos. Aqueles olhos castanhos escuros, intensos, cínicos. O tipo de homem que nunca jogaria limpo, e justamente por isso... irresistível.

- Precisa parecer natural. Trágico, mas inevitável. Uma queda. Um freio que falhou. Uma distração no caminho da empresa. Já conversou com o segurança?

- Sim. E com o mecânico. Já está tudo certo. Vai parecer falha humana.

Ele se inclinou para frente, quase sussurrando:

- Depois do acidente... será tudo nosso.

As palavras escorreram pelos ouvidos como mel quente.

Não respondi de imediato. Peguei minha taça, bebi mais um gole, deixei que o silêncio se prolongasse o suficiente para gerar tensão. Eu gostava de ter o controle. De ver os homens se contorcerem por um gesto meu. Mesmo ele.

- Ainda me ama, Marina? - ele perguntou, com aquela voz rouca e calculada.

- Amo a vida que vamos ter. Isso não basta?

Ele sorriu, deslizando os dedos pela minha coxa por baixo da mesa.

- Hoje à noite, quero que vá até a suíte. Depois do jantar com o príncipe, claro. Não posso dormir sem minha rainha.

Fiz que sim, mas por dentro já arquitetava a sequência exata de passos. Eu tinha tudo cronometrado. Jantar às vinte. Pedido às vinte e duas. Lágrimas falsas às vinte e duas e quinze. Sexo meloso às vinte e três. À meia-noite, desculpa para sair e encontrar Renato.

Na suíte do Hotel Unique, onde o lençol de mil fios me esperava junto com ele.

Naquela cama, eu era eu. Sem disfarces. Sem maquiagem. Só ambição nua, ofegante e pulsante.

E era isso que me movia.

Não Leonardo.

Não o amor.

Mas o poder de poder destruir tudo com um beijo.

Um beijo de serpente.

            
            

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